Sepultamento do corpo de Gabriel Marcondes: "Meu neto jogava uma bolinha. Ele não quis, se não, arrumava um jeito de levar para a Europa, jogar uma bola. Olha aí o destino dele. Não era envolvido em nada" (Luciano Belford/Agência Estado)
Agência O Globo
Publicado em 21 de outubro de 2020 às 18h00.
Última atualização em 21 de outubro de 2020 às 18h45.
"Negro já nasce suspeito", afirmou o cantor e sambista Neguinho da Beija-Flor diversas vezes enquanto falava da morte do neto Gabriel Ribeiro Marcondes, de 20 anos, no Morro da Bacia, no Ambaí, no município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro.
O jovem foi um dos três mortos entre os quatro baleados durante uma troca de tiros de policiais militares com bandidos na tentativa de impedir a realização de um baile funk. Neguinho falou da abordagem a moradores de comunidades e que, se um dia a pena de morte for implantada no Brasil, "não sobra um negro".
Segundo o cantor, a família está "arrasada" desde a morte de Gabriel, no domingo, dia 18. O caso intensificou a vontade de Neguinho deixar o país na busca por oferecer outras condições de vida para a filha Luisa Flor Morena, de 12 anos.
"Ter filho negro no país, se pensar legalzinho, é uma responsabilidade muito grande. A gente fica preocupado."
O sambista comparou as situações pelas quais passou "na época em que não era o Neguinho da Beija-Flor", ainda na juventude, em Nova Iguaçu. As abordagens policiais se ancoravam na "lei da vadiagem" e no preconceito estrutural. Refletindo sobre o que ainda vê e vive, diz que o filho Paulo Cesar Marcondes, pai de Gabriel, vai buscar justiça.
"Meu filho vai processar o estado. A justificativa é a seguinte: "seu neto estava no lugar errado, na hora errada". Queria que ele estivesse onde? Num shopping na Barra? Aqui em Copacabana? Se todo lugar no Rio é perigoso. É muito fácil fazer justiça em cima do negro sem defesa. Uma vez perguntei a um amigo, um grande jurista, sobre o que aconteceria se a pena de morte fosse aceita no país. Ele disse: "Só vão viver os brancos, vão matar todos os negros". Negros já nascem suspeitos. Em negro, atiram primeiro para depois saber quem é", desabafou.
Neguinho ainda comparou as operações realizadas dentro e fora das comunidades:
"Agora que estou vendo algumas... Branco sendo preso, onde está o verdadeiro problema. Presos e soltos. Soltos! Milionários brancos, prendem, e daqui a pouco estão soltos. Têm habeas corpus, tornozeleira, o que não impede de pegar um jato e ir embora. Negro é preso quando ainda é suspeito. E fica, não tem dinheiro para pagar um bom advogado."
O sambista não deu data de quando pretende deixar o Brasil. O plano não é novo. Foi interrompido pela chegada da pandemia mundial de covid-19. O tempo em casa sem os shows impactou as economias da família.
"[Penso] há muito tempo. Só não aconteceu com a pandemia. Sem show, tive de gastar tudo, só saiu. O suporte que eu tinha, com essa finalidade, foi tudo. Não vou criar minha filha aqui depois do que aconteceu com o Gabriel. Não vou mesmo", afirmou o cantor.
Ir para o exterior era plano também para Gabriel, caso tivesse investido profissionalmente no futebol. O jovem alegre e bom de bola, como descrito por amigos e familiares, adorava o esporte. Agora, ao avô, cabe cooperar com a família e as investigações para provar a inocência do jovem. Neguinho vai acompanhar o filho Paulo Cesar Marcondes, pai de Gabriel, em depoimento na 58ª DP (Posse).
"Meu neto jogava uma bolinha. Ele não quis, se não, arrumava um jeito de levar para a Europa, jogar uma bola. Olha aí o destino dele. Não era envolvido em nada, mas eu vou ter de provar que não era envolvido com nada. Só se ouve a parte que interessa. E tem gente que fala 'graças a Deus, menos um!" Isso porque não foi o filho dele, não viu o ato", disse.
Os planos de mudança podem chegar a outro filho de Neguinho que também atua na montagem de eventos, como Gabriel. Ele quer abandonar a área. Gabriel trabalhava quando foi baleado. Ele não resistiu e morreu em seguida.