(Ueslei Marcelino/Reuters)
Alessandra Azevedo
Publicado em 25 de julho de 2021 às 10h00.
De alegado inimigo da política tradicional a declarado integrante do Centrão, o presidente Jair Bolsonaro tem feito o possível para atrair os partidos do bloco mais fisiológico da política brasileira para perto dele. O objetivo imediato é, como ele mesmo já admitiu, conseguir manter a governabilidade. Pensando mais à frente, reforçar as cartas para as eleições de 2022.
A aliança traz soluções de curto prazo para o governo, mas também gera dúvidas. Uma delas é: até onde vai o apoio do Centrão? O preço de estar ao lado do Planalto fica cada vez mais alto conforme denúncias envolvendo o governo aparecem e dezenas de pedidos de impeachment se acumulam na mesa do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Na visão de especialistas, o Centrão se beneficia do momento atual, mas tem claros os limites dessa união. A aliança atual com Bolsonaro não é à prova de escândalos e muito menos uma garantia para 2022. "É tênue a linha que une o Planalto ao Centrão. E ela pode ser rompida", avalia o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa.
César acredita que, se Bolsonaro começar a naufragar, o apoio acaba. Mas, para desembarcar de um governo que tem oferecido cargos de alto escalão até dentro do Palácio do Planalto, o Centrão precisaria de motivos fortes e de fatos novos.
Isso pode acontecer, por exemplo, se a CPI da Covid comprovar que houve ilícitos ou casos de corrupção envolvendo o presidente ou pessoas muito próximas. Em uma situação como essa, a popularidade de Bolsonaro tende a cair, o que é um grande problema para o Centrão, com os parlamentares preocupados em não se queimarem para a disputa de 2022.
"É como dizem: o Centrão não carrega caixão", afirma Cesar. Além dos desdobramentos da CPI, é preciso ficar de olho nos resultados da cooperação entre a CPI da Covid e a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, que podem trazer novos elementos, acrescenta o cientista político Creomar de Souza, da consultoria de risco político Dharma.
As investigações não precisam atingir diretamente Bolsonaro. O estrago já seria feito se apontasse crimes de apoiadores muito próximos a ele. "Isso desencadearia uma pressão e uma queda muito forte de popularidade, que pode empurrar o governo para uma situação de bastante fraqueza", diz Souza.
Um primeiro sinal de desembarque, que pode vir atrelado à falta de popularidade, seria se os membros do Centrão resolvessem não votar mais com o governo ou liberar as bancadas em votações importantes. "Pode gerar uma situação de pouca coesão interna. Esse movimento seria muito ruim para Bolsonaro", avalia o analista da Dharma.
A cientista política Carolina Botelho, pesquisadora do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/Uerj), aponta mais um sinal que pode ser perigoso para a aliança entre o governo e o Centrão: a reação das ruas. Se a popularidade cair mais fortemente e as manifestações contra o governo começarem a lotar, os parlamentares devem reagir.
"São senadores e deputados que querem se reeleger, querem ter acesso ao orçamento e outros governos. Se perceberem que o governo está fraco, saem. Mas, até lá, vão ficar aproveitando o que puderem", afirma Botelho. "Parlamentares são muito sensíveis a manifestações de rua, e elas vão acontecendo à medida que o governo vai se desgastando em vários setores."
Outra situação que pode tirar o Centrão de perto do governo é a insistência de Bolsonaro em falas relacionadas a uma ruptura institucional. "É uma agenda preocupante para o Centrão. Mensagens como a que teria vindo do Ministério da Defesa, de que não haverá eleições sem voto impresso, podem afastar os dois e por uma razão simples: o Centrão se alimenta do sistema político atual. Não teria benefício em mudá-lo", explica Botelho.
Para Souza, da Dharma, os limites estão colocados. "À medida que o presidente atravessa linhas de bom senso e fala muito com esse grupo antipolítico, gera prejuízo para parlamentares que não têm esse tom e avaliam que votar com governo com esse tipo de discurso cria dificuldades", explica.
