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As estratégias de Bolsonaro para enfraquecer facções dentro das prisões

A promessa do presidente Jair Bolsonaro de conter a criminalidade crescente o coloca em rota de colisão com as facções das prisões

Facções: autoridades de segurança de alto escalão revelam os planos do governo para enfraquecer as facções (Reprodução/Reuters)

Facções: autoridades de segurança de alto escalão revelam os planos do governo para enfraquecer as facções (Reprodução/Reuters)

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Reuters

Publicado em 10 de abril de 2019 às 18h42.

Porto Alegre — Antes que procuradores pudessem realizar uma inspeção naquela que é considerada a pior prisão do Brasil no ano passado, seu diretor teve de liberar a visita com as autoridades locais de fato: as facções.

A população carcerária brasileira cresceu oito vezes em três décadas e chegou a 750 mil presos, a terceira maior do mundo, e suas facções passaram a exercer um poder vasto que se estende muito além dos muros dos presídios.

A promessa do presidente Jair Bolsonaro de conter a criminalidade crescente o coloca em rota de colisão com as facções das prisões.

Em uma estratégia revelada à Reuters, autoridades de segurança de alto escalão disseram que planejam isolar os chefes das facções, intensificar a vigilância, construir mais cadeias e enviar forças federais a sistemas prisionais em crise.

Criadas inicialmente para proteger presidiários e pleitear condições melhores, as facções das prisões do Brasil hoje estão envolvidas em assaltos a bancos e tráfico de drogas e de armas, e seus chefes comandam seus impérios graças a celulares contrabandeados.

Sua disseminação insuflou uma onda de crimes violentos, transformando o Brasil o campeão mundial dos assassinatos. Com um recorde de 64 mil mortes em 2017, as facções se tornaram o problema de segurança mais urgente do país e adversários perigosos para Bolsonaro, capitão da reserva do Exército.

"A solução da segurança pública do Brasil depende de várias coisas, mas umas dessas coisas é o sistema prisional", disse Fabiano Bordignon, escolhido por Bolsonaro para chefiar o Departamento Penitenciário Nacional.

Bordignon disse em uma entrevista que as cerca de 1.500 cadeias do país precisam de cerca de 350 mil vagas adicionais para abrigar detentos. Ele planeja usar um fundofederal prisional de 1,5 bilhão de reais para ajudar governos estaduais a criarem entre 10 mil e 20 mil vagas neste ano.

Até o final do mandato de Bolsonaro, em 2022, Bordignon espera reduzir o déficit para até 140 mil vagas. Como cada uma custa em média 50 mil reais, sabe que precisa de mais dinheiro: "Não vai ser com quatro anos que a gente vai resolver tudo."

Mas as autoridades precisam "retomar o controle" das prisões, acrescentou. "Algumas delas, não são todas, mas uma boa parte delas, o Estado não tem um controle dentro delas."

O pior do país

Em nenhum outro local esta realidade é mais flagrante do que no Presídio Central de Porto Alegre. Inaugurado em 1959, ele é o maior do Brasil e, segundo um relatório parlamentar de 2015, o pior.

Quando representantes do Conselho Nacional do Ministério Público foram inspecioná-lo no ano passado, seu diretor os informou que primeiro precisava da aprovação dos líderes das facções, de acordo com o relatório dos investigadores.

A prisão tem capacidade para 1.824 pessoas, mas quando a Reuters a visitou, autoridades disseram haver quase 5 mil presos de ao menos oito facções espremidos em suas galerias mofadas --mais do que toda a população carcerária da Noruega.

Internamente a prisão é controlada pelas facções, cujos membros vivem em blocos de celas bolorentas e superlotadas em que os guardas armados só entram com equipamentos específicos para enfrentar distúrbios. Em uma ala comandada por uma facção, cerca de 300 presos estavam em um espaço concebido para 200, e muitos dormiam no corredor.

Cerca de 30 por cento da população do presídio é mais ou menos analfabeta, e dezenas sofrem de tuberculose e sífilis, disseram funcionários das alas educativa e médica da cadeia. No pátio de exercício, que os detentos dividem com ratazanas e baratas, o esgoto escorre de canos partidos.

As facções oferecem proteção contra estupros e grupos rivais, mas o preço é alto. Os detentos têm que comprar comida de seus chefes, que controlam até suas visitas íntimas.

Durante a visita da Reuters, o chefe de uma facção fumava impassivelmente enquanto prisioneiros entravam e saíam de um corredor imundo onde se acomodavam com namoradas, esposas ou prostitutas em colchões manchados. De vez em quando o chefe chamava um deles pelo nome para avisar que seu tempo havia acabado.

