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Boate Kiss: entenda o que pode acontecer com os réus após o julgamento

Juristas explicam a acusação contra dois donos da boate, músico e produtor, acusados por assumir o risco de provocar o incêndio e causar 242 mortes

Entrada da Boate Kiss após o incêndio que causou mais de duzentas mortes na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (REUTERS/Edison Vara/Reuters)

Entrada da Boate Kiss após o incêndio que causou mais de duzentas mortes na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul (REUTERS/Edison Vara/Reuters)

AO

Agência O Globo

Publicado em 3 de dezembro de 2021 às 11h52.

Os quatro réus que estão sendo julgados pela morte de 242 jovens no incêndio da boate Kiss, em janeiro de 2013, em Santa Maria (RS), respondem por homicídio com dolo eventual, cuja pena varia de seis a 20 anos de reclusão. Quem vai decidir se eles devem ou não cumprir a pena é o júri, também chamado como conselho de sentença, e formado por sete pessoas escolhidas por meio de sorteio — são seis homens e uma mulher.

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Esse tipo de crime é diferente do homicídio doloso, quando o réu tem intenção de matar a vítima e age para que isso aconteça, como quando alguém é contratado para matar uma pessoa, por exemplo. Difere também do homicídio culposo, quando o réu não tinha intenção de cometer o crime, como num atropelamento, por exemplo. Neste caso, segundo a lei brasileira, o caso nem vai para júri popular e é julgado por um juiz, como na maioria dos processos. A pena máxima é de três anos de prisão e pode ser aumentada em um terço se o crime resulta em inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício.

O dolo eventual é aplicado quando se entende que o réu não tinha intenção de causar a morte de alguém, mas tomou atitudes em que assumiu o risco de que isso ocorresse. O exemplo mais comumente usado por especialistas e o do motorista embriagado que mata alguém atropelado. Ao ingerir bebida alcoólica, esse motorista assumiu o risco de que poderia se envolver num acidente, já que seus reflexos estão alterados.

Ao oferecer denúncia contra dois ex-sócios da boate Kiss, um músico e um produtor musical, o Ministério Público adotou uma tese semelhante. No caso dos donos, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Lodeiro Hoffmann, eles assumiram o risco de causar mortes na casa noturna porque usaram uma espuma inflamável e tóxica no palco, além de não terem montado sinalização e rotas de fuga. Já Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão foram negligentes ao acenderem sinalizadores num local fechado.

Para o criminologista Mauricio Stegemann Dieter, professor da USP, a sentença por júri popular foi a melhor solução encontrada pela Justiça para, de alguma forma, deixar que a comunidade decida sobre a culpa dos dois sócios da boate e de dois integrantes da banda que fez um show pirotécnico, provocando o incêndio.

— Há momentos em que há necessidade de resolução de conflito pela sociedade. Essa é uma questão que vai além da técnica. Foi uma tragédia enorme, são mais de 200 famílias e os mortos eram jovens com toda uma vida pela frente. Há um sentimento popular por justiça — afirma Dieter.

O julgamento por homicídio com dolo eventual, por tribunal de júri, ocorre por decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Dieter afirma que nenhum dos réus teve intenção de causar a tragédia. Do ponto de vista técnico, explica, havia possibilidade de os integrantes da banda terem sido denunciados, por exemplo, pelo artigo 250 do Código Penal, que é causar incêndio, expondo a perigo a vida ou integridade física de terceiros. Se considerado um incêndio não intencional, a pena máxima seria de 2 anos. Se o incêndio fosse intencional, a pena máxima subiria para seis anos.

O professor de Direito Penal David Teixeira de Azevedo, também da USP, afirma que a tragédia da boate Kiss causa repulsa devido à proporção da tragédia, mas defende que os réus não tiveram intenção de matar nenhuma das vítimas.

Ele explica que o homicídio com dolo eventual pressupõe que o agente (réu) não quer que ocorra a morte, mas antevê que ela pode acontecer e aceita esse resultado como possível.

Na jurisprudência, acrescenta ele, existe a figura da culpa consciente: a pessoa sabe que, ao agir de determinada forma, pode ocorrer um resultado. Porém, não acredita de forma nenhuma que ele acontecerá.

— É como alguém que vai atirar e vê outra pessoa perto. Sabe que há o risco de atingi-la, mas acredita que isso não irá acontecer. Ele não quer nunca o resultado. O resultado acontece por imprudência, negligência. Se pudesse prever o futuro a antever o sinistro, jamais faria — explica.

Azevedo defende que os réus fossem julgados por homicídio culposo, sem intenção de matar, acrescido de omissão, uma vez que tinham o dever jurídico de proteger a vida das pessoas que estavam dentro do estabelecimento.

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