MICHEL TEMER: segundo a PGR, presidente recebeu cerca de R$ 15 milhões em propinas da JBS / Peter Foley/ Pool/Getty Images
Raphael Martins
Publicado em 18 de março de 2017 às 07h32.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.
A semana que caminhava para ser uma das mais difíceis para o governo termina com um inesperado clima de paz no Planalto. Os índices básicos de emprego mostraram retomada, o esperado leilão de aeroportos foi considerado um sucesso, o Brasil foi capa da revista The Economist como exemplo de recuperação. E o clima de assombro que parecia se instaurar em Brasília à espera da lista do procurador-geral Rodrigo Janot com pedidos de investigação por corrupção arrefeceu. Isso que estão lá todos os alvos esperados, como seis ministros em atividade, os presidentes Rodrigo Maia (DEM-RJ), da Câmara dos Deputados, e Eunício Oliveira (PMDB-CE), do Senado, 10 governadores, dois ex-presidentes e dois importantes ex-ministros. No dia da divulgação, a bolsa estava mais atenta a eventos externos — a reunião do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos — e subiu 2,4%. O dólar caiu 1,8%, para 3,11 reais. O que aconteceu?
É certo que, antes do levantamento de sigilo das delações, fica difícil compreender o real poder de destruição da lista. Mas a “delação do fim do mundo” gerou efeito limitado no governo Michel Temer por dois motivos. Primeiro, a lista é dura, mas não trouxe grandes novidades, e começa a ficar claro que seus efeitos práticos só devem ser sentidos no longo prazo, dada a morosidade da Justiça. O outro: o presidente montou uma blindagem para evitar uma paralisação do Congresso.
Uma medida determinante foi tomada no início de fevereiro, com o anúncio de regras específicas para a queda de ministros envolvidos nas investigações da Lava-Jato. Demissão só em caso de denúncia recebida pelo Supremo Tribunal Federal, transformando o investigado em réu. Temer, assim, ganhou tempo para trabalhar.
O mais recente ato de prevenção do presidente foi montar um calendário que enaltecesse a agenda positiva do governo. Para isso, valeu-se da melhora de perspectiva da nota de crédito do Brasil pela Agência Moody’s e de resultados econômicos e de sucesso em privatizações. O leilão dos aeroportos de Fortaleza, Florianópolis, Porto Alegre e Salvador na quinta-feira 16, por exemplo, vai gerar 3,7 bilhões de reais em caixa. Foi a primeira grande vitória do plano de concessões do governo.
O próprio presidente Temer convocou coletiva no mesmo dia para anunciar os resultados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mostrou pela primeira vez em 22 meses que o país criou mais vagas que fechou. Foram 35.000 novas vagas, um pequeno demonstrativo de reação no cenário que hoje gira em torno dos 12 milhões de desempregados no Brasil. “O emprego está voltando. É a notícia que eu mais queria dar”, disse Temer nas redes sociais.
A fórmula se completa com indícios de melhora nos indicativos macroeconômicos. A taxa básica de juros está em queda e chegou a 12,25%, com previsões de mercado que estimam 9% até o fim de 2017. A inflação em 12 meses passou de um patamar de dois dígitos para o centro da meta, 4,76% em fevereiro. O índice para o mês de 0,33% é o menor desde 2000.
Os indicativos de reação são essenciais para manter a base política coesa. Colher frutos de recuperação na economia, afinal, é fundamental para o projeto eleitoral dos partidos. “A Lava-Jato não vai inviabilizar as votações, pois toda a classe política tem consciência que o pior cenário é não votar a Previdência. O resto vamos levando”, diz o deputado Ricardo Tripoli (PSDB-SP), líder tucano na Câmara.
De acordo com Sergio Vale, economista da MB Associados e colunista de EXAME Hoje, o cenário de não aprovação seria de fato caótico. O primeiro efeito é compressão das contas pelo teto de gastos, aprovado no fim de 2016. Os gastos com a Previdência chegariam a 97% do gasto público total em 2030. A revogação do teto forçaria em aumentar a arrecadação via tributos, como a CPMF, gerando reação do mercado. “Neste cenário, também, a taxa de desemprego de quase 13% de hoje deixaria saudades, com números caminhando rapidamente para 17%”.
