PM: bancada da bala da Alesp encaminhou um requerimento para que a proposta tramitasse em regime de urgência (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 24 de julho de 2020 às 17h45.
Última atualização em 24 de julho de 2020 às 18h11.
Os deputados que formam a chamada bancada da bala da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) articulam a aprovação de um projeto de lei complementar (PLC) que extingue a Ouvidoria da polícia. O órgão tem a atribuição de encaminhar e acompanhar denúncias da população sobre abusos e violações praticados por policiais. O PLC já havia sido apresentado em abril de 2019, mas só voltou a tramitar recentemente.
A bancada, composta majoritariamente por parlamentares do PSL e do PP, encaminhou nesta semana um requerimento para que a proposta tramitasse em regime de urgência. O requerimento entrou em discussão, que deve ser retomada na próxima semana.
A deputada Leticia Aguiar (PSL), co-autora do projeto, afirmou que a extinção da Ouvidoria tem como objetivo "economizar os cofres públicos" e "acabar com o aparelhamento ideológico" no órgão. Além do ouvidor, há 15 cargos: dez assistentes e cinco assessores. Os salários variam entre R$ 4.471,19 e R$ 9.394,78.
— Nós entendemos que existem outros órgãos já fazendo esse trabalho, como as corregedorias. Não faz sentido ter a Ouvidoria. E a gente acha que tem um aparelhamento ideológico, com pessoas contrárias à defesa dos policiais, com objetivo muitas vezes de desmotivá-los — afirma Aguiar.
A deputada Beth Sahão, cujo partido, o PT, fechou questão contra a proposta, declarou ser "um tremendo retrocesso" acabar com a Ouvidoria. Ela preside a Comissão de Direitos Humanos e é também ouvidora da Alesp.
— Eles querem reduzir o trabalho da Ouvidoria e dizer que a corregedoria faz um trabalho igual, mas não faz. A corregedoria é um órgão interno e, por mais que queira, não vai deixar de ter um viés corporativo. A Ouvidoria, por outro lado, tem independência, autonomia e liberdade. O ouvidor, embora escolhido pelo governador, recebe votos e acaba assumindo com uma referência da sociedade civil — diz Sahão.
O atual ouvidor Elizeu Soares Lopes rebate às afirmações. Ao GLOBO, disse que o órgão é uma "conquista da sociedade civil" e "a fiscalização da atividade policial dignifica os bons policiais, afastando e punindo os maus".
— A Ouvidoria não é inimiga das polícias, pelo contrário, ela é parte integrante do sistema de segurança pública do estado de São Paulo e, como tal, defensora intransigente da qualidade do trabalho policial e da polícia — afirma Lopes.
A diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, diz que falta a alguns parlamentares "a noção do que sejam instituições democráticas". Segundo ela, qualquer instituição do poder público tem que prestar contas à sociedade.
— O argumento do projeto é desconectado da realidade. Se esses deputados olhassem o tipo de denúncia que chega à Ouvidoria, veriam que boa parte é feita pelos próprios policiais que não encontram meios de questionar seus superiores dentro das próprias instituições — disse Samira, para quem o trabalho da Ouvidoria não é apenas encaminhar denúncias contra policias, mas ajudar a resolver problemas concretos da categoria, como a saúde mental dos policiais.
— Os dois últimos relatórios anuais da Ouvidoria trouxeram uma enorme discussão, por exemplo, sobre suicídios de policiais. São Paulo tem mais policial que morre por suicídio do que em confronto — diz ela.
O PLC avança na Alesp na esteira de diversos casos de violência policial trazidos à tona. Neste mês, dois policiais militares de São Paulo foram afastados por pisar no pescoço de uma mulher negra e quebrar sua perna. Pelo menos outros quatro casos de brutalidade policial foram divulgados na capital paulista no último mês. A recorrência levou o governador João Doria (PSDB) a determinar que policiais militares passassem por novo treinamento.
Doria também apresentou na última quarta-feira o programa "Olho Vivo", que visa implantar 3 mil câmeras nos uniformes de policiais até o fim deste ano. O objetivo é coibir abusos dos agentes. No entanto, caberá ao próprio policial decidir se acionará ou não o dispositivo durante as operações policiais.
As mortes provocadas por agentes de segurança cresceram 22% no estado de São Paulo em março e abril de 2020, em comparação com o período semelhante do ano passado. No ano todo, o crescimento foi de 31% em relação a 2019, contra uma subida de 8% em todo o país. Em 2019, das 5.854 denúncias ou reclamações recebidas pela Ouvidoria das polícias de São Paulo, 2.069 envolvem abuso de autoridade, lesão corporal, assédio moral, tortura e até crime sexual.