Escolas: índice de infecção pode ser alto mesmo se cumpridas as regras de distanciamento (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Carolina Riveira
Publicado em 21 de agosto de 2020 às 17h53.
Última atualização em 21 de agosto de 2020 às 23h07.
Em todo o mundo, a volta às aulas é um dos aspectos mais sensíveis do processo de retomada de atividades durante a pandemia do novo coronavírus. Enquanto o Brasil discute o melhor momento de voltar, um novo estudo divulgado nesta sexta-feira, 21, mostra que entre 11% e 46% dos alunos e funcionários em escolas públicas poderiam se infectar com a covid-19 dois meses após a volta às aulas.
O estudo foi feito por especialistas do coletivo Ação Covid, que vêm fazendo simulações de contágio da covid-19 em todo o Brasil, em parceria com os pesquisadores de educação da Rede Escola Pública e Universidade (Repu).
A simulação calcula as chances de, se uma pessoa infectada entrar no ambiente, outras serem contaminadas em meio às aulas presenciais.
O número leva em conta dois cenários: uma escola ampla e arejada (o que os pesquisadores chamaram de escola dispersa) e uma escola menor e apertada (chamada de escola comprimida). O contágio seria alto em ambos os casos mesmo se cumpridos os protocolos de higiene e distanciamento pela maioria das pessoas.
Assim, na escola dispersa, 11% dos alunos e professores seriam infectados segundo a média das simulações. Na escola comprimida, seriam 46%.
O projeto inclui um simulador, em que os próprios cidadãos podem usar para simular os riscos de contágio em suas escolas (leia no fim da página como usar).
O modelo de simulação parte do pressuposto de que só 35% dos alunos por turno estariam presencialmente na escola, o que está estabelecido no plano de volta às aulas do governo de São Paulo, apresentado pelo governador João Doria (PSDB). Pelo plano, as aulas estão previstas para voltar em 7 de outubro. O cálculo também leva em conta os funcionários que estariam na escola segundo o plano do governo.
São calculadas três interações possíveis de acontecer por dia entre as pessoas (entrada, saída e um intervalo das aulas). Quanto mais densa a escola e menos os protocolos forem respeitados, mais rápido acontece o contágio.
Na prática, o resultado mostra que só haveria segurança para os alunos se, na escola com menos espaço, entre 3,5% e 7% dos estudantes fossem à escola. E mesmo a escola com melhor cenário de espaço, mais ampla, só poderia comportar entre 20% e 11% dos alunos por vez.
Ambos os percentuais estão abaixo do plano estabelecido de 35% do governo paulista.
"Ou seja, é pouco viável voltar com esse percentual, o aluno iria a escola duas vezes por mês. A recomendação que tiramos é que não é possível voltar às aulas neste momento", diz o economista José Paulo Guedes Pinto, um dos organizadores do estudo e membro da Ação Covid e professor na Universidade Federal do ABC. "Uma escola menos densa vai ter uma dinâmica de contaminação menor do que uma escola menor e mais lotada. Ainda assim, mesmo no melhor cenário, não há segurança."
Os pesquisadores usaram como referência para criar o simulador duas escolas estaduais de São Paulo, de fundamental II e ensino médio. Uma escola, em Pinheiros, tem a melhor densidade e é mais ampla, e a outra, na Brasilândia, é classificada como comprimida.
"Não dá para prever o futuro, mas o que o modelo de simulação faz é um possível cenário para diferentes tipos de escola", diz Guedes.
No modelo de cálculo, o estudo coloca na simulação que uma pessoa infectada entraria na escola a cada dez dias. Fora isso, a simulação não leva em conta o trajeto dos alunos entre a escola e suas casas, o que também pode gerar contágio adicional ao previsto.
O estado de São Paulo tem hoje cerca de 7,7 milhões de alunos na rede pública no ensino básico, isto é, da creche ao ensino médio. Na rede comandada pelo governo estadual, usada como referência, são 3,6 milhões de alunos (a maioria do ensino fundamental e médio, alunos mais velhos, enquanto os mais jovens ficam em escolas municipais tradicionalmente).
Os pesquisadores afirmam que não é possível fazer uma média de possibilidades de contágio para o estado inteiro ou para todo o Brasil, porque o modelo é baseado em simulações para cada tipo de escola e as escolas são variáveis. Mas o estudo mostra que um percentual alto de alunos poderia estar em risco de contágio, sobretudo em escolas mais densas. "O modelo mostra que há uma desigualdade grande nas chances de contágio dentro da própria rede pública", diz Guedes.
O simulador criado pelos pesquisadores pode ser acessado neste link. É preciso escolher o número de alunos da escola, o nível de protocolos de higiene e segurança e se as pessoas supostamente vão respeitar as recomendações de segurança. Os pesquisadores também recomendam que cada simulação seja feita três vezes para garantir maior precisão.
As chances usadas pelos pesquisadores na base de cálculo vão em linha com a literatura científica já disponível: uma pessoa transmitindo o vírus durante cerca de 14 dias e as chances de contágio em cada local, já calculadas pelas pesquisas da Ação Covid no Brasil e de outros pesquisadores no mundo.
As chances de contaminação no caso de contato com um infectado variam a depender da situação socioeconômica e densidade do lugar de onde os alunos vêm, diz Guedes. "Se a maioria respeita o distanciamento e a higiene e uma pessoa tromba com outra sem querer, a menor chance de contaminação é de 39%, a chance que acontecer em bairro rico de São Paulo, na Suíça, em Nova York", afirma.
A pior chance seria numa comunidade muito pobre, de 48%. Os pesquisadores preferiram não usar a pior taxa porque, diz Guedes, a tendência é que na escola os alunos tentem a manter algum distanciamento, professores incentivem a lavagem constantes das mãos.
Assim, foram usadas para calcular as chances de contágio nas escolas, no caso de contato, as três melhores. Abaixo, é possível assistir a um vídeo sobre como usar o simulador e fazer o teste para diferentes escolas.