Paraisópolis: grupo de manifestantes protesta contra PM na comunidade onde mortes aconteceram (Amanda Perobelli/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 18 de dezembro de 2019 às 13h22.
Última atualização em 18 de dezembro de 2019 às 13h33.
São Paulo — Uma conversa por áudio entre os policiais envolvidos na tragédia de Paraisópolis e o Centro de Operações Policiais Militares (Copom), obtida pela TV Globo, converge com a versão da PM de que o 16º Batalhão perseguiu dois suspeitos numa motocicleta na madrugada de 1º de dezembro. A busca teria levado a polícia ao baile funk da DZ7, onde a intervenção deixou nove pessoas mortas.
A comunicação entre os policiais e o Copom começou às 3:41 daquela noite. "Copom, Herbert Spencer... Jogou pra cima da equipe aí", disse um policial, usando o jargão policial para disparos contra o batalhão.
"Herbert Spencer, viatura pra apoiar. 101 tá próximo, Copom", responde a central. Em seguida, o PM da viatura diz: "105, Herbert Spencer com Ernest Renan", referindo-se ao cruzamento onde acontecia o baile funk. Mais de cinco mil pessoas frequentavam a festa.
Alguns minutos depois, o policial descreve os supostos indivíduos na moto. "Copom, dois indivíduos numa XT 660 preta. O garupa, armado, camisa branca. Efetuou vários disparos contra as equipes", afirma à central.
Decorrem mais de 20 minutos sem comunicação entre o batalhão e o Copom. Naquele momento, imagens gravadas pelos moradores mostram frequentadores da festa fugindo pelas ruas.
Segundo testemunhas, os policiais fizeram uma ação de dispersão no evento, usando bombas e balas de borracha. A PM, por sua vez, afirma que a perseguição terminou no meio do baile funk, cujos frequentadores arremessaram paus, pedras e garrafas contra a polícia.
Essa versão é negada pelos frequentadores da DZ7 e moradores de Paraisópolis. Gravações em vídeo mostram policiais agredindo jovens, jogando bombas na rua e encurralando uma multidão em dois becos próximos ao baile.
Às 4:35, uma policial militar do batalhão aciona a central. "Copom, aciona o resgate na rua Ernest Renan com Adolf Lutz. Teve correria aí, pisoteamento, pode solicitar mais de um resgate aí para o local, QSL?", ela diz.
Minutos depois, a agente cobra da central viaturas de resgate e "médico regulador para fazer o socorro dos indivíduos, a situação é grave".
Quase meia hora após o primeiro pedido de resgate, os policiais avisam o Copom que vão levar as vítimas para o hospital. "Vamos socorrer, QSL? Vários indivíduos aqui...", diz o PM. A central então pergunta quantos indivíduos estão desacordados no local. O PM responde: "a princípio nove".
A informação do áudio, entretanto, não bate com os relatos feitos pelos moradores. Segundo eles, policiais teriam ameaçado moradores para impedir o socorro de vítimas.
Um chamado feito por uma jovem ao Samu chegou a ser cancelado por um agente do Corpo de Bombeiros, sob a alegação de que a PM já teria feito o atendimento.
Questionada sobre o porquê de os áudios entre o 16º Batalhão da PM e o Copom, na madrugada de 1º de dezembro, não terem sido disponibilizados antes para a própria Polícia corroborar a sua versão, a Secretaria de Segurança Pública do estado respondeu: "Os áudios das comunicações realizadas pela PM na ocorrência em Paraisópolis foram anexados aos inquéritos do DHPP e da Corregedoria da PM".
A secretaria também afirmou que "o conteúdo é analisado a fim de identificar os policiais que realizaram as comunicações via rádio e comparar a dinâmica das ações durante a ocorrência. Até o momento, mais de 40 oitivas já foram realizadas e as equipes analisam outros elementos que possam contribuir para o esclarecimento dos fatos".
Um mês antes da tragédia da DZ7, o sargento da PM Ronaldo Ruas, de 52 anos, foi morto por traficantes enquanto participava de uma operação na favela de Paraisópolis.
Ruas pertencia à Força Tática do 16º Batalhão, grupo responsável pela ação que resultou nas mortes do baile funk. Desde a morte do sargento, a PM decidiu reforçar o policiamento na comunidade, o que aumentou a tensão no local.
Para os moradores de Paraisópolis, o tumulto provocado pela operação policial estava “escrito para acontecer”. Na internet, alguns jovens relataram que deixaram de frequentar o baile por causa da tensão que havia no local.
Pessoas ouvidas pelo GLOBO relataram que um clima de retaliação por parte da polícia teria dominado o bairro no último mês antes da tragédia. Há relatos de que pneus de carro teriam sido furados e motocicletas quebradas por agentes da PM, que nega as denúncias.
"Depois da morte do policial, o comércio não fica mais aberto até tarde. Na rua do baile, todo o mundo já sabia que não podia ter mais evento. Mas o baile continuou porque os comerciantes precisam disso. Se um fechar a porta, o outro vai lá e abre. É o que dá renda, né?", declarou um comerciante.