Brasil

Dá para ajudar o banco central

Um estudo exclusivo mostra que a necessidade de aumento da taxa de juro para controlar a inflação pode ser menor - desde que o governo aceite reduzir seus gastos

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2010 às 12h46.

Após anos de debate, finalmente parece haver razoável consenso de que a disciplina fiscal é uma condição vital para o crescimento do país. Agora, já é possível encontrar economistas de diferentes ideologias defendendo que o governo precisa manter superávits primários - a diferença entre arrecadação e gastos federais reservada para o pagamento dos juros da dívida pública. Nos últimos anos, a política de realização de superávits primários colaborou para que se iniciasse uma seqüência de cortes da Selic, a taxa de juro básica no Brasil. Neste ano, com o ressurgimento das pressões inflacionárias, o Banco Central voltou a aumentar os juros. De abril ao início de junho, a taxa anual passou de 11,25% para 12,25% - e novo aumento era esperado para 23 de julho. Porém, seja devido à subida dos preços mundiais de commodities, seja pelo mercado doméstico aquecido, o avanço dos preços ainda não arrefeceu. Os aumentos vêm se espalhando pela economia, alcançando serviços, aluguéis e salários. No setor público, servidores, como os empregados dos Correios e os petroleiros, pressionam por ajustes. O mesmo começa a ocorrer no setor privado (veja reportagem na pág. 42). Nesse cenário, o tradicional remédio antiinflação talvez não seja suficiente. Vai ficando evidente que, para estancar a carestia, seria preciso contar com esforço extra do lado fiscal - ou seja, o governo deveria ampliar o superávit primário. Há uma relação direta entre essa dosagem e as decisões do Banco Central quanto aos juros.

A pedido de EXAME, o economista Ilan Goldfajn, ex-diretor do BC e sócio da Ciano Investimentos, elaborou um estudo para medir a necessidade de aumento de juros conforme o tamanho do superávit primário. Oficialmente, a meta estabelecida pelo governo é 3,8% do PIB - está em cogitação o aumento para 4,3%, mas, até o fechamento desta edição, não havia uma decisão a respeito. As projeções de Goldfajn (veja quadro) mostram nitidamente que maior esforço fiscal abriria espaço para combater a inflação sem sobrecarregar tanto o trabalho do BC - e o crescimento da economia. No exercício são consideradas três hipóteses de superávit fiscal em 2009 e analisado o que ocorreria com os juros para manter na meta o índice de preços ao consumidor. No melhor cenário, em que o superávit é elevado para 4,8% do PIB - meio ponto acima do que o governo cogita fazer -, a taxa Selic teria de ir a 13,8% para que a inflação fosse contida no centro da meta já estabelecida, de 4,5%. Considerando um alvo para o índice de preços mais afrouxado, de 5,5%, o superávit maior permitiria que os juros ficassem em 12,2%, taxa praticamente igual à de hoje. "Naturalmente, há uma margem de erro nesses números, mas eles indicam com clareza uma tendência", diz Goldfajn. "Quando aumenta os juros, o governo repassa para o setor privado o ônus de conter a inflação, porque reduz o espaço para o crescimento. Se faz um superávit maior, o governo assume o papel principal."

O IMPACTO DO SUPERÁVIT PRIMÁRIO na inflação é importante porque o governo federal é responsável pela injeção de uma grande massa de recursos na economia. Neste ano, serão cerca de 600 bilhões de reais em transferências para estados e municípios, contratação de serviços, compra de materiais, pagamento de salários, aposentadorias e benefícios sociais. Quando eleva a meta de superávit primário, o governo compromete-se a gastar menos - cada meio ponto significa 14 bilhões de reais de economia. Esse tipo de decisão também melhora a percepção do mercado em relação ao controle do endividamento público. Resultado: a confiança do investidor aumenta e é possível pagar taxas de juro menores. Cria-se, assim, uma espécie de ciclo virtuoso, porque com juros menores há redução da própria dívida pública - um efeito contrário ao causado pela elevação da taxa Selic. "Toda vez que há aumento nos juros, automaticamente cresce o endividamento do governo, já que mais da metade da dívida está atrelada a títulos pós-fixados", diz o economista Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores.


Por que então o governo reluta em aumentar o superávit primário? A dificuldade de fazer cortes orçamentários deve-se a uma velha prática da política brasileira: historicamente, os governos só aumentam os gastos. No caso da União, desde 2004 as despesas crescem à média anual de 8,3%, bem acima da média de expansão da economia no período, que foi de 4,6% ao ano. "O governo perdeu a oportunidade de reduzir os gastos nos últimos anos", diz Fábio Giambiagi, economista do BNDES e especialista em finanças públicas. Em outro estudo sobre a questão fiscal, o economista Beny Parnes, do banco BBM, calculou que, se o governo tivesse estabilizado suas despesas (ou seja, apenas corrigido os valores), teria sido possível alcançar superávit de 5,5% do PIB no ano passado - o realizado foi de 4%. Em conseqüência, este ano teria começado com maior austeridade e a inflação poderia ficar em 6,4% - meio ponto percentual a menos que o projetado pelo BBM para 2008.

Se há dificuldade para fazer cortes, o ideal seria, pelo menos, evitar a criação de novas demandas por recursos. A estratégia por si só resultaria em mais poupança para o governo, uma vez que o bom desempenho da economia tem gerado sucessivos recordes na coleta de tributos. De janeiro a junho, a arrecadação federal cresceu 16% em relação ao mesmo período de 2007 - um reforço adicional de 42 bilhões de reais nos cofres do governo. "O momento é especialmente propício para fazer reparos nas contas públicas e assumir um superávit maior", diz Joel Bogdanski, consultor econômico do banco Itaú. "Mas, uma vez prometido, o governo terá de cumprir." 

Acompanhe tudo sobre:GovernoInflaçãoJurosreformas

Mais de Brasil

Apesar da alta, indústria vê sinal amarelo com cenário de juros elevado, diz economista do Iedi

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência