Eleições: Bolsonaro deixou para trás adversários tradicionais e máquinas partidárias (Bloomberg/Colaborador/Getty Images)
Reuters
Publicado em 29 de outubro de 2018 às 01h14.
Brasília - O capitão da reserva do Exército e deputado federal Jair Bolsonaro, de 63 anos, foi eleito presidente da República neste domingo após uma forte campanha nas redes sociais embalada pelo antipetismo, reforçada por um discurso contra o estabilishment político e de defesa intransigente de valores conservadores, e marcada por inflamadas declarações com arroubos autoritários.
Bolsonaro deixou para trás adversários tradicionais e máquinas partidárias, e derrotou no segundo turno o petista Fernando Haddad na campanha mais polarizada da história, na qual foi acusado de ser racista, misógino e contrário a minorias, além de simpatizar com a tortura e defender a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985.
O pouco atuante parlamentar --com quase três décadas como deputado federal com baixa produção legislativa-- terá pelos próximos quatro anos, a partir de 1º de janeiro de 2019, o desafio de reverter a divisão do país agravada pela campanha eleitoral, gerar postos de trabalho em um país com cerca de 13 milhões de desempregados e retomar o crescimento econômico.
Para tanto, segundo pessoas próximas a ele, o presidente eleito vai amenizar o discurso beligerante, pregando a união dos brasileiros, e começar a articular a montagem de uma base de apoio no Congresso para aprovar uma agenda de reformas que, além de medidas de estímulo econômico e ajuste fiscal, terá como eixo uma proposta de reforma da Previdência.
A candidatura do capitão da reserva começou a ser gestada logo após a eleição presidencial de 2014, quando a petista Dilma Rousseff venceu o tucano Aécio Neves. Na ocasião, Bolsonaro -- recém-eleito deputado mais votado do Rio de Janeiro, mas longe dos holofotes-- já se intitulava um candidato de direita "sem vergonha", com a defesa da redução da maioridade penal e a flexibilização das leis trabalhistas.
O então pré-candidato passou a circular país afora em voos de carreira para se tornar conhecido. Nesse ínterim, deixou o PP --um dos principais partidos envolvidos na operação Lava Jato--, migrou para o PSC e chegou ao PSL.
Para dar visibilidade às suas ações, Bolsonaro contou com um grupo restrito de pessoas, segundo o assessor de imprensa do gabinete, Eduardo Guimarães. Foram assessores, os filhos (três são parlamentares) e o próprio deputado que gravavam, editavam, escreviam e publicavam em cada uma das redes. Esse foi o principal canal para mobilizar seus apoiadores.
Em uma espécie de voo praticamente solo, longe do escrutínio diário da imprensa e do tradicional jogo de poder de Brasília, o deputado se firmou como o antipolítico no momento em que importantes lideranças eram tragadas por escândalos revelados pela Lava Jato.
O envolvimento de tucanos em denúncias de corrupção levou-o a se colocar como a antípoda do PT, no momento de enfraquecimento do partido com sua principal liderança, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril.
O agora presidente eleito passou ileso pelo mar de acusações que envolveram importantes políticos do país. É réu, no entanto, em dois processos no Supremo Tribunal Federal (STF) no episódio em que, em 2014, disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela "não mereceria". Assim que ele assumir o mandato, as ações ficarão congeladas até ele deixar a Presidência.
Os petistas insistiram na candidatura de Lula, que liderava as pesquisas ao Palácio do Planalto, mas foi barrado com base na Lei da Ficha Limpa até a menos de um mês do primeiro turno, quando foi substituído por Fernando Haddad.
Durante esse período, Bolsonaro vinha se consolidando como o principal nome na corrida presidencial nos cenários sem Lula, numa resiliência que quebrou a aposta dos principais adversários de que o então candidato do PSL, com seu discurso beligerante, iria "desidratar" e perder forçar por não ter forte estrutura partidária nos Estados nem tempo de rádio e televisão para fazer propaganda --dois ativos que as campanhas consideravam imprescindíveis para vencer a disputa.
Pouco depois do início da campanha na TV, foi vítima de um atentado à faca em uma agenda de campanha em Juiz de Fora (MG) que, para além de suspender inicialmente a artilharia dos adversários contra o presidenciável, gerou um intenso noticiário sobre ele, que tinha apenas 8 segundos de programa oficial.
