Moro: ministro abandonou 22 anos de magistratura para integrar governo, mas segue acumulando derrotas em suas propostas (Brazil Photo Press/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 29 de setembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 30 de setembro de 2019 às 20h25.
São Paulo — Na próxima sexta-feira (04) completam-se oito meses desde que o ministro da Justiça, Sergio Moro, entregou ao Congresso Nacional o seu chamado "pacote anticrime".
Desde março, um Grupo de Trabalho (GT) na Câmara dos Deputados analisa item por item as sugestões do ministro, que alteram 14 leis brasileiras, entre elas o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal e a Lei de Crimes Hediondos.
No início, o pacote de Moro incluía o combate ao crime violento, organizações criminosas e crime de corrupção. Contudo, já em fevereiro o ministro decidiu fatiar o projeto em dois, separando violência de corrupção.
Assim, por enquanto, o projeto está focado em propostas para combater a violência no país, que no ano passado matou ao menos 57 mil pessoas, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A relatoria da proposta ficou com o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP). Além do projeto de Moro, os parlamentares trabalham em um texto comum que incorpore também um projeto elaborado em 2018 por uma Comissão de Juristas, liderada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
As reuniões deveriam ter sido encerradas no final deste mês, com a entrega de um parecer para o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já anunciou que levará a proposta direto para discussão no Plenário, sem passar por análise de comissões.
No entanto, durante esses oito meses, diversos reveses interferiram no andamento das discussões, entre eles os conflitos públicos entre Moro e o presidente Jair Bolsonaro, assim como a morte de Ágatha Félix, de oito anos, assassinada na semana passada pelas costas no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro.
Neste último caso, o embate envolveu o fato de que os familiares da criança e o motorista da Kombi em que ela estava acusam policiais de terem dado o tiro fatal e negam a hipótese de confronto.
Isso desencadeou uma onda de preocupação ainda mais intensa sobre a ampliação do excludente de ilicitude em um momento em que letalidade policial está em alta em lugares como Rio de Janeiro e São Paulo e é abertamente estimulada por discursos de autoridades.
A medida proposta por Moro permitiria uma redução ou até isenção de pena a policiais que causarem morte durante a atividade ou para civis que cometerem excessos em caso de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção".
A proposta foi rejeitada por um destaque do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), na última quarta-feira (25). "Não tem como nós melhorarmos uma proposta que é uma licença para matar", disse Freixo após anunciar a derrubada da medida.
Para o deputado, medo, surpresa e violenta emoção são conceitos subjetivos e não devem ser usados pelo juiz para determinar se houve ou não crime. "Estamos dando um recado para a tropa: mate mais".
Por conta dos atrasos nas discussões, o GT prorrogou as atividades por mais trinta dias. Até agora, os deputados já apreciaram 42 das principais matérias do pacote anticrime. Ao todo, foram rejeitadas sete propostas, aprovadas na íntegra outras 13 e aprovadas com ressalvas ou alterações outras 22. Ainda falta analisar outras 25 sugestões.
Dentre as sugestões descartadas até agora pelo GT, há além do excludente de ilicitude outras que são consideradas bandeiras de Moro, como a "plea bargain" e a prisão em segunda instância.
O "plea bargain" é um modelo de acordo, inspirado nos Estados Unidos, onde o acusado pode negociar com o Ministério Público para reduzir a pena e evitar que o processo seja enviado à Justiça. Dessa forma, a pessoa confessa culpa e negocia os termos da pena.
Críticos da medida apontam que isso estimulou o encarceramento nos EUA, situação já crítica no Brasil. O país tem a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 810 mil pessoas presas.
Ao rejeitar a "plea bargain", os parlamentares aprovaram a transação penal do ministro Alexandre de Moraes, que define que crimes sem a utilização da violência podem ser utilizados na negociação direta com o Ministério Público para não gerar o processo.
O relator do GT, Capitão Augusto, era a favor do mecanismo de Moro, mas com os votos se viu vencido, uma vez que a proposta foi derrotada por 8 a 3.
“Aqui foram apresentadas duas propostas: a plea bargain e a transação penal. Escolheram a transação penal. Mas a plea bargain é que era a inovação na nossa legislação penal. Era a inovação no nosso ordenamento jurídico para evitar justamente essa avalanche que entope o nosso Judiciário e faz com que seja extremamente lento”, disse o deputado.
Já em relação à prisão em segunda instância, o GT excluiu o trecho que prevê determinar o cumprimento de pena de prisão após condenação na segunda instância judicial, mesmo ainda cabendo recursos às instâncias superiores. Essa prática já foi determinada por um entendimento do STF, mas o projeto pretendia que isso ficasse mais claro na lei.
Uma outra derrota sofrida pelo ministro de Bolsonaro foi a inclusão no texto da proposta da criação da figura do "juiz de garantias", um magistrado responsável exclusivamente por supervisionar investigações e garantir cumprimento dos direitos dos acusados.
Atualmente, o mesmo juiz que participa da fase de inquérito também profere a sentença, o que, para alguns especialistas, compromete a imparcialidade do julgamento.
Moro já se disse contra a proposta em diversas ocasiões, mas o debate ficou aquecido após revelações da Vaza Jato, pelo The Intercept Brasil e outros veículos de comunicação, colocar em xeque a imparcialidade do ex-juiz, quando ele atuava na Operação Lava Jato.
Diante das derrotas significativas, o ministro vem traçando estratégias para salvar seu pacote anticrime. Entre elas está a procura de um relator “amigo”, favorável às propostas, para retomar o texto original em plenário e excluir as discussões do GT.
Também está em curso o lançamento de uma campanha publicitária para garantir apoio às medidas, que deveria estar no ar desde de junho, mas acabaram sendo adiadas para outubro após as revelações da Vaza Jato arranharem a imagem e credibilidade do ministro.
O governo negou que a suspensão da propaganda estivesse relacionada ao escândalo e atribuiu a decisão à necessidade de focar na reforma da Previdência, que atualmente está no Senado.
No entanto, no início de agosto, a Secretaria de Comunicação reviu as peças e vetou parte do material por não estar de acordo com “as ideias do governo”.
Uma das propagandas censuradas relatava uma história de violência que levantava questionamentos sobre a ampliação do porte de armas, defendida pelo presidente Bolsonaro.
É incerto, portanto, o futuro da principal bandeira de Moro, que abandonou 22 anos de magistratura para integrar o governo.
(Com informações da Agência Câmara e Estadão Conteúdo)