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Auxílio emergencial é péssimo, diz economista que criou o Bolsa Família

Em entrevista à EXAME, o economista Ricardo Paes de Barros, professor do Insper, critica modelo centralizado de concessão do benefício e avalia novos programas sociais que o governo quer criar

Ricardo Paes de Barros: auxílio deveria ser descentralizado, com cotas para municípios (Leandro Fonseca/Exame)

Ricardo Paes de Barros: auxílio deveria ser descentralizado, com cotas para municípios (Leandro Fonseca/Exame)

CA

Carla Aranha

Publicado em 30 de maio de 2021 às 08h01.

Última atualização em 30 de maio de 2021 às 09h21.

O economista Ricardo Paes de Barros é um dos mais renomados estudiosos de desigualdade e pobreza no Brasil. Durante boa parte da década de 90, ele dedicou o seu tempo a estudos e análises sobre programas de transferências de renda, época que a desigualdade batia recordes no país. Com pós-doutorado pela Universidade de Chicago e pela Universidade de Yale, ambas nos Estados Unidos, Paes de Barros foi um dos mentores do Bolsa Família, criado em 2004.

Paes de Barros olha com ceticismo as reformulações prometidas pelo governo pelas quais o programa deve passar este ano, que incluem um reajuste no valor pago (hoje de 190 reais, em média) e a ampliação do número de famílias atendidas. Paralelamente, o ministro Paulo Guedes, da Economia, vem discutindo a criação de dois benefícios sociais – um deles, voltado à qualificação profissional, daria entre 250 e 300 reais mensais a cada beneficiado.

Na entrevista a seguir, o economista, que atualmente é professor da escola de negócios Insper, em São Paulo, se debruça sobre esses temas. Veja os principais trechos da conversa.

O governo diz que pretende incorporar 40 milhões de família no Bolsa Família este ano. Isso é factível, no atual cenário macroeconômico e de risco fiscal?

A história do Bolsa Família é muito clara e educativa sobre um ponto importante. Existem entre 12 e 15 milhões de famílias brasileiras que precisam de uma atenção muito especial. Certamente não são 40 milhões. E, de qualquer forma, tem recurso para atender 40 milhões?

Justamente, esse recurso existe?

Recurso para atender 40 milhões de famílias até dá para ter, mas elas serão mal atendidas, com um quarto do valor do benefício pago. O que é mais importante, atender bem as 12 milhões de famílias que realmente precisam ou atender 40 milhões mal?

Há deficiências no programa tal como ele é hoje?

Existem famílias que recebem menos do que precisariam. Além disso, as famílias mais pobres não precisam apenas de transferência de renda. Isso deveria ser o ponto de partida para elas começarem a ser incluídas produtivamente e ter todos seus direitos sociais garantidos. O Bolsa Família é um programa muito importante para aqueles que realmente precisam e há pessoas que não precisam e estão no Bolsa Família. Precisaríamos tirar aquelas que não precisam para conseguir dar uma atenção melhor para aquelas que precisam.

O que deveria ser feito?

Simplesmente ampliar o programa, ao invés de tentar melhorá-lo não parece uma boa estratégia. Existe muito conhecimento disponível sobre a política social brasileira. Há estudos sobre o abono salarial, o seguro desemprego, o FGTS, o Bolsa Família. Nós já sabemos muita coisa. O nosso problema é não usar o que sabemos para tomar a decisão mais adequada.

Nesse sentido, qual é a sua avaliação sobre a ideia do ministro Paulo Guedes, da Economia, de criar dois programas sociais, o Bônus de Incentivo à Qualificação, que teria um valor mensal de 250 a 300 reais, e o Bônus de Inclusão Produtiva?

Em termos de recursos, temos uma ideia meio errada no Brasil. Ao invés de trabalhar com a restrição fiscal em primeiro lugar, deveríamos trabalhar com as boas ideias. Me refiro a ideias detalhadas, especificadas e debatidas. Mas as boas ideias precisam ser analisadas. Se o Paulo Guedes tem duas grandes ideias, vamos escutar e discutir isso em profundidade. Tem espaço, mesmo que isso venha da necessidade de juntar outro programa.

O senhor já disse que se for para reduzir a desigualdade, vale a pena se endividar. É isso mesmo?

Claro. O teto de gastos não deixa de ser uma indexação. No fundo, o que temos que colocar na mesa é quais são as boas ideias. Quem não vai querer investir em um projeto altamente promissor porque alguém diz que não tem dinheiro? Se uma empresa tem um projeto altamente promissor, ela pega dinheiro emprestado. É a mesma coisa em um país. Mas é preciso ter certeza que não está se fazendo um mal investimento.

O teto de gastos é uma maneira de colocar limites em um governo irracional. Se o governo está gastando de uma maneira sem sentido, aí coloca um teto para não causar tantos danos assim. Mas em um governo que consegue demonstrar a validade de cada uma de suas ações, não há motivo para limitar o quanto vai gastar.

Como avalia o governo?

Tem coisas que são muito bem boladas, como o programa de redução da jornada e da renda, o BEm. O auxílio emergencial é péssimo.

Por que na sua visão o auxílio é péssimo?

Estou me referindo ao auxílio de 2020. Obviamente precisava ter um auxílio emergencial. Mas não deveria ser decidido de forma centralizada quem vai receber o auxílio. Isso deveria ser descentralizado o máximo possível. Deveríamos trabalhar com cotas, que poderiam ser por municípios, e deixar cada município se organizar com as suas comunidades para descobrir quem são as pessoas que mais necessitam.

O Plano Nacional de Imunização funciona dessa forma, descentralizada. Há duas vantagens nesse processo, iríamos identificar quem precisa com uma precisão muito maior e entenderíamos melhor o que essas pessoas mais precisam.

O governo tem falado em prorrogar o auxílio em função de uma piora da pandemia. Qual é a sua opinião sobre isso?

Deveríamos ter feito como outros países, que adotaram um distanciamento social mais duro e uma paralisação econômica planejada por três semanas, com transferência de renda, com a intenção de controlar a pandemia. Corremos o risco de transformar a pandemia em algo crônico. Um tratamento mais profundo causaria menos detrimento para a economia. Esse mecanismo arrastado de muitos meses é pior particularmente para os mais pobres.

Por quê?

Conseguiríamos cuidar melhor dos mais pobres se em um ou dois meses conseguíssemos dar uma boa freada na pandemia e fazer transferência de renda nesse período. Mas por dois anos, não dá para fazer isso. O erro é arrastar o enfrentamento da pandemia.

O recorde de desemprego no primeiro trimestre é um sinal disso?

Sim, mas o problema na educação é ainda pior. São 35 milhões de crianças fora da escola, o ano inteiro. O potencial de aprendizado que está sendo perdido é gigantesco.

Entenda como as decisões da Câmara e do Senado afetam seus investimentos. Assine a EXAME.

 

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