Mandetta: exoneração já foi publicada no Diário Oficial da União (Adriano Machado/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 16 de abril de 2020 às 16h19.
Última atualização em 16 de abril de 2020 às 19h54.
Em meio à pandemia do novo coronavírus no Brasil, que já causou quase 2.000 mortes e ainda não chegou ao pico de contágio, o presidente Jair Bolsonaro demitiu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
A decisão foi confirmada por Mandetta no Twitter e, depois, o presidente deu uma coletiva de imprensa onde anunciou o nome do oncologista Nelson Teich como o novo ministro da Saúde. A exoneração de Mandetta e a nomeação de Teich já estão publicadas no Diário Oficial da União.
"Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e de planejar o enfrentamento da pandemia do coronavírus, o grande desafio que o nosso sistema de saúde está por enfrentar", escreveu Mandetta.
Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde.
Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e— Henrique Mandetta (@mandetta) April 16, 2020
Após a demissão, Mandetta fez um emocionado pronunciamento aos servidores da Saúde. Antes de falar, ele foi ovacionado pelos auxiliares técnicos da pasta e agradeceu diversos parceiros de trabalho no ministério citando nome a nome o trabalho desempenhado.
Para eles, Mandetta deu um recado direto: "não tenham medo" e acreditem sempre na ciência. "A ciência é a luz. É através dela que vamos sair disso". "Tenho a mais absoluta certeza que nós fizemos o bom combate até aqui. Vocês sabem que ministros passam o que fica é o trabalho do servidor do Ministério da Saúde do Brasil", disse.
Mandetta disse, ainda, que deixa o ministério "com gratidão ao presidente" e que sabe deixar para trás a melhor equipe. Ele afirmou que teve uma conversa "amistosa" com Bolsonaro na tarde de hoje, mas que o presidente precisava formar uma equipe com "outro olhar". O ex-ministro também disse que deseja boa sorte ao novo ministro. "Trabalhem para o próximo ministro como vocês trabalhavam para mim", disse ex-ministro, ao minimizar o impacto de sua saída.
"Não vai ser esse problema (sua demissão), que é insignificante. Isso não tem mais significado que uma defesa intransigente da vida, do SUS e da ciência. Fiquem nesses três pilares. A ciência é a luz, o iluminismo. É através dela que nós vamos sair. Que essa transição seja suave, profícua e que tenhamos um bom resultado ao término disso tudo."
Ele concluiu a fala dizendo que, no minuto em que encerra a trajetória como ministro, ele segue "trabalhando o dobro como cidadão". Em meio a especulações de que pode assumir cargo na Secretaria de Saúde de Goiás, o destino de Mandetta ainda é incerto.
Há diversas semanas já havia incertezas sobre sua permanência no cargo diante da tensão com o presidente. Na noite desta terça-feira, 14, no entanto, Mandetta avisou diretamente sua equipe que Bolsonaro procurava um nome para substituí-lo.
Nesta quarta-feira, 15, o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, enviou por e-mail uma carta a seus subordinados em que avisava que a saída do ministro estava programada para acontecer, e era a hora de se preparar para sair junto, já que só estava no cargo pela indicação do ministro.
Poucas horas depois, o secretário, responsável por toda a estratégia de combate à covid-19, pediu demissão. Mandetta, no entanto, não aceitou: “Entramos no Ministério [da Saúde] juntos, estamos no Ministério juntos e sairemos do Ministério juntos”, disse. Hoje, no entanto, ele orientou a todos que continuem na pasta se forem solicitados. "Façam o possível para ajudar, é minha última ordem", orientou.
Mandetta é deputado licenciado pelo DEM e, mas afirmou que não deve voltar à política. A sua expectativa é deixar Brasília e ir para Campo Grande, sua cidade natal.
A escalada de embates públicos entre o presidente e Mandetta vinha crescendo há mais de três semanas. Até o fim, o maior conflito entre os dois foi a questão do isolamento social como medida de proteção para conter a disseminação do vírus e com isso um colapso do sistema de saúde.
Enquanto Bolsonaro minimiza a questão do vírus e defende o relaxamento da quarentena, Mandetta sempre endossou essa ação, convergente com a orientação da maior parte das autoridades médicas e políticas de todo o mundo, assim como de governadores e da própria Organização Mundial de Saúde.
O uso da cloroquina para o tratamento do novo coronavírus também foi alvo de disputa narrativa entre Bolsonaro, defensor da medicação mesmo sem comprovação cientifica, e Mandetta, que pediu cautela aos médicos que prescrevem o remédio diante de inúmeros efeitos colaterais e altas doses de toxinas.
Essa briga, contudo, foi se dissipando ao longo dos últimos dias. O Ministério da Saúde sempre recomendou que a aplicação do remédio fosse feita apenas em pacientes graves e críticos, mas recentemente Mandetta passou a defender que os médicos usem sua autonomia para prescrever a cloroquina em outras fases da doença. A prerrogativa é que eles se responsabilizem por isso e informem os pacientes sobre os possíveis efeitos colaterais.
No dia 6 de abril, Bolsonaro bateu o martelo a seus assessores que iria demitir o ministro, mas mudou de ideia após conversas com aliados e com a ala militar do governo. Na ocasião, a avaliação dos militares era a de que Mandetta tem amplo apoio da população e é cobiçado por governadores, o que poderia prejudicar a imagem já arranhada de Bolsonaro.
No mesmo dia, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, que é do mesmo partido de Mandetta, o DEM, também entrou em jogo para evitar sua exoneração. Ele avisou a equipe do presidente que se a demissão fosse concretizada a relação do governo com o Parlamento "ficaria muito difícil".
Nesse período, houve, inclusive, uma tentativa de trégua entre Bolsonaro e Mandetta, mas que durou poucos dias. No dia 9 de abril, o presidente ignorou orientações de distanciamento social e foi a uma padaria em Brasília. Ele provocou mais aglomerações no dia seguinte quando foi a uma drogaria. Na visita, ele fez questão de deixar claro: “ninguém vai tolher meu direito de ir e vir”.
No dia 11, ao visitar a construção de um hospital de campanha para atender pacientes com a covid-19 na cidade goiana de Águas Lindas, Bolsonaro cumprimentou populares e chegou a receber um beijo na mão. Autografou, ainda, a camiseta da seleção brasileira de uma apoiadora.
Ele estava acompanhado de Mandetta e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que também é do DEM e foi o responsável pela indicação de Mandetta ao ministério da Saúde. Caiado sempre foi aliado de Bolsonaro, mas rompeu recentemente com o governo após o presidente classificar a covid-19 como uma "gripezinha" e ignorar as medidas de proteção e distanciamento social.
A gota d'água teria sido uma entrevista concedida por Mandetta ao Fantástico do último domingo, em que criticou "quem fura o isolamento". Foi ai que o deputado licenciado perdeu o apoio da ala militar, que viu na entrevista um tom de provocação.
Até Integrantes do Ministério da Saúde observaram que, embora esteja defendendo orientações da OMS, Mandetta adotou tática errada ao falar em “dubiedade” na equipe sobre medidas para combater a pandemia e pedir por uma "fala única".
Ele chegou a dizer que o brasileiro não sabe "se ouve o presidente ou o ministro" mesmo depois de alertado por militares sobre a necessidade de não expor diferenças com Bolsonaro em público.
(Com Estadão Conteúdo)