Barra Longa: a cidade foi a única que teve o centro coberto pelos rejeitos de minério de ferro da barragem da Samarco (Agência Brasil)
Da Redação
Publicado em 6 de dezembro de 2015 às 15h27.
Mariana -- Os moradores de Barra Longa, em Minas, única cidade a ter o centro coberto pelos rejeitos de minério de ferro da barragem da Samarco, tentam retomar o cotidiano em meio à nova rotina de pó, lama e barulho de máquinas.
Lojas mantêm plásticos e papelões no chão para minimizar a sujeira levada pelos clientes, calçadas estão com telas para evitar que pedestres circulem pela rua enlameada e, ao redor da Escola Estadual Claudionor Lopes, única que sobrou na cidade, grades foram colocadas na rua para impedir que as crianças sejam atropeladas no vaivém constante de caminhões.
O município de 8 mil habitantes - que tem apenas 2 mil na área urbana - vê agora a economia girar ao redor dos trabalhos de limpeza, que trouxeram mais de 200 pessoas para o centro. Mas não há perspectivas de fim do trabalho, que deve durar, segundo a prefeitura, pelo menos até setembro do ano que vem. A barragem da Samarco se rompeu no dia 5 de novembro, deixando ao menos 11 mortos e 8 desaparecidos.
Quem viu a vida mudar agora diz estar "sem rumo". "É difícil conseguir dormir, nossa cabeça fica agitada, pensando em tudo isso o tempo todo. Mesmo dormindo o sono é tumultuado. Sonho com a água suja, já sonhei que a outra barragem havia se rompido", conta a aposentada Maria do Socorro Ferreira Carneiro, de 53 anos.
A casa de Maria foi uma das atingidas pela lama. Quando as equipes de limpeza chegaram ao imóvel, localizado perto da praça central da cidade - na margem do Rio do Carmo, que trouxe a lama -, acabaram estourando a tubulação de esgoto, o que a impediu de ficar no segundo andar, como os vizinhos têm feito. Maria agora está em uma residência alugada pela Samarco.
O medo de mais estragos nos imóveis fez com que alguns dos moradores virassem "fiscais da limpeza", vigiando o trabalho dos operários. "Fiquei 19 dias na sacada de casa vendo o pessoal limpar. O dia inteiro. Tinha medo que acontecesse o mesmo que houve com a Maria", conta a artesã Denise Ferreira Bento, de 49 anos.
Denise também descreve o estresse causado pelo acidente. "Está todo mundo com a cabeça agitada. Está tudo muito bagunçado, é muito barulho, muita coisa para fazer. Ficamos impacientes entre nós, nossas famílias estão brigando dentro de casa", revela.
O cansaço dos moradores também é decorrente do trabalho extra. Mesmo quem não está envolvido com a limpeza das ruas tem de limpar a própria casa várias vezes ao dia, resultado da invasão de poeira fina. O imóvel da família da dentista Maila Cota Carneiro, de 25 anos, era um sobrado amplo, com sacada para a Igreja Matriz, construção do século 18. A loja de tecidos e aviamentos do térreo foi destruída. No segundo andar, Maila aponta para o chão e para os sofás, antes brancos e agora quase marrons, por causa do pó. "Não adianta limpar", conta.
Embora quem serve refeições confesse o aumento no faturamento, a maior parte dos comerciantes da cidade deixou de trabalhar. Sinésio Antônio Rola Carneiro, de 49 anos, perdeu a pizzaria no térreo do imóvel e teve o acesso à fazenda onde criava gado de leite fechado pela lama.
"Passei 12 dias tirando o leite e jogando fora, porque não tinha como virem buscar." A saída, diz, foi gastar as economias. "Só por isso é que não estamos passando por dificuldades."
Nem mesmo a vida administrativa da cidade tem rotina atualmente. O prefeito, Fernando José Carneiro Magalhães (PMDB), fica do lado de fora da prefeitura, sempre para resolver alguma questão relacionada à limpeza. O presidente da Câmara Municipal, Leleco Rosário Canuto (PMDB), chega a operar umas das máquinas de limpeza enquanto decide como deslocar os caminhões que trazem diesel para os equipamentos.
Os moradores de Barra Longa se dizem exaustos e se mostram impacientes com a Samarco. "Vem um cara aqui, fala que vai fazer alguma coisa, trazer uma máquina para tirar alguma lama. Aí você fala com ele mais tarde e a resposta é que o cara já encaminhou o pedido para outra pessoa, que tem de falar com fulano. Nisso, o tempo passa. Estou muito cansado", diz o comerciante Marco Antônio Xavier, de 74 anos. A empresa não comentou.