Jair Bolsonaro (Marcos Corrêa/PR/Flickr)
Estadão Conteúdo
Publicado em 2 de junho de 2020 às 13h08.
Última atualização em 2 de junho de 2020 às 13h10.
Disposto a agradar ao centrão para barrar eventual processo de impeachment e forçado a gastar para combater o novo coronavírus, o governo do presidente Jair Bolsonaro bateu recorde de liberação de emendas parlamentares durante a pandemia. Somente em abril, R$ 6,2 bilhões foram empenhados (quando a gestão se compromete com a despesa) - trata-se do maior valor para um único mês desde 2016, ano em que o monitoramento individual das emendas passou a ser possível.
O montante efetivamente pago também foi o maior para um único mês ao longo dos últimos anos, R$ 4 bilhões. As emendas são indicações feitas por deputados e senadores de como o governo deve gastar o dinheiro do Orçamento. Os parlamentares costumam direcionar as verbas para seus redutos eleitorais e, com isso, ganham a paternidade de obras e ações que beneficiam diretamente seus eleitores, o que acaba contribuindo com suas reeleições. O dinheiro vai para construções de praças, pontes, hospitais, compra de equipamentos hospitalares, distribuição de cestas básicas, entre outras ações.
Em abril, por exemplo, o deputado Dimas Fabiano (PP-MG) recebeu créditos na página oficial da prefeitura de Passa Quatro, cidade mineira em que tem influência. "Sabia que o município de Passa Quatro vai repassar para a Casa de Caridade (Santa Casa) R$ 225 mil, por meio de emenda parlamentar do deputado Dimas Fabiano?", destacava a publicação oficial. Sabendo disso, o governo usa as emendas para barganhar apoio em votações no Congresso.
Os dados são do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e foram compilados a pedido do Estadão pela ONG Contas Abertas. O levantamento considera todos os tipos de emendas: individuais, de bancada, de comissões e do relator. "É recorde absoluto, de empenho e de pagamentos. Até então, o maior empenho tinha ocorrido no final do ano passado. Em dezembro, foram R$ 3,9 bilhões", afirmou o secretário-geral da ONG Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco.
Embora seja obrigado a pagar as emendas, o Executivo controla o calendário de transferências. O histórico desses repasses mostra que governos costumam acelerar o ritmo do desembolso quando precisam de apoio na Câmara e no Senado para aprovar projetos cruciais e até mesmo para barrar processos de impeachment.
Apesar de não ter sido o único fator que explique a maior liberação de emendas, o novo canal de diálogo do governo com o Centrão teve influência nesses pagamentos, na visão de Castello Branco. "Não é só o 'toma lá, dá cá' (de cargos). Houve volume atípico de emendas de relator e tem a pandemia. As emendas para Saúde são maiores, mas metade delas tem de ser para Saúde mesmo. E em abril, claro, estamos na fase do Centrão, que está nadando de braçada", disse o economista.
Dos R$ 6,2 bilhões empenhados em abril, R$ 3,7 bilhões estão relacionados à Saúde. Outros R$ 2 bilhões, porém, dizem respeito a demandas em ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional. As pastas controlam obras que despertam interesse eleitoral.
O pagamento de emendas na primeira metade deste ano é fundamental para políticos. O período de campanha impõe restrições aos gestores, entre elas a vedação de repasses a partir de julho. Caso não ocorram no primeiro semestre, os desembolsos só podem ser feitos após as eleições, o que seria um problema para lideranças que buscam holofotes nas disputas municipais, seja para concorrer ou para apoiar aliados.
Efeito
"Se deixasse para liberar em novembro, poderia não surtir o mesmo efeito", admitiu líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB).
Para técnicos da Câmara, é comum ocorrer aumento dos repasses em abril e maio porque o Executivo costuma usar cerca de cem dias, a partir da sanção da lei orçamentária, para avaliar eventuais problemas. Ainda assim, o dinheiro empenhado em abril foi quase o dobro dos R$ 3,3 bilhões reservados no mesmo mês de 2018.
Em abril, os pagamentos mais robustos foram, individualmente, para parlamentares de partidos do Centrão, que, até então, não haviam conseguido liberações. O maior beneficiado, com R$ 15,9 milhões, foi Josimar Maranhãozinho (PL-MA), homem da confiança de Valdemar Costa Neto.
Valor praticamente semelhante foi liberado por emendas de Mauro Lopes (MDB-MG), integrante do Conselho de Ética da Câmara e conhecido pela complacência com colegas que são alvo de processos no colegiado. Em terceiro, com R$ 15,7 milhões pagos em abril, Juarez Costa (MDB-MT), bolsonarista que flerta com o Centrão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.