Aras: decisão é "absolutamente equivocada sobre a natureza das instituições em um Estado Democrático de Direito" (Roberto Jayme/Ascom/TSE/Flickr)
Clara Cerioni
Publicado em 5 de setembro de 2019 às 18h54.
Última atualização em 5 de setembro de 2019 às 19h41.
São Paulo — A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), responsável pela eleição da lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República, classificou a escolha de Augusto Aras para assumir o posto de PGR como "um retrocesso institucional e democrático".
Em nota pública, a organização afirma que a decisão do presidente Jair Bolsonaro, anunciada nesta quinta-feira (05), "interrompe um costume constitucional de quase duas décadas".
"O próprio presidente representou o cargo de PGR como uma 'dama' no tabuleiro de xadrez, sendo o presidente, o rei. Em outras ocasiões, expressou que o chefe do MPF tinha de ser alguém alinhado a ele. As falas revelam uma compreensão absolutamente equivocada sobre a natureza das instituições em um Estado Democrático de Direito", diz o texto.
Durante todo o processo de escolha do substituto de Raquel Dodge, o presidente declarou que não escolheria um "xiita ambiental e de minorias". Aras não se candidatou para concorrer à eleição da lista tríplice da ANPR.
Em sua live semanal, divulgada hoje, Bolsonaro disse que não escolheria para o cargo um "cara para combater a corrupção", mas que é "favorável à 'ideologia de gênero', fim da família e essas patifarias que estão ai".
"A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recebeu com absoluta contrariedade a indicação do subprocurador-geral da República Antonio Augusto Brandão de Aras para o cargo de procurador-geral da República (PGR), ação que interrompe um costume constitucional de quase duas décadas, de respeito à lista tríplice, seguido pelos outros 29 Ministérios Públicos do país. A escolha significa, para o Ministério Público Federal (MPF), um retrocesso institucional e democrático.
O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública. Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF. Sua indicação é, conforme expresso pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, uma escolha pessoal, decorrente de posição de afinidade de pensamento.
O próprio presidente representou o cargo de PGR como uma "dama" no tabuleiro de xadrez, sendo o presidente, o rei. Em outras ocasiões, expressou que o chefe do MPF tinha de ser alguém alinhado a ele. As falas revelam uma compreensão absolutamente equivocada sobre a natureza das instituições em um Estado Democrático de Direito. O MPF é independente, não se trata de ministério ou órgão atrelado ao Poder Executivo. Desempenha papel essencial para o funcionamento republicano do sistema de freios e contrapesos previsto na Constituição Federal.
A escolha anunciada no dia de hoje menospreza, também, o princípio da transparência, na medida em que os candidatos da lista tríplice viajaram o país debatendo, publicamente, com a carreira, a imprensa e a sociedade, os seus projetos, as suas ideias, o que pensam sobre as principais dificuldades e desafios da nossa vida institucional.
A ANPR, diante da absoluta contrariedade da classe com a referida indicação, conclama os colegas de todo o país para o Dia Nacional de Mobilização e Protesto, que ocorrerá na próxima segunda-feira (9). Pede, doravante, que todos os membros do MPF se mantenham em estado permanente de vigilância e atenção na defesa dos princípios da autonomia institucional, da independência funcional e da escolha de suas funções com observância do princípio democrático.
Esses são princípios fundamentais que alicerçam a nossa fundação e que conduziram, com segurança, a instituição ao longo dos anos, em benefício de sua atuação livre e independente e em favor, unicamente, da sociedade brasileira.
A ANPR fará, ainda, uma reunião extraordinária na próxima semana para discutir, com os delegados de todo o país, sobre a convocação do Colégio de Procuradores da República, instância máxima de deliberação da carreira sobre os assuntos de maior relevo institucional.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República"