Imagem aérea da favela da Rocinha, no Rio de Janeiro: "senso comum sempre pensa a favela apenas como uma invasão", disse especialista (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 3 de outubro de 2013 às 14h14.
Rio de Janeiro - A criação de assentamentos que fugiram ao controle do governo e o aluguel de terras sem contratos registrados por parte de proprietários são alguns dos fatores que deram início a ocupações que se tornariam algumas das maiores favelas da cidade, segundo duas pesquisas divulgadas hoje (3) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no seminário Favelas do Rio de Janeiro, Percurso Histórico e Estatuto Legal.
"O senso comum sempre pensa a favela apenas como uma invasão, mas o que a gente percebeu é que tanto os proprietários, os donos das fazendas, incentivaram o processo inicial de povoamento, por meio do aluguel de chão, como o próprio IAPC [Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários], promovendo o povoamento desordenado em áreas que pertenciam a ele, já que não se comprometia, por meio de concessões informais, com a forma como ocorria", explicou a antropóloga Patrícia Couto sobre o Complexo do Alemão, a partir da pesquisa A Gramática da Moradia no Complexo do Alemão: História, Documentos e Narrativas.
Patrícia trabalhou no estudo em conjunto com a pesquisadora Rute Imanishi Rodrigues, entrevistando 80 moradores antigos do Alemão para construir a memória social de como se deu a ocupação do complexo. "A gente obteve muito resultado com a memória, inclusive das práticas culturais locais. Sem o depoimento deles, boa parte do trabalho de memória que a gente levantou não seria possível".
Entre os moradores, a antropóloga encontrou filhos dos primeiros ocupantes, que obtiveram contratos sem registro de "aluguel de chão", em que os fazendeiros não se responsabilizavam por qualquer benfeitoria feita na área. Boa parte das fazendas que não foram "alugadas" foi vendida posteriormente ao IAPC que, em um primeiro momento, permitiu que jardineiros e caseiros se mudassem para a área do horto florestal com suas famílias. Por motivos de segurança, eles próprios autorizaram que outras famílias entrassem e formassem uma vizinhança.
Posteriormente, nos anos 40 e 50, o próprio IAPC começou a permitir a entrada de famílias por meio de contratos informais em que não se responsabilizava por qualquer infraestrutura. Com o adensamento da área e a chegada das indústrias, a migração se intensificou, com a chegada de famílias removidas de outros locais, parentes e com o processo culminando na invasão de Nova Brasília, em 1957. Formou-se uma associação de moradores que começou a vender cavas de terra e a tentar regular a ocupação, realizando inclusive um censo próprio. "Eles não tinham visibilidade nenhuma. Não tinham água, não tinham luz e construíam tudo em mutirão. As invasões vão ocorrer sim, mas em um momento posterior à presença do poder privado e do Poder Público".
Rute, que trabalhou ainda na pesquisa Os Parques Proletários e os Subúrbios do Rio de Janeiro: Aspectos da Política Governamental para as Favelas entre 1930 e 1960, reforça o papel do Poder Público na formação de favelas: "Nos anos 40 e 50, o governo local realmente criou alguns assentamentos no subúrbio. O intuito era transferir áreas que estavam sendo remodeladas com a abertura de avenidas".
Os Parques Proletários de que tratam a pesquisa receberam principalmente moradores que ocupavam o entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas e áreas do subúrbio em que eram abertas avenidas, como no Caju. Alguns assentamentos, como a Vila Proletária da Penha e Vigário Geral, tiveram uma estrutura básica inicial. "O governo local perdeu o controle sobre a ocupação. Era um arranjo muito frágil. Com a migração, os próprios moradores que se instalaram com o consentimento do governo, passaram a se considerar invasores, porque muita gente depois se instalou sem pedir autorização a ninguém".