Do hospital, onde ficou internado por três semanas, Bolsonaro assistiu ao crescimento das suas intenções de voto e teve de administrar polêmicas de auxiliares próximos, dando mais trabalho do que a munição dos adversários. Ele reprimiu seu vice na chapa, o general da reserva do Exército Hamilton Mourão, que fez críticas ao décimo terceiro salário e defendeu uma nova Constituição sem a participação de eleitos pelo povo.
"O vice não apita nada, mas atrapalha muito", disse Bolsonaro pouco antes do primeiro turno sobre Mourão.
Outra polêmica foi o fato de o economista Paulo Guedes, já indicado por ele como superministro da Economia, ter feito uma defesa da recriação de um tributo nos moldes da CPMF.
Bolsonaro blindou Guedes --chamado por ele de "posto Ipiranga" e espécie de fiador do seu futuro governo junto ao mercado financeiro pela defesa que faz de uma agenda de reformas e liberal. Disse que Guedes --que tem propostas opostas ao histórico de atuação corporativista dele no Legislativo-- foi alvo de um mal entendido.
No segundo turno, o presidenciável teve de intervir para reduzir os estragos com a veiculação de um vídeo de um dos filhos, o deputado federal reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), no qual defendeu o fechamento do Supremo.
"O pessoal até brinca que para fechar o STF você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo. Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular?", questionou ele, em vídeo de meses atrás.
Em meio à reação de ministros da corte e outras autoridades, Bolsonaro desautorizou o filho. "Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra", disse.
O capitão da reserva também se envolveu em uma série de polêmicas com a imprensa e elegeu como principal inimigo a Folha de S.Paulo --jornal que publicou uma reportagem na qual afirma que empresários simpáticos a ele bancaram um esquema de mensagens em massa por WhatsApp contra petistas.
A pedido da chapa de Haddad, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu uma investigação contra Bolsonaro que, mesmo após eleito, poderá levar à cassação do mandato.
"A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo", afirmou Bolsonaro, em vídeo que foi veiculado em ato de apoio à sua candidatura a uma semana do segundo turno.
Nesse mesmo discurso, Bolsonaro afirmou que haverá uma faxina "muito mais ampla" de adversários. "Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria", disse.
Apesar do discurso de colocar a imprensa sob permanente tensão, que tem ressonância entre apoiadores, há quem aposte que ele vai moderar o tom como presidente eleito.
"Uma coisa é você na campanha eleitoral falar mal da Constituição e assumir uma postura que, pelo menos aparentemente, contraria a Constituição, e outra coisa é chegar ao poder central da República", disse o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, que foi sondado --mas já negou-- assumir o Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
Sem dar muitos detalhes de propostas, o presidente eleito já afirmou que pretende a partir de agora montar a equipe de ministeriáveis sem contar com o apoio direto de dirigentes de partidos políticos. Quer somente técnicos e já disse que vai reduzir à metade o número de pastas --atualmente são 29 com esse status.
Na formação do ministério, terá de acomodar interesses das frentes parlamentares que o apoiam, como as bancadas da segurança pública, evangélica e do agronegócio. Ao mesmo tempo, buscar a formação de uma base de apoio no Congresso para aprovar propostas, como as reformas da Previdência e tributária (que ainda não estão fechadas), e acalmar parte da bancada do PSL, que se tornou a segunda maior da Câmara na onda bolsonarista e quer alguém do partido para comandar a Casa.
Bolsonaro já deu sinais de que não se oporia à continuidade do atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas, segundo aliados, ainda não há nada certo.
"A velha política não tem mais espaço. Nós estamos vivendo a era Bolsonaro agora. Que é o fim do toma lá dá cá, do balcão de negócios, da sopa de letrinhas que tem que arregimentar uma série de partidos para aprovar projetos", disse o empresário Junior Bozzella, eleito deputado federal pelo PSL de Bolsonaro.
Devido ao atentado e por estratégia de campanha, o agora presidente eleito só participou de dois debates ainda no primeiro turno e não teve suas ideias escrutinadas por adversários e imprensa.
O tempo dirá se Bolsonaro --que não apresentou durante a campanha um consistente plano de governo, mas conseguiu o respaldo do eleitorado para seu primeiro cargo no Executivo como presidente da República-- se consolidará como uma nova era.