Presidente Jair Bolsonaro (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 1 de julho de 2019 às 09h02.
São Paulo — Ao insistir em pautas caras à sua base ideológica já rejeitadas pelo Legislativo e pelo Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro tem optado por dar satisfação a seus seguidores mais fiéis em detrimento a um esforço para ampliar seu apoio popular e ao custo de um acirramento nos laços com os demais Poderes.
Um exemplo desse comportamento foi a decisão do presidente de incluir em uma nova medida provisória a transferência da competência da demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), ligada ao Ministério da Justiça, para o Ministério da Agricultura.
A proposta já havia sido rejeitada pelo Congresso ao analisar a MP que promoveu uma reforma administrativa.
Após a reedição do tema, Bolsonaro sofreu duas derrotas. No Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso deu liminar suspendendo a medida, aceitando argumentação de que um tema rejeitado não pode ser reeditado na mesma sessão legislativa. No Legislativo, o presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu o trecho da nova MP que tratava da demarcação.
"Ele está governando para o público dele, que não é majoritário. Ele nem tem a maioria pragmática nas duas Casas e ele nem tem um diálogo majoritariamente com a população. Ele está conversando com um gueto", afirmou o cientista político do Insper Carlos Melo.
"E por que ele reedita? Ele reedita porque ele está dando satisfações ao gueto", acrescentou.
Mais que isso, com essa estratégia, Bolsonaro reforça o discurso de que está tentando mudar a forma de governar e cumprir o que prometeu na campanha eleitoral e coloca sua base ideológica em choque com os demais Poderes.
"Ele fala que fez a parte dele e lava as mãos. Agora, é claro que isso implica em maior desgaste da Câmara e do Senado com a base do Bolsonaro, porque ele está alimentando, para a sua base, o conflito entre as instituições", argumentou Melo.
O cientista político entende que Bolsonaro pode estar fazendo um cálculo errado, o de que a parcela do eleitorado que o apoia de forma mais enfática, principalmente nas redes sociais, representa a vontade da maioria da população.
"Ele faz um cálculo que talvez seja um cálculo equivocado. Ele acha que a base dele nas redes sociais é a maioria do país, mas não é. Alguém precisa falar para ele que ele atinge 10 milhões de pessoas — que é gente para caramba — mas o país tem 210 milhões de pessoas", avaliou Melo.
O cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Adriano Oliveira vai além e diz que o comportamento do presidente é de quem tem repulsa à política.
"Bolsonaro não faz política, ele não cede ao Congresso. Ele quer, na verdade, entregar ao Congresso a sua ideia e quer que o Congresso aprove. Quando o Congresso não aprova, ele reclama do Congresso", disse.
"Ele mostra cada vez mais a sua ojeriza em fazer política... Ele tem um comportamento presidencial de soberano, e não um comportamento presidencial que exige um diálogo, que exige a formação de uma coalizão."
O decreto que flexibilizava o porte e a posse de armas é outro episódio em que Bolsonaro priorizou sua base mais radical. Diante de uma derrota iminente no Congresso que caminhava para derrubar a medida, o presidente revogou o decreto, mas editou outros três e enviou projeto de lei ao Parlamento para tratar do tema.
Antes, usou suas redes sociais e fez um apelo à população para pedir ao parlamentar em que votou para que não derrubasse o decreto.
Para Oliveira, o presidente fala com apenas 15% do eleitorado, que é o percentual de eleitores que seriam, na avaliação do cientista político, ideologicamente fiéis ao presidente.
"Pesquisa do Ibope que saiu agora mostra que 32% aprovam o governo, dentro desses 32% tem o eleitorado bolsonarista convicto e os outros 17% são eleitores que estão esperando o presidente fazer alguma coisa --têm uma admiração pelo presidente, são antilulistas, não querem que o PT volte-- e estão ainda dando uma chance", disse.
Pesquisa CNI/Ibope divulgada na quinta-feira mostrou uma avaliação de governo muito dividida. Enquanto 32% dos entrevistados consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom, 32% acham que ele é regular e 32% avaliam como ruim ou péssimo.
Ao mesmo tempo, o levantamento mostrou aumento dos que não confiam no presidente e dos que desaprovam sua forma de governar.
"É um presidente que não fala para a sociedade brasileira, ele fala para segmentos", afirmou Oliveira. "A estratégia de comunicação dele só tem surtido efeito no eleitorado dele."