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As escolhas de Dilma que incomodaram os aliados no Congresso

Para Carlos Pereira, professor da EBAPE/FGV, Dilma errou ao distribuir poder entre aliados em seu primeiro governo - e agora está sendo pressionada por isso


	Congresso Nacional: segundo professor, Dilma errou ao distribuir pouco poder entre aliados - e agora está sendo pressionada por isso
 (Pedro França/Agência Senado)

Congresso Nacional: segundo professor, Dilma errou ao distribuir pouco poder entre aliados - e agora está sendo pressionada por isso (Pedro França/Agência Senado)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 30 de outubro de 2014 às 17h33.

São Paulo – Dois dias após conquistar a reeleição na disputa mais acirrada da História, Dilma Rousseff (PT) enfrentou sua primeira derrota no Congresso. Seu decreto para criar os conselhos populares foi derrubado na Câmara dos Deputados e, segundo Renan Calheiros (PMDB), pode ter a mesma sina no Senado.

Nesta quinta, Aloisio Mercadante, chefe da Casa Civil, se reuniu com o presidente da Câmara Henrique Alves (PMDB) para discutir as quais serão as pautas da Casa até o final do ano. O esforço tem o objetivo de reatar o diálogo com os parlamentares e impedir novas derrotas no plenário.

Carlos Pereira, professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (EBAPE/FGV), acredita que, com essa postura, os membros do Legislativo pretendem enviar um recado claro para Dilma. “É uma sinalização crível de que eles querem um quinhão maior de poder”, diz o especialista.

Segundo Pereira, que é pós-doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Oxford, Dilma não soube distribuir o poder em seu primeiro mandato graças, em parte, a uma sucessão de erros na maneira como ela gerenciou o governo de coalizão. “Ela teve os aliados apenas como acessório”, diz.

O especialista é autor do livro "Making Brasil Work: The Unexpected Success of Multiparty Presidential Regimes" (Fazendo o Brasil funcionar: o inesperado sucesso do multipartidarismo em regimes presidenciais). Veja trechos da entrevista que ele concedeu a EXAME.com:

EXAME.com – O que explica a ameaça de novas derrotas a Dilma no Congresso?

Carlos Pereira – Para entender isso, é preciso ver como Dilma gerenciou sua coalizão no primeiro mandato. Eram muitos partidos e a gestão do governo Dilma foi muito unilateral. Ela teve os aliados apenas como acessório.

Agora o PT tem a chance de aprender e reajustar os erros do passado. Por isso, os partidos da coalizão estão sinalizando que, se isso não ocorrer, mais derrotas o governo vai enfrentar.

Por que agora?

Normalmente, presidentes reeleitos têm uma lua de mel mais curta com a sociedade e Congresso. A eleição foi muito competitiva e deixou Dilma fragilizada [já que] ela venceu por uma margem muito reduzida. Como esses parceiros foram maltratados no primeiro governo, eles querem dar um recado para a presidente. Em última instância é uma sinalização crível de que eles querem um quinhão maior de poder.

Quais foram os erros?

A minha teoria é que quanto maior o número de parceiros, quanto mais heterogêneos eles forem, e quanto menos poder for compartilhado com eles, maiores serão os problemas de coordenação e as derrotas no Congresso. Ela cometeu estes três erros.

Por que ter muitos aliados pode ser um problema?

Se você tiver que tomar uma decisão na sua vida e que várias pessoas tenham capacidade de interferir, você vai ter que levar em consideração a preferência de todas as pessoas envolvidas. Quanto menos pessoas estiverem envolvidas num processo de decisão desta natureza, menos problema de coordenação e de custo. Essa é a racionalidade.

O Congresso que irá assumir um novo mandato em janeiro de 2015 será o mais fragmentado desde a redemocratização. Como isso vai impactar o governo Dilma?

Essa fragmentação vai impactar pouco o futuro do governo Dilma. O que impacta é a decisão de manter esse número de partidos ou tentar construir uma coalizão menor. Se ela partir para um menor número de partidos, vai ter mais facilidade para lidar com essa coalizão. Se continuar em uma coalizão ampla e tão heterogênea como essa, vai enfrentar dificuldades.

Ela não fica em uma situação vulnerável ao fazer isso?

Não, porque ela tem uma maioria mais do que qualificada para governar. Os problemas que ela tem não são decorrentes de ter a maioria – tanto é que as derrotas que ela enfrenta são por decepções da sua própria base. A oposição não tem voto suficiente para impor uma derrota para ela. O problema maior não está na fragmentação, está na gerência da coalizão.

Então, o trabalho da Dilma é decidir como ela vai compartilhar o poder e com quem ...

Importa também o grau de homogeneidade ou de heterogeneidade de preferências de políticas. É muito mais fácil você e seus amigos decidirem onde vão jantar hoje à noite se vocês gostarem do mesmo tipo de comida. Se cada um gostar de um tipo de comida diferente e detestar o tipo de comida dos outros, vai ser mais difícil chegar a um acordo.

Como isso se dá no primeiro mandato de Dilma?

Na coalizão da Dilma tinha desde do PCdB, até um partido como o de Maluf [PP], passando pelo centro, que é o PMDB. Então, você tinha uma salada completa de preferências. Quanto mais diversa essa coalizão, mais difícil encontrar um ponto comum de política para colocar em prática.

Quem seriam os melhores aliados a partir de 2015?

Do ponto de vista numérico, ela vai ter que dispensar alguns partidos minúsculos que têm pouca influência e que só geram barulho dentro da coalizão. Vai ter que construir uma agenda muito clara e política para negociar com eles.

Como isso vai determinar a escolha dos futuros ministros?

Demais. Se ela decidir fazer um governo de coalizão levando em consideração o peso de cada um, o PT necessariamente vai ter menos ministérios. Hoje tem 17 ministérios de 39. É muito. Para que exista algum grau de proporcionalidade, a presidente vai ter que cortar na própria carne e alocar mais poder para os aliados. 

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