Herique Junior da Rocha Machado é um dos 780 detentos que trabalham cozinhando, limpando e lavando. Os trabalhadores de uniforme laranja vivem separados das facções, mas são repudiados por colaborar com seus carcereiros.

"Preso vem para se recuperar. Se não vão na galeria dos trabalhadores, vão na galeria das facções. Volta para a rua, e quer fazer tudo de novo. A tendência é só piorar", disse Machado, que foi preso por participar de um sequestro.

Nova legislação

Eleito em outubro prometendo aplicar a lei e a ordem para acabar com anos de corrupção e de violência crescentes, Bolsonaro e seu governo precisam colocar seu discurso duro contra as facções em prática agora.

Para restaurar a ordem, Bolsonaro conta com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, ex-juiz que ganhou os holofotes nacionais com a operação Lava Jato.

Em fevereiro, Moro anunciou seu pacote projeto de combate ao crime, que inclui propostas para endurecer as penas de prisão e isolar líderes de facção em prisões de segurança máxima.

A proposta de Moro tem um futuro incerto no Congresso, onde Bolsonaro enfrenta dificuldades para estabelecer uma coalizão estável.

Mesmo que o pacote de Moro naufrague, Bordignon disse que o governo pretende tornar mais difícil a infiltração de celulares nas prisões, endurecer o recrutamento de guardas e lançar um sistema de classificação para ajudar o governo federal a concentrar recursos em prisões problemáticas.

Durante a entrevista, ele também expressou disposição para despachar forças federais a Estados que estão perdendo o controle de suas prisões.

Em janeiro, o governo Bolsonaro enviou agentes federais para o Ceará, que sofreu uma onda de ataques coordenados depois que as autoridades estaduais anunciaram planos para tornar as condições nos presídios mais rígidas.

No mês seguinte, o governo aplicou outro golpe nas facções transferindo vários líderes do poderoso Primeiro Comando da Capital (PCC) de São Paulo, entre eles o chefão Marcos Willians Camacho, ou "Marcola", para prisões federais.

A Reuters visitou a prisão federal de Brasília que abriga Marcola e diversos líderes do PCC.

Aberta no ano passado ao custo de 45 milhões de reais e inspirada em uma prisão de segurança máxima famosa do Estado norte-americano do Colorado, a cadeia de Brasília tem 208 celas individuais, e 12 extrasseguras para detentos como Marcola.

Os prisioneiros de alto risco ficam trancados 22 horas por dia e se exercitam durante duas em um pequeno pátio adjacente às celas. Visitas íntimas são proibidas, e recentemente as autoridades também acabaram com o contato físico entre detentos e seus familiares ou advogados. Agora as conversas são por telefone, e os prisioneiros ficam separados dos visitantes por uma janela de plástico duro.

"As penitenciárias federais são as mais eficientes hoje para combater o crime organizado no Brasil", disse Marcelo Stona, diretor de operações do Departamento Penitenciário Nacional.

Prisões novas, mesmos problemas

Mas o país só tem cinco prisões federais, todas construídas desde 2006, com capacidade para pouco mais de mil detentos -- cerca de 0,1 por cento da população carcerária atual.

Como o Presídio Central de Porto Alegre, a grande maioria das prisões brasileiras são administradas por governos estaduais com grandes restrições financeiras, e muitas vezes com resultados desiguais. Blocos de celas superlotados são policiados por agentes mal remunerados, e rebeliões fatais são comuns.

Ao menos 56 detentos foram assassinados em Manaus em 2017, quando membros de facções adversárias começaram a matar uns aos outros. Muitos foram decapitados e esquartejados.

Os Estados brasileiros têm se esforçado para construir prisões modernas e "antifacções", mas elas também estão se mostrando vulneráveis.

Aberta em 2016, a prisão de Canoas fica só a 25 quilômetros do Presídio Central de Porto Alegre, mas parece estar a um mundo de distância. O governo estadual do Rio Grande do Sul escolhe os prisioneiros a dedo para preservar a integridade das instalações, e bloqueadores de sinal impedem o uso de celulares.

Celas para oito homens, abertas remotamente do piso inferior, minimizam os riscos de os guardas serem corrompidos.

Mas, apesar destas iniciativas, dois detentos morreram no local em circunstâncias suspeitas no segundo semestre de 2018, e autoridades locais ficaram alarmadas quando prisões estaduais superlotadas enviaram presos filiados a facções para preencher as vagas em Canoas.

"Se a gente fizer mais do mesmo... se perde tudo", disse o procurador estadual Alexander Guterres Thomé, que inspeciona a prisão de Canoas com frequência. "Eles querem entrar, desorganizar e tomar conta."

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