Dogde: de acordo com a procuradora-geral, Gilmar Mendes, relator da operação, deveria ter se declarado impedido de deliberar sobre o tema (Ueslei Marcelino/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de abril de 2018 às 16h41.
Brasília - A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou ontem à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, pedido em que defende que o plenário da Corte avalie se há impedimento do ministro Gilmar Mendes para ser relator dos casos ligados à Operação Ponto Final. O parecer estava sob análise de Raquel desde outubro de 2017.
A operação é um desdobramento da Lava Jato e desbaratou a máfia atuante no setor de transportes no Rio, responsável pelo pagamento de mais de R$ 260 milhões de propina a políticos e agentes públicos de 2007 até os dias atuais.
De acordo com a procuradora-geral, Gilmar Mendes, relator da Operação Ponto Final no Supremo, deveria ter se declarado impedido de deliberar sobre o tema.
"O reconhecimento da suspeição é, antes de tudo, um dever do próprio magistrado de não atuar em situações que possam, por algum motivo, retirar-lhe a devida e necessária isenção."
Em agosto, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu a nulidade dos atos decisórios de Gilmar praticados no que se refere a Jacob Barata Filho, Lélis Teixeira e outros investigados da operação.
Para Janot, os vínculos verificados entre o magistrado e os pacientes podem comprometer a atuação do ministro, portanto devem ser estendidos aos demais sujeitos passivos da investigação.
"Há vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo", disse Janot à época. "Gilmar Mendes, em 2013, foi padrinho de casamento de Beatriz Barata, filha do paciente, com Francisco Feitosa Filho. O noivo é filho de Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, irmão de Guiomar Mendes, que vem a ser a esposa de Gilmar Mendes. Conforme apuração do Ministério Público Federal, Jacob Barata Filho integra os quadros da sociedade Autoviação Metropolitana Ltda, ao lado, entre outros sócios, da FF Agropecuária e Empreendimentos S/A, administrada por Francisco Feitosa de Albuquerque Lima, cunhado do ministro Gilmar Mendes", afirma Janot.
No parecer enviado ontem ao Supremo, Raquel destacou que a independência do poder Judiciário é princípio fundamental da República e condição constitutiva do Estado Democrático de Direito.
"A independência do Poder Judiciário é a independência de cada um dos seus membros, e também dos membros da Corte Suprema. A independência do membro e do órgão que integra é complementada pela necessidade de exercício da função com imparcialidade."
A chefe do Ministério Público Federal afirma que o julgador deve ser imparcial diante das partes e da causa. "Deve agir sem preconceito ou tendência. A imparcialidade ou a parcialidade, portanto, será revelada pelo seu agir."
"No caso ora analisado, o Relator não afirmou suspeição e considera-se plenamente apto, no aspecto subjetivo, para o julgamento do pedido de habeas corpus. E, sob o aspecto da sua recusa pela parte para atuação nos autos, cabe a esta Corte apreciar se há adequação típica da situação descrita na inicial à norma do artigo 254 do CPP. Assim, constatadas a regularidade de tramitação destes autos devem ser apreciados por esta presidência, nos termos regimentais."
Em agosto de 2017, Rodrigo Janot suscitou à presidente da Corte duas arguições de impedimento, suspeição e incompatibilidade do ministro Gilmar Mendes, relator dos habeas corpus 146.666/RJ e 146.813/RJ, respectivamente dos empresários Jacob Barata Filho e Lélis Marcos Teixeira. As petições foram encaminhadas a pedido dos procuradores da República da força-tarefa da Lava Jato no Rio.
O ministro deferiu, em 17 de agosto, o pedido liminar do habeas corpus para substituir a prisão preventiva de Barata Filho por medidas cautelares diversas da prisão. Quando o habeas corpus chegou ao STF, este já foi distribuído por prevenção a Gilmar, após decisão da presidência do tribunal.
Um novo pedido de prisão, em outro processo a que responde o empresário, foi decretado no mesmo dia. A defesa, por sua vez, apresentou reclamação e pediu a extensão da decisão proferida pelo ministro Gilmar Mendes, que a concedeu em 18 de agosto, para revogar a nova prisão.
Em dezembro, Gilmar mandou soltar outra vez o empresário Jacob Barata Filho. O ministro acolheu pedido de habeas corpus da defesa de Barata e revogou decretos de prisão preventiva que pesavam contra ele. Em outra decisão, o ministro também revogou a ordem de prisão do ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor) Lelis Marcos Teixeira.
Em maio, Janot enviou ao STF um primeiro pedido de impedimento contra Gilmar, para alegar que o ministro não poderia atuar na análise de habeas corpus do empresário Eike Batista. A PGR alegou que o escritório de Bermudes, no qual a esposa de Gilmar trabalha, defende Eike e, causas cíveis, o que seria fator de impedimento ou suspeição.
Foi a primeira vez que Janot pediu impedimento de um ministro do STF. O caso foi enviado para a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, e não teve desfecho desde então.