Senado: com a ocupação da mesa do plenário, Eunício interrompeu a sessão e ordenou o fechamento das portas (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Carolina Riveira
Publicado em 11 de julho de 2017 às 13h42.
Última atualização em 22 de fevereiro de 2020 às 00h01.
A sessão para discutir a reforma trabalhista no Senado, nesta terça-feira, era dada como uma vitória assegurada para o governo. O Planalto contava ter pelo menos 50 votos pela aprovação da reforma, nove a mais que a maioria simples do Senado. Acontece que os trabalhos foram muito mais tumultuados que o previsto.
Pela manhã, as senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Grazziotin (PcdoB-AM) , Fátima Bezerra (PT-RN) e Regina Souza (PT-PI) ocuparam a mesa do plenário antes da chegada do presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
Quando Eunício chegou, por volta do meio-dia, com uma hora de atraso, as senadoras se recusaram a sair, o que fez Eunício interromper a sessão, fechar as portas do plenário e desligar luzes e microfones.
No dia de votar uma das pautas essenciais para dezenas de milhares de brasileiros, os senadores se comportaram como adolescentes.
Apesar do tumulto, analistas consideram inevitável a aprovação do projeto numa sessão que deve ser retomada ainda nesta terça-feira. Enviada ao Congresso em dezembro do ano passado pelo Planalto, a reforma trabalhista é considerada um pilar do governo Temer, ao lado da reforma da Previdência, que também tramita no plenário, e do teto para gastos públicos, aprovado no ano passado.
A aprovação deve ser usada pelo governo para mostrar que ainda tem força política. O PSDB, maior partido aliado, realizou na noite desta segunda-feira uma reunião para definir sua saída da base, mas adiou a decisão justamente por conta do risco de a reforma trabalhista não sair.
Da forma como está hoje, o texto altera 97 artigos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e sete artigos de outras regras trabalhistas. A CLT surgiu em 1943, durante o governo do presidente Getúlio Vargas, e foi alterada por algumas leis específicas desde então.
O argumento do governo Temer, defendido pela base aliada e pelo setor empresarial, é que a reforma será capaz de gerar empregos ao desonerar os empregadores e facilitar contratações e demissões, como uma forma de reduzir os 14,2 milhões de desempregados no primeiro trimestre — uma taxa de desemprego de 13,7%, segundo dados de março do IBGE.
A oposição, por sua vez, argumenta que a flexibilização vai intensificar a precarização das condições de trabalho e gerar vagas de pior qualidade. Veja, a seguir, os principais pontos do projeto.
Ao contrário das mudanças na Previdência, que seguem emperradas na Congresso, a reforma trabalhista teve uma tramitação rápida e favorável ao governo.
O texto que foi votado no Senado nesta terça-feira foi aprovado na Câmara no dia 26 de abril, num processo considerado controverso por ter sido rápido demais. A celeridade não impediu os deputados de alterarem dezenas de artigos da CLT: o texto enviado pelo Planalto chegou à Câmara com seis páginas e saiu com 43.
Para conseguir aprovar o texto no Senado sem alterações, Temer prometeu em carta em junho que mudaria alguns pontos após a aprovação, “devido à urgência das medidas para enfrentar o alto desemprego no país”.
O processo será comandado pelo líder do governo no Senado, o senador Romero Jucá (PMDB). Líderes da oposição, como o senador Lindbergh Farias (PT), disseram na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na semana passada que o artifício enfraquece o papel do Senado.
A senadora Katia Abreu (PMDB), do partido do presidente, disse que, embora seja a favor da reforma, não concordava em aprová-la nestas condições, com o governo “caindo de podre”.
Os senadores de oposição que tomaram a mesa do Senado nesta terça-feira pedem, justamente, mais tempo para discutir o projeto.
O principal ponto da reforma trabalhista é o chamado “acordado sobre o legislado”, que vai permitir uma negociação mais direta entre patrões e empregados. O acordo direto estará acima das próprias leis trabalhistas se um caso for parar na Justiça do Trabalho, por exemplo.
Assim, será possível, nos novos contratos, alterar temas que antes eram negociados coletivamente por centrais sindicais — como férias, jornada de trabalho, horário de almoço e banco de horas.
Por outro lado, ainda será preciso respeitar os limites da CLT. No caso da jornada, por exemplo, o acordado entre patrão e empregado não pode passar de 12 horas de trabalho por dia (48 horas semanais, no máximo).
Com as negociações diretas se sobrepondo às discussões gerais da categoria, os sindicatos saem enfraquecidos. Outro ponto da reforma que enfraquece as centrais é o fim da contribuição sindical obrigatória.
A contribuição é equivalente a um dia de salário por ano, o que rendeu aos sindicatos mais de 3 bilhões de reais em 2016. Hoje, o pagamento aos sindicatos é descontado diretamente da Folha. Com a nova lei, isso será feito apenas por quem desejar.
A reforma também legaliza a figura de um negociador coletivo nas empresas, um funcionário eleito pelos colegas para liderar a conversa com os patrões.
Nas futuras alterações, o governo prometeu que vai tornar obrigatória a presença de um representante do sindicato nessas negociações coletivas.
A jornada máxima permitida vai de 44 para 48 horas semanais. O limite sobe de 8 horas/dia (com até 2 horas extras) passa para até 12 horas/dia.
Se trabalhar 12 horas seguidas, o trabalhador ganha direito a um dia e meio de folga — regime que já é utilizado em profissões que exigem plantões ou trabalhos noturnos, como porteiros e enfermeiros.
A reclamação dos sindicatos é que esse regime de 12 horas pode passar a ser usado indiscriminadamente. Temer também prometeu incluir, nas alterações futuras, um adendo para só permitir jornada de 12 horas quando a pauta for negociada pela categoria toda.
A reforma ainda deixa de contabilizar como tempo de trabalho o que é gasto no deslocamento até o local de trabalho, e tira a obrigatoriedade do intervalo de uma hora para almoço — o mínimo obrigatório passa a ser de meia hora, e o restante deve ser negociado.
O empregador passa a poder contratar o trabalhador para um serviço específico e pagar apenas pelas horas efetivamente trabalhadas. A maior vantagem, para quem contrata, é a flexibilidade, já que essa prestação de serviços pode acontecer em dias não-consecutivos — chamado de contrato intermitente, que antes não era regularizado na lei.
Finalizado o serviço, o empregador também precisa pagar, de forma proporcional ao tempo trabalhado, direitos como férias, 13º salário e descanso semanal.
Como não é fixo, o trabalhador pode procurar outros trabalhos. Mas a Organização Internacional do Trabalho recomenda que as legislações
trabalhistas pelo mundo incluam um número mínimo de horas a serem recebidas, de modo a garantir segurança ao trabalhador e permitir que ele se programe com suas despesas pessoais, por exemplo.
Os contratos temporários tinham limite de três meses, e, agora, poderão durar até nove meses — seis meses iniciais, com prorrogação de outros três meses.
Nesse caso, o trabalhador é contratado por um período específico e tem os mesmos direitos que um trabalhador fixo (como férias e 13º salário), mas não recebe os 40% de multa sobre o FGTS se for demitido no meio do período.
Esse tipo de contrato pode ser celebrado entre uma pessoa física e uma empresa, ou mesmo entre uma prestadora de serviços e uma empresa. Assim como a lei que já regulava o tema (que era de 1974), o texto da reforma estabelece que esse é um artifício usado para “acréscimo extraordinário de serviços, entre outros, aquele motivado por alteração sazonal na demanda por produtos e serviços”. Mas a oposição argumenta que os contratos temporários vão substituir as contratações fixas, e não somente em casos excepcionais.
Uma empresa também pode contratar trabalhadores autônomos, o que sempre foi permitido por lei. A diferença é que a reforma trabalhista deixa de enxergar esse vínculo como empregatício, mesmo que haja exclusividade e continuidade na prestação do serviço. Antes, a Justiça obrigava as empresas a pagarem aos autônomos fixos o mesmo que seria pago a um funcionário contratado.
A reforma reforça o que havia sido estabelecido pela lei da terceirização (PL 13.429/17), aprovada em março, que permitia sem restrições a contratação de terceirizados para qualquer atividade de uma empresa — inclusive a atividade-fim (aquela para a qual a empresa foi criada). Um mesmo trabalhador terceirizado não pode voltar a ser contratado em menos de três meses do fim do contrato.
Para tentar evitar que as empresas demitam funcionários para contratar terceirizados ou temporários, Jucá e Temer prometeram acrescentar no futuro uma regra para que, se um trabalhador fixo da empresa for demitido, ele também não pode voltar a ser contratado como terceirizado antes de 18 meses após a demissão.
Além dos sindicatos, organizações como o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), divulgaram na segunda-feira uma nota contrária à aprovação do texto, afirmando que a reforma é “açodada” e “carente da participação adequada de todos os segmentos sociais envolvidos”.
Uma pesquisa do Datafolha de maio mostra que, para 58% dos entrevistados, a reforma vai tirar direitos dos trabalhadores e, para 64%, trará mais benefícios aos patrões que aos empregados.