Bebianno conversa com Bolsonaro no Rio de Janeiro (11/10/2018): processos abertos contra político do PSL ficam suspensos após ele assumir presidência (Ricardo Moraes/Reuters)
Guilherme Dearo
Publicado em 30 de outubro de 2018 às 17h45.
São Paulo - Famoso por frases, no mínimo, polêmicas, o recém-eleito presidente Jair Bolsonaro (PSL) se livrou de processos quando era deputado federal por ter imunidade parlamentar. Em três ocasiões, denúncias contra ele por conta de falas ditas durante o exercício de seu mandato não ganharam prosseguimento. A Constituição prevê que parlamentares (deputados e senadores) são invioláveis, civil e penalmente, por opiniões, palavras e votos. É da natureza do trabalho parlamentar discursar. Portanto, esse dispositivo protege o livre exercício de tal função.
Em 2016, uma representação no Conselho de Ética da Câmara pedia a cassação do mandato de Bolsonaro por ele ter, enquanto discursava no processo de votação de impeachment da então presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, louvado a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador durante a Ditadura Militar. A representação foi arquivada. Em 2011, uma denúncia por uma fala sobre negros e gays também foi arquivada.
No caso mais recente, em setembro desse ano, Bolsonaro disse durante um evento no Rio de Janeiro que afrodescendentes “nem para procriar” servem mais. O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou a denúncia. Mas, quando Bolsonaro assumir a presidência e, portanto, perder a imunidade parlamentar, o que acontecerá?
Bolsonaro perderá a sua imunidade de deputado, mas ganhará outros direitos previstos na Constituição enquanto presidente da República. Atuais processos abertos ficarão suspensos. Segundo a Constituição, "o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Uma vez presidente, só poderá responder por crimes de responsabilidade ou por crimes comuns cometidos durante seu mandato. Ele também terá foro privilegiado e será julgado apenas pelo STF, pela Câmara ou pelo Senado.
"Os casos arquivados quando Bolsonaro era deputado federal continuam arquivados mesmo com a mudança de cargo. A não ser que surjam novas provas ou denúncias. Já processos em aberto serão suspensos e só serão retomados após o fim do mandato. No dia seguinte ao fim do mandato esses processos podem recomeçar", explica o professor David Teixeira de Azevedo, docente de Direito Penal da Universidade de São Paulo.
Atualmente, estão em aberto contra Bolsonaro no STF dois processo pelo caso envolvendo a deputada Maria do Rosário (PT-RS), quando o parlamentar disse em 2014 que não a estuprava porque ela não merecia. "Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece", ele disse na ocasião a um jornal. Ambos serão suspensos até o fim do mandato de quatro anos caso não sejam julgados e concluídos antes de sua posse.
Quando Bolsonaro for presidente a partir de 2019, eventuais crimes durante o mandato seguirão dois caminhos, a depender de como se enquadrarão, se como crimes comuns ou como crimes de responsabilidade.
No caso dos crimes de responsabilidade, dentro da Lei do Impeachment (por esse caminho Dilma foi deposta em 2016), o crime cometido pelo presidente precisa ser considerado uma infração político-administrativa diretamente ligada ao exercício de seu cargo e que vai contra a Constituição. Nesse caso, a condenação acarreta a perda do cargo e pode gerar inabilitação por oito anos para exercer qualquer função pública. No caso do processo de impeachment, o presidente da Câmara acolhe o pedido do processo, que depois precisa ser aprovado por dois terços da casa. Posteriormente, vai para o Senado. Ali, também, é necessário dois terços dos votos.
Já no caso de crimes comuns, previstos no Código Penal, o caminho é diferente. A Procuradoria-Geral da República apresenta a denúncia, que precisa ser aceita por dois terços da Câmara. Depois disso, vai para julgamento no STF. O presidente fica suspenso por 180 dias, mas volta ao cargo enquanto o processo continua. O tipo de crime e a condenação vão determinar se ele ainda pode continuar cumprindo seu mandato.
Para David Teixeira de Azevedo, uma frase do futuro presidente vista como injúria ou calúnia dita durante seu mandato pode gerar um processo de crime comum, mas é improvável. “É difícil a Procuradoria-Geral da República aceitar alguma denúncia sobre uma fala polêmica quando ele for presidente porque não é só parlamentar que tem imunidade nesse sentido. Uma fala do presidente também pode ser interpretada dentro do exercício de sua função como livre manifestação de pensamento”, analisa.
As polêmicas frases ditas quando era deputado federal, se repetidas durante o mandato, também poderiam ser vistas como crime de responsabilidade, caindo na Lei do Impeachment (Lei 1.079 de 1950), já que ela diz que pode ser crime de responsabilidade “incitar militares à desobediência, à lei ou infração à disciplina” e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Mas o cenário também é improvável e não depende apenas dos fatores jurídicos, mas de questões políticas.
"A Lei do Impeachment é muito ampla, tudo você pode acabar interpretando como crime de responsabilidade por parte do presidente. Se Bolsonaro falar alguma coisa que for considerada criminosa durante seu mandato, vai depender muito do ambiente político para aceitarem a denúncia e para cair dentro do crime de responsabilidade. Só aconteceria isso se já fosse no fim do mandato, ou se ele já estivesse muito desgastado, daí seriam interesses políticos. Fora isso, acabaria sendo enquadrada como crime comum", analisa o professor Azevedo.
Se um presidente é condenado por crime de responsabilidade, a consequência é o impeachment. Sobre uma eventual condenação por crime comum durante o mandato, tal condenação não geraria automaticamente perda da função. "Nesses casos de injúria ou crime contra a honra a pena é transformada em multa, não levaria à perda do mandato. E, em um cargo público, um condenado por crime comum pode até mesmo continuar trabalhando em regime aberto ou semi-aberto. Só perde o cargo se for crime ligado ao exercício da função ou crimes com penas superiores a quatro anos", explica Azevedo.