Bolsonaro, segundo os especialistas, tem noção desses limites. Tanto que recentemente se colocou como parte do Centrão, o que de fato é desde a época em que era deputado. "O presidente é cria do Centrão. Ele entrou na política nesses partidos. O que fez nas eleições foi omitir isso e até mentir, ao defender a 'nova política' da qual não fazia parte", diz Botelho.
O presidente se rendeu à aliança com o Centrão no ano passado, movimento que se fortaleceu com a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara, em fevereiro deste ano. "O Centrão passou a ser uma parte importante integrante do governo Bolsonaro. Antes de Ciro Nogueira na Casa Civil, ele já tinha colocado a Flávia Arruda dentro do Planalto, na Secretaria de Governo", lembra Botelho.
Para a cientista política, é claro que Bolsonaro está cada vez mais nas mãos dos partidos do Centrão. "Colocar um senador com a importância do Ciro Nogueira na Casa Civil é mostrar que ele está completamente dependente desse grupo fisiológico. Já o Centrão está agindo como sempre agiu, nada de diferente", avalia.
A característica mais usada para definir o Centrão é "pragmatismo". Por enquanto, os partidos entendem que vale a pena estar com o governo, mas sabem das fragilidades. "Os parlamentares estão conseguindo o que querem: cargos e verbas orçamentária", diz o analista político César Alexandre de Carvalho, da CAC Consultoria.
Mesmo que nenhum fato novo aconteça, o apoio do Centrão, segundo Carvalho, tem "prazo de validade": as eleições de 2022. "O Centrão é volátil e vai para onde o poder apontar. Hoje é Bolsonaro. A parte que fica com ele deve ficar até a decisão de quem apoiar nas eleições, e não significa que estará com Bolsonaro em 2022", diz o analista político.
"Se Bolsonaro não for uma aposta mais certa para o Centrão no processo eleitoral, nada impede que parta para outro lado. O Centrão já foi da esquerda para a direita, da direita para a esquerda", lembra Carvalho. O prazo é até a decisão das alianças, no ano que vem.
E alguns partidos do Centrão já deixam claro que não apostam na reeleição de Bolsonaro, como o PSD, que espera filiação de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), atual presidente do Senado. O partido tem a terceira maior bancada da Câmara, com 35 deputados, e a segunda maior do Senado, com 11 senadores, atrás apenas do MDB, que tem 15.
Também fazem parte do Centrão partidos como PTB, que é o menor, mas segue em maioria com Bolsonaro, e o PL, que abriga o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (AM), que tem se posicionado contra Bolsonaro. A movimentação revela que, de fato, não há consenso em defender o governo entre os partidos do Centrão, principalmente em 2022.
Até mesmo o PP, que é hoje um dos mais alinhados ao governo, pode ir para outro lado. Com o reforço da aliança, colocando Ciro Nogueira na Casa Civil, Bolsonaro busca evitar que isso aconteça. O analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva, lembra, entretanto, que o PP não é um partido coeso. Em algumas regiões, como no Centro-Sul, tende a apoiar Bolsonaro, mas, em outras, poderia ir até para o lado oposto, de Luiz Inácio Lula da Silva.
Além da projeção nos municípios, o PP tem uma das maiores bancadas no Congresso. Na Câmara, conta atualmente com 41 deputados, um deles o presidente da Casa, Arthur Lira (AL). Perde para o PSL e o PT, com 53 cada, e empata com o PL. No Senado, tem sete senadores, a quarta maior bancada, atrás de MDB (15), PSD (11) e Podemos (9).
A tentativa de Bolsonaro é de acenar para os caciques, na esperança de que a influência deles mantenha o grupo unido com o governo. No caso do PP, ele se aproxima do senador Ciro Nogueira, de Arthur Lira e do deputado Ricardo Barros (PB), líder do governo na Câmara. "É a estratégia dele, mas não garante nada até 2022", afirma Carvalho.
"O deadline do Centrão em relação ao apoio é quando tiver que decidir para que lado vai correr em 2022. Os partidos já estão rachados. Não existe uma unanimidade nas legendas do Centrão em torno de Bolsonaro, como não existe em torno de Lula. Tudo pode mudar", diz Carvalho.