Prisões: direito à prisão domiciliar foi negado para quase 90% das mães e gestantes (Luiz Silveira/Agência CNJ/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 8 de maio de 2019 às 10h53.
Última atualização em 8 de maio de 2019 às 11h31.
O direito à prisão domiciliar foi negado para 89,1% das mães e gestantes que tiveram prisão decretada no estado de São Paulo entre dezembro de 2017 e abril de 2018. O dado faz parte do relatório MulhereSemPrisão, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), lançado hoje (7), e que acompanhou 213 audiências de custódia em São Paulo.
As mães e gestantes acompanhadas pela pesquisa se enquadravam nos requisitos do Marco Legal da Primeira Infância, que garante prisão domiciliar, em vez da prisão preventiva, para mulheres que estejam grávidas ou sejam mães de crianças até 12 anos e deficientes. Dos 213 casos analisados, 125 eram mães ou gestantes, sendo que 49 dessas tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva e seis tiveram direito à prisão domiciliar.
"Apesar de termos dispositivos na lei, desde o Marco Legal da Primeira Infância, garantindo que as mulheres que são mães de crianças até 12 anos ou gestantes podem ficar em prisão domiciliar ou ter alternativas à prisão, a gente via que os atores ignoravam muitas vezes essas alternativas e queriam encarcerar. E isso não encontra respaldo na lei", disse Mariana Felippe, pesquisadora do Programa Justiça Sem Muros.
O fato de ser mãe, inclusive, foi utilizado em alguns casos como justificativa para se manter a mulher presa. "É realizado um juízo de valor no momento da decisão na audiência de custódia. O fato de a mulher estar envolvida em uma atividade criminalizada [como o tráfico] é utilizado para questionar o quão boa mãe ela é. Você usa o fato de ela ser acusada de tráfico para dizer 'você estava traficando, não estava cuidando bem dos seus filhos, então por isso você deve ser penalizada e permanecer presa'", explicou Mariana.
A audiência de custódia é o primeiro encontro da pessoa presa em flagrante com a autoridade judicial e deve ocorrer até 24 horas após sua prisão. Na ocasião, o magistrado deve verificar se o flagrante é legal; acolher denúncias de eventuais abusos ocorridos no momento da prisão e apurar a necessidade de se manter a prisão provisória.
No total, as prisões preventivas decretadas nas audiências de custódia acompanhadas pelo ITTC chegaram a 38,5%. Somadas as decisões por prisão domiciliar, o número sobe para 41,3%. O instituto informa que, pela lei, a prisão preventiva deveria ser exceção.
Das mulheres presas em flagrante, 56,8% eram negras. As acusações de crimes patrimoniais ou relacionados com drogas correspondem a 95% das prisões. A Defensoria Pública foi responsável pela defesa de 81,7% das mulheres. Em 99% dos casos, a mulher não teve contato com a defesa em local reservado e a entrevista prévia ocorreu na porta da sala da audiência ou no corredor. Durante a audiência, 98,6% permaneceram algemadas.
O relatório apontou que 70% dos relatos de violência das mulheres nas audiências de custódia não tiveram qualquer tipo de encaminhamento. Quando perguntadas, 18,8% das mulheres afirmaram ter sofrido algum tipo de violência durante a prisão. Dessas, 72,5% eram negras. Também questionadas, 44,4% das mulheres transexuais ou travestis relataram violência.
Os três tipos de violência identificados foram a psicológica/verbal, a física e a revista íntima vexatória. No entanto, a pesquisa concluiu que tais violências ainda não são levadas em consideração nos processos decisórios, seja para determinar os encaminhamentos de apuração necessários, seja para reconhecer a ilegalidade do flagrante.
Para Mariana, há uma necessidade de repensar políticas de segurança pública porque "as pessoas acreditam que quando você está prendendo e quando você está tirando essas mulheres presas em flagrante e colocando no cárcere, você está melhorando a sociedade como um todo, melhorando a sensação de segurança e a paz social. No fundo, percebemos que não é isso que acontece".
A pesquisadora diz que nos últimos anos houve aumento do encarceramento, mas que isso não levou a uma maior segurança da sociedade. "Seria repensar a forma como entendemos a prisão como solução para todos os conflitos e problemas sociais, repensar como a gente vê a questão de drogas, [hoje vemos] como uma questão criminal e não de saúde pública", disse.
O relatório traz recomendações voltadas ao aprimoramento das audiências de custódia, com o objetivo de que elas possam se tornar cada vez mais um mecanismo de promoção de redução do encarceramento e de garantia de direitos.
O instituto recomenda que não deve ser condição necessária a comprovação da maternidade no momento da audiência, tendo em vista a dificuldade de acesso aos documentos em curto período de tempo e que a palavra da mulher basta para que esse direito seja garantido.
O instituto diz que a gravidade abstrata do crime, especialmente o de tráfico, por si só, não pode ser considerada situação excepcionalíssima ou parâmetro para negar a conversão da prisão preventiva em domiciliar. A entidade recomenda ainda que a Justiça considere ilegal a prisão realizada mediante prática de violência de qualquer tipo e haja seu relaxamento imediatamente, sem a posterior conversão em prisão preventiva.
Procurado pela Agência Brasil, o Tribunal de Justiça de São Paulo disse que não teve acesso ao relatório.