Bolsonaro: presidente disse que não vai tomar a vacina contra a covid-19 (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de dezembro de 2020 às 08h20.
O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que não vai tomar a vacina contra a covid-19. Ele já foi diagnosticado e se curou da doença em julho, mas ainda não há evidências científicas robustas sobre o alcance da imunidade após a infecção. Bolsonaro ainda defendeu, outra vez, não obrigar a vacinação de todos.
Cientistas veem nas falas desestímulos à vacinação em massa, essencial para conter o vírus, e dizem que não é hora de debater a obrigatoriedade da vacina. Desde o início de março, Bolsonaro nega a gravidade da pandemia, critica o isolamento social e nem sempre usa máscara em eventos públicos.
"Como cidadão é uma coisa e como presidente é outra. Mas como nunca fugi da verdade, digo: não vou tomar a vacina. Se alguém acha que minha vida está em risco, o problema é meu e ponto final", declarou Bolsonaro ao apresentador José Luiz Datena, da TV Band.
A postura é diferente de outros líderes estrangeiros, que têm falado em tomar a vacina para incentivar a sociedade. Para a virologista Giliane de Souza Trindade, da UFMG, o governo parece trabalhar contra a vacina. "Se ele estivesse preocupado em zelar pela saúde, deveria ser o primeiro a dar exemplo. Isso faz muito mal e tem repercussões lá fora." Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, disse que essa e outras posturas do presidente são lamentáveis e afirmou ter "fé" de que Bolsonaro compreenda o papel que a sociedade reservou a ele".
À TV, Bolsonaro ainda prosseguiu. "E outra coisa, Datena, você tomando a vacina, daqui a dois, três ou quatro anos vai ter de tomar de novo, caso contrário pode ser infectado". Cientistas não sabem a duração da imunidade pela vacina. "Temos de respeitar quem não queira tomar. Não pode ser obrigatória", continuou Bolsonaro na TV.
O Supremo Tribunal Federal deve discutir esta semana duas ações sobre vacinação compulsória. Uma delas, do PDT, pede que seja reconhecida a competência de Estados e municípios para determinar a vacinação compulsória. Já outra, do PTB, requer a inconstitucionalidade dessa previsão. Em outubro, o governador João Doria (PSDB) disse que a vacinação seria obrigatória em São Paulo, o que motivou protestos. Sobre a necessidade de obrigar a vacinação, especialistas apontam que o desafio inicial será outro: lidar com a limitação de doses diante da demanda da população mais vulnerável do País - só os grupos de idosos, indígenas e pessoas com comorbidades somam 42 milhões de pessoas estima o próprio Ministério da Saúde.
Segundo o plano de imunização entregue pelo governo ao STF semana passada, "a interrupção da circulação da covid-19 no território nacional depende de uma vacina altamente eficaz sendo administrada em parcela expressiva da população (>70%)". Nos últimos dias, o presidente ainda tem incentivado obrigar que seja assinado um termo de consentimento por quem se vacinar contra a covid, por causa de possíveis efeitos colaterais. A ideia foi criticada por especialistas.
Bolsonaro ainda disse ontem que dará "sinal verde" para qualquer imunizante com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ele prevê medida provisória que libera R$ 20 bilhões para comprar imunizantes. "Qual vacina? Aquela que passar pelo crivo da Anvisa. Passou, a gente compra, sem problema nenhum."
A postura do governo federal mudou. Em outubro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, prometeu a governadores comprar 46 milhões de doses da Coronavac, desenvolvida pelo laboratório Sinovac e pelo Instituto Butantã, ligado ao governo paulista, de João Doria (PSDB). Pazuello foi desautorizado no dia seguinte por Bolsonaro, que alegou falta de credibilidade do produto, por ser chinês. E também celebrou nas redes socais, em novembro, a interrupção nos testes da Coronavac, após a morte de um voluntário.
Para especialistas, é cabível responsabilização por essas posturas. "Existe uma intencionalidade, que é claríssima do governo federal, de disseminar a doença. Porque é a crença na ideia de que, se ela se disseminar rápido, terminará rápido também", afirma Deisy Ventura, professora de Ética da Faculdade de Saúde Pública da USP. "Há desrespeito às leis, às normas jurídicas adotadas, com atos de obstrução do trabalho dos governadores e prefeitos e, principalmente, a disseminação de informações falsas, como a de que existe tratamento precoce da covid."
"Um dos requisitos para crime de responsabilidade, impeachment, é violar direito social. Uma atitude como a dele é a de violar o direito à saúde da população, porque está atrapalhando as medidas que deveriam ser tomadas para garantir o direito a saúde", diz o médico e advogado sanitarista Daniel Dourado.