LGBT: ação da ABGLT foi impetrada em 2012 e até hoje não foi votada (Tiago Mazza Chiaravallot/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 3 de dezembro de 2018 às 12h57.
Última atualização em 3 de dezembro de 2018 às 16h09.
São Paulo — O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), definiu na última sexta-feira (30) a data do julgamento de um mandado de injunção que dará o primeiro passo para criminalizar a homofobia no Brasil: 12 de dezembro.
Impetrado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), a ação, que sustenta que a homofobia deve se enquadrar na lei de racismo na Constituição, está protocolada na corte desde maio de 2012, mas já foi adiada diversas vezes.
Nos anos anteriores, o processo era considerado fraco pela Procuradoria-Geral da República, por ter sido elaborado como um mandado de injunção.
Este é um instrumento processual utilizado para se pedir a regulamentação de uma norma da Constituição, quando se percebe uma ausência ou descaso do Legislativo na questão.
Segundo posição da PGR na ocasião, na Câmara dos Deputados já tramita um projeto de lei (PL 5003/2001) que dispõe sobre as sanções aplicáveis à conduta homofóbica.
No entanto, neste ano, Fachin, que é o atual relator do caso, recebeu uma nova manifestação da PGR reconsiderando seu posicionamento e solicitando "provimento do agravo regimental", por conta da demora de votação do PL.
"Em que pese à existência de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, sua tramitação por mais de uma década sem deliberação frustra a força normativa da Constituição", diz o texto.
Segundo explica o advogado Edgard Paiva de Carvalho Junior, vice-presidente do Nelson Willians Advogados Associados, se o processo for aprovado pelos ministros da Corte, a próxima legislatura no Congresso Nacional será pressionada a acrescentar a homofobia como crime racial.
"Se aprovado, isso demonstra via STF a necessidade de falar sobre o assunto. A nossa Constituição fala em uma sociedade justa, livre e igualitária. Para que isso se concretize é relevante a posição do STF forçando o Legislativo a incorporar a homofobia na lei do racismo. Mesmo com a nova Câmara sendo mais conservadora, ela será forçada a votar o assunto", diz.
Já Acácio Miranda, advogado especialista em direito criminal, afirma que a corte não deve tomar nenhuma decisão. "Creio que, face a estes elementos, a legislação ficará 'em banha Maria'. O Congresso não costuma se render ao STF, especialmente em um caso que envolve tantos interesses, especialmente os da bancada evangélica."
No mesmo dia, o STF também colocou para julgamento uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), impetrada pelo PPS que também pede legislação sobre crime de homofobia.
O mandado de injunção da entidade que defende a população LGBT no Brasil solicita que o país "obtenha a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões, ameaças e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ ou identidade de gênero".
Na sustentação, os advogados argumentam que a medida é necessária porque "o atual quadro de violência e discriminação contra a população LGBT tem tornado faticamente inviável o exercício dos direitos fundamentais à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero das pessoas LGBT em razão do alto grau de violência e discriminação contra elas perpetradas na atualidade".
Para justificar o pedido de mandado de injunção, a associação esclarece que há uma obrigação constitucional dessa legislação, porque homofobia e transfobia "constituem espécies do gênero racismo" — que hoje já é considerado crime no país.
Por fim, a solicitação pede o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado brasileiro “a indenizar as pessoas vítimas de todas as formas de homofobia e transfobia, enquanto tais condutas não forem criminalizadas de forma eficiente".
Para pautar a votação da medida, Fachin considerou a manifestação do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e do Grupo Diversidade sobre o tema.
Em manifesto encaminhado ao STF em outubro de 2016, o CFP afirmou que "a omissão legislativa que ora se pretende suprir está a merecer a proteção máxima do Estado, eis que a situação de vulnerabilidade da população LGBT é alarmante".
Além disso, justifica que "a homofobia possui várias formas, que abrange muito mais do que as violências tipificadas pelo código penal. Ela não se reduz à rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais, pois também é uma manifestação que qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal. Devido à sua diferença, esse outro é excluído de sua humanidade, dignidade e personalidade".
Quando discutida no legislativo, a proposta teve resistência de setores ligados a igrejas cristãs e evangélicas.
O Grupo Gay da Bahia, instituição que atua há 30 anos em defesa da causa LGBT, registrou em 2017 um aumento de 30% nos homicídios contra esse grupo em relação ao ano anterior.
Segundo o levantamento, a cada 19 horas um LGBT brasileiro é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia” no Brasil.
(Com Ana Paula Machado)