Marco Aurélio: ministro defendeu que prisão só pode acontecer após se esgotarem todos os recursos (Nelson Jr./SCO/STF/Divulgação)
Clara Cerioni
Publicado em 23 de outubro de 2019 às 09h51.
Última atualização em 23 de outubro de 2019 às 18h53.
Brasília — O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (23) o julgamento de três ações sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.
A sessão foi suspensa no fim da tarde e será retomada nesta quinta-feira (24). O placar, por enquanto, está em 3 a 1, com os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votando a favor da possibilidade de prisão .
O relator, ministro Marco Aurélio, votou contrário. Ele defendeu que só haja prisão quando esgotarem todos os recursos e a favor da soltura de presos, exceto aqueles que possam ser alvo de prisão preventiva, como presos perigosos ou que representem risco à sociedade..
"Urge restabelecer a segurança jurídica, proclamar comezinha regra, segundo a qual, em Direito, o meio justifica o fim, mas não o inverso. Dias melhores pressupõem a observância irrestrita à ordem jurídico-normativa, especialmente a constitucional. É esse o preço que se paga ao viver-se em Estado Democrático de Direito, não sendo demasia relembrar Rui Barbosa quando, recém-proclamada a República, em 1892, ressaltou: 'Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação'", disse o relator.
Segundo Alexandre de Moraes, o Brasil prende muito e prende mal, mas ao mesmo tempo, ignorar a possibilidade de prisão em segunda instância é enfraquecer o Poder Judiciário. Ele também criticou a pressão que o julgamento em questão tem trazido aos ministros.
"Discursos agressivos, populistas e demagógicos, a eles se somaram falsos dados, pesquisas direcionadas, manipulação de informações - para usar o termo moderno, 'fake news' - e ataques pessoais e virtuais, produzindo lamentavelmente um dos piores ingredientes utilizados por aqueles que insistem em não respeitar a independência do Poder Judiciário e da convicção de seus juízes; que insistem em fermentar as tradicionais fórmulas autoritárias para sepultar o livre debate de ideias, interpretação da Constituição e uma honesta valoração de princípios", disse.
O relator da Operação Lava Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, votou a favor da possibilidade de prisão, que é considerada um dos pilares da Lava Jato no combate à impunidade.
"É inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter o cumprimento iniciado quando o último recurso da última Corte constitucional seja analisado", disse Fachin, destacando que do julgamento "não haverá declaração de inocência de quem quer que seja".
"Não desconsidero que o atual sistema prisional brasileiro constitui um verdadeiro estado de coisas inconstitucional (quadro insuportável e permanente de violação de direitos fundamentais a exigir intervenção do Poder Judiciário), mas essa inconstitucionalidade não diz respeito à prisão, mas a toda e qualquer modalidade de encarceramento", observou.
Uma campanha de usuários do Twitter que defende a tese se tornou o assunto mais comentado na rede social. Desde às 15 horas, a #PrisaoEm2aInstanciaSim dominava os trending topics brasileiros, com presença de alguns parlamentares.
No início do julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu, em sustentação oral, a execução da pena após a condenação em 2ª instância.
Em sua fala, contudo, o PGR ignorou que a medida ocorreu em 2016, na esteira dos avanços da Lava Jato, que tinha iniciado seus trabalhos dois anos antes.
O resultado, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pode beneficiar cerca de 4,9 mil pessoas condenadas, inclusive o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril de 2018. A prisão em segunda instância é considerada um dos pilares da Operação Lava Jato.
O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, fez um apelo aos colegas para encurtarem os votos no julgamento. O objetivo é garantir maior fluidez e ritmo às discussões, garantindo que a análise do tema seja concluída até esta quinta-feira (24).
Com a tendência de novo placar apertado, o debate sobre a legalidade da medida deverá, mais uma vez, provocar um racha no plenário, opondo de um lado ministros legalistas — que defendem uma resposta rigorosa da Justiça no combate à corrupção — e, de outro, os garantistas, chamados assim por destacar o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos.
A expectativa dentro do STF é a de que o tema divida a Corte, com Toffoli desempatando o placar e definindo o resultado final. Em duas ocasiões recentes, Toffoli defendeu a tese de que é possível a prisão após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma terceira instância.
Se o ministro mantiver o entendimento, essa posição não beneficiaria Lula, que já teve o caso do "triplex do Guarujá" julgado pelo STJ, em abril. Naquela ocasião, a Quinta Turma manteve a condenação do petista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, mas reduziu sua pena.
Integrantes do STF ouvidos reservadamente pela reportagem acreditam, no entanto, que Toffoli poderia mudar de lado diante da divisão no plenário, eventualmente migrando para a corrente dos ministros garantistas, que defendem a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos — o chamado "trânsito em julgado".
Enquanto isso, em um esforço para "reduzir danos", ministros que são favoráveis à execução antecipada de pena avaliam a hipótese de abraçar a tese de prisão somente após uma decisão do STJ. Seria uma espécie de solução intermediária para impedir uma derrota maior da Lava Jato.
Os diferentes entendimentos das duas alas já provocou um impasse na Corte no início deste mês, quando o tribunal entendeu que réus delatados, alvos de acusações, devem falar depois dos delatores na etapa final dos processos.
Na ocasião, Toffoli ficou do lado da corrente majoritária, composta em sua maioria por ministros garantistas, mas defendeu uma tese para delimitar os efeitos da decisão, fixando critérios para anular condenações da Lava Jato.
Pela proposta de Toffoli, a condenação dos réus pode ser anulada nos casos em que o delatado pediu à Justiça para falar por último, teve a solicitação negada, reiterou o pedido em instâncias superiores e comprovou, dessa forma, o prejuízo à defesa. A tese foi melhor acolhida pelo grupo dos legalistas e, diante do impasse, a decisão final foi adiada.
Na véspera da retomada do julgamento, ministros avaliaram que a pressão das redes sociais e de grupos isolados de caminhoneiros, que ameaçaram até fazer paralisações, não deve influenciar o resultado.
A intimidação mais agressiva partiu de caminhoneiros que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações, caso Lula saia da prisão, onde está há um ano e meio. "Isso faz parte do processo democrático, mas é preciso observar os trâmites que a Corte tem de seguir", disse Gilmar Mendes. Indagado se a pressão sobre o STF poderia afetar a discussão, Gilmar respondeu: "Não tem nada disso."
(Com Estadão Conteúdo)