Presidente Michel Temer, dia 18/05/2017 (Ueslei Marcelino/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 20 de maio de 2017 às 10h53.
Última atualização em 23 de junho de 2017 às 14h54.
São Paulo - Uma conversa extraoficial no final da noite do dia 7 de março deste ano, no Palácio do Jaburu, levou o presidente Michel Temer para o centro da pior crise de seu governo desde que ele assumiu a Presidência há um ano e que pode custar o seu mandato.
As acusações dos executivos da J&F extrapolam o que se pode ouvir nos 30 minutos da gravação entregue pelo empresário Joesley Batista para a Procuradoria-Geral da República.
Além das suspeitas de anuência à compra do silêncio de Eduardo Cunha e da suposta conivência a uma série de crimes relatados durante a conversa, o presidente também é acusado de negociar pessoalmente repasses de propina e ter ficado com 1 milhão de reais de um total de 15 milhões de reais entregues pelo grupo, entre outras suspeitas.
Os indícios apresentados pelos delatores devem embasar as investigações contra Temer pela possível prática de corrupção passiva, constituição e participação em organização criminosa e obstrução à investigação de organização criminosa.
Todas as denúncias são devidamente negadas pelo presidente.
Temer é acusado pelo diretor da J&F Ricardo Saud de embolsar 1 milhão de reais em propina da campanha de 2014. Segundo Saud, após uma reunião com o então candidato a vice sobre os repasses em São Paulo, o peemedebista entregou um papel com um endereço onde o valor deveria ser entregue.
No local indicado fica a empresa de engenharia e arquitetura Argeplan, que tem como sócio o coronel aposentado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho, que é amigo de Temer e já foi assessor dele.
Em planilhas e anotações entregues à Procuradoria-Geral da República pelo diretor da J&F Ricardo Saud, o presidente Michel Temer estaria relacionado a cinco repasses feitos pela J&F. Efetivamente, segundo Saud, foram repassados 15 milhões de reais desse montante. Em três dessas anotações, o presidente é citado:
. Repasse de R$ 2 milhões. Aparece com a data de 29 de agosto de 2014. Com a seguinte nota: “Campanha Paulo Skaff, autorizado por Temer, pagar para empresa JEMC, escritório de consultoria de Duda Mendonça, publicitário do mesmo”. Sobre esse repasse, o diretor ainda juntou uma cópia da nota fiscal do pagamento à empresa de Duda Mendonça.
. Repasse de R$ 3 milhões. A data está apagada. Com a seguinte nota: “Temer pede para repassar à Eduardo Cunha. Valor entregue em espécie no Rio de Janeiro”.
. Repasse de R$ 1 milhão. Setembro de 2014. Com a seguinte nota: “Temer pede para entregar ao Sr Yunes. O valor em espécie Florisvaldo entregou em espécie”. Esse último valor, segundo o delator teria sido embolsado pelo presidente.
Há um repasse de R$ 9 milhões supostamente dissimulados como doações oficiais para o Diretório Nacional do PMDB que foram depositados em 2014.
Saud relatou ainda que, nas eleições de 2014, a empresa teria acertado com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, um repasse de R$ 43 milhões de “propinas dissimuladas” aos “coringas” do PMDB no Senado para abafar uma rebelião deles contra a candidatura à Vice-Presidência de Michel Temer na chapa de Dilma Rousseff.
Leia: Temer pediu R$ 1 milhão em dinheiro vivo, diz diretor da JBS e JBS teria dado propina para abafar rebelião do PMDB contra Temer
Batista afirmou à PGR que sempre recebeu “sinais claros” de que o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o corretor Lúcio Funaro, ambos presos pela Lava Jato, só ficariam “calmos” se fossem feitos pagamentos em seus nomes.
Segundo o delator, Temer lhe disse em reunião no Palácio do Jaburu, no dia 7 de março, que Cunha o “fustiga”. Para Batista, essa declaração significou como “recado de que pagasse” para que o ex-deputado e Funaro não partissem para a delação premiada.
O presidente Michel Temer e Joesley Batista ainda teriam uma senha para se referir ao pagamento de mesadas a Cunha e Funaro, de acordo com delação feita por Ricardo Saud, lobista da JBS e apontado como operador da distribuição de propina da empresa a políticos.
"O Michel Temer sempre pedia para manter eles lá. O código era 'tá dando alpiste pros passarinhos? Os passarinhos tão tranquilos na gaiola?'", disse Saud em depoimento prestado no dia 10 de maio à PGR, segundo o site da Folha de S. Paulo.
O lobista também deu detalhes de onde seriam retiradas as propinas. Ele aponta que o dinheiro pago em parcelas para Cunha teria vindo de contrato fraudulento para obter recursos do fundo de investimento do FGTS. Os fundos teriam sido liberados por influência do ex-vice-presidente da Caixa Fábio Cleto, que foi investigado pela Lava Jato em janeiro.
A JBS teria começado a pagar pelo silêncio de Cunha e Funaro quando as parcelas do acordo estavam acabando. Segundo Saud, o ex-ministro da Secretaria de Governo de Temer, Geddel Vieira Lima, era quem pedia a Joesley Batista para “dar alpiste aos passarinhos”.
Além disso, Segundo Joesley, Temer teria dito a ele que poderia ajudar o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha no Supremo Tribunal Federal, com um ou dois ministros.
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Segundo a gravação feita por Batista, Temer teria pedido a Aécio Neves que retirasse a ação contra a chapa Dilma-Temer do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“A Dilma caiu e a ação continuou, e ele [Michel Temer] quer que eu retire a ação, cara, só que se eu retirar, e não estou nem aí, eu não vou perder nada, o Janot assume, o Ministério Público assume essa merda”, teria dito Aécio ao dono da JBS.
O julgamento do pedido de cassação, em que Temer e Dilma são acusados de abuso de poder político e econômico na eleição de 2014, está marcado para o dia 6 de junho. Caso sejam considerados culpados, Temer será cassado e o primeiro na linha de sucessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deve assumir interinamente até a escolha de um novo presidente.
O deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), conhecido por ser homem de confiança de Michel Temer, foi flagrado pela Polícia Federal recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley Batista.
O valor, segundo os empresário, seria o pagamento da primeira parcela de um total de cerca de 600 milhões de reais para que o hoje deputado afastado ajudasse a resolver um impasse bilionário no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
O órgão analisa uma disputa entre a Petrobras e a Usina Termelétrica EPE, que pertence à J&F. Segundo Batista, a empresa perdia cerca de 1 milhão de reais por dia com os preços do gás fornecido pela estatal à termelétrica. Saud afirmou na delação que tem "certeza" que o dinheiro foi destinado a Temer.