O que atravanca os planos do governo é a oposição dentro da Câmara. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, a estimativa é que o governo tenha apoio de apenas 30% dos parlamentares. Foram apresentadas 164 emendas ao projeto, muitas das quais para suavizar o texto. Ainda assim, nenhuma consultoria trabalha com a hipótese de reprovação ou desfiguração significativa do texto. A consultoria Eurasia, em relatório nesta semana, projetou 70% de chances de aprovação do texto. “A lista terá um impacto maior nas eleições de 2018 do que na agenda de reforma de Temer. É provável que as reformas sejam adiadas, em vez de minadas”, diz o texto. Para a consultoria, a sombra da Lava-Jato pode até impulsionar as reformas, pois os líderes do partido que estejam na lista devem “empurrar uma agenda positiva” como estratégia da sobrevivência. “Eles sabem que a falta de uma reforma lhes custaria mais”.
O maior desafio continua a ser mostrar para a população que a proposta é essencial. O governo tem publicado vídeos nas redes sociais e, Temer disse em um evento a empresários em Brasília que “a sociedade brasileira, pouco a pouco, vai entendendo que é preciso dar apoio a este caminho para colocar o país nos trilhos”. Neste mesmo dia, houve manifestações contra o projeto em 22 capitais, somado ao Dia Nacional de Paralisações e Greves, que paralisou atividades de transporte público, bancários e agentes penitenciários em grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
O desafio, evidentemente, é evitar que os protestos se espalhem. “O teor das delações pode elevar a inflamação popular. Principalmente se o envolvimento dos ministros e da base for em questões mais sérias”, afirma Wagner Parente, diretor da consultoria política Barral M Jorge.
As tentações
Como forma de garantir o foro privilegiado aos acusados pela Lava-Jato, empurrando para frente o julgamento de quem venha de fato a ser denunciado, o governo articula a aprovação de eleições para o Legislativo por meio de “lista fechada”. “Ministros como Marcos Pereira e Gilberto Kassab controlam bancadas e demandam espaços no governo, mas não têm mandato. Agora, se perdem o foro, caem na mão do Sergio Moro”, diz Parente, da Barral M Jorge. “Estão na mão de Temer, fortalecendo a posição do governo”.
Com a mudança, o eleitor passaria a dar o voto ao partido político, que organizaria uma sequência pré-selecionada de parlamentares, sendo possível colocar na frente da fila os investigados, um benefício garantido até 2022. “As delações da Odebrecht na Lava-Jato mostram que os líderes funcionam como responsáveis pelo financiamento de campanhas dos seus partidos e candidatos individuais”, afirma o cientista político e professor do da FGV-Rio Sérgio Praça, em coluna publicada esta semana por EXAME Hoje. “Com a lista fechada, eles teriam também o poder, segundo alguns, de escolher os integrantes da lista do partido”.
Para tanto, o governo terá que entrar em choque com a mais popular instituição do momento: a própria Lava-Jato. Seria, segundo consultores e analistas ouvidos por EXAME Hoje, um momento em que os interesses dos políticos e do país se separaria em definitivo. “Não nos cabe entrar na questão política. O que deputados e senadores usam ou não da Lava-Jato é critério deles”, afirma Paulo Roberto Galvão, procurador da República e integrante da força-tarefa da Lava-Jato. “Nossa força está no apoio da população. Só podemos esclarecer o efeito das decisões políticas para que o povo cobre os parlamentares do que estão fazendo”.
A mudança é articulada pelos presidentes do Congresso, Temer e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes. Esta semana, Mendes confirmou que a “estabilidade política” será fator considerado por ministros no julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer. Em outras palavras, haverá tendência de absolvição do presidente caso os juristas considerem que os efeitos de sua queda serão nocivos para o cenário de retomada na política e economia do país. “Em todas as circunstâncias, nós levamos em conta [a estabilidade]. Mas não que isso vá presidir o julgamento, é um julgamento complexo”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo.
Não à toa, nenhuma consultoria política trabalha atualmente com o cenário de cassação. “Entendemos que, mesmo que o relator Herman Benjamin peça a cassação de Temer, haverá favorecimento do presidente. O tribunal deve considerar um custo enorme alavancar a queda de Temer – mesmo que se trate de um presidente que sofre com a falta de legitimidade e popularidade”, afirma João Augusto de Castro Neves, diretor de análise para Brasil da Eurasia. “O processo é desgastante, envolvendo eleições sem regras claras estabelecidas”.
No fim das contas, a semana do fim do mundo termina como a mais positiva para Temer — e nem a citação o ministro da Justiça, Osmar Serraglio, na Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, mudou isso. Afinal, Temer já mostrou que não é de perder o sono por ministro enrolado.