Favela no Rio de Janeiro: nove em cada dez moradores de favelas brasileiras saiu de casa na última semana (Fabio Teixeira/Getty Images)
Carolina Riveira
Publicado em 24 de junho de 2020 às 16h49.
Última atualização em 24 de junho de 2020 às 17h04.
Cada dormitório em uma residência nas favelas brasileiras comporta, em média, quatro pessoas. A aglomeração nas habitações é um dos principais desafios dos moradores de favelas para se proteger contra a covid-19, como mostra uma nova pesquisa do Data Favela, do Instituto Locomotiva. O estudo aponta ainda que, além do medo de perder a renda, boa parte dos moradores desse grupo se queixa de aumento de gastos durante a pandemia, sobretudo com as escolas fechadas e a presença dos filhos em casa.
O estudo teve como entrevistados 3.321 moradores de 239 favelas brasileiras, ouvidos entre 19 e 22 de junho. O Brasil tem 13,6 milhões de pessoas vivendo em favelas -- uma população que, junta, representaria o quinto maior estado do Brasil.
Dentre as principais descobertas, a busca por renda faz com que a quarentena não seja uma realidade nas favelas brasileiras. Nove em cada 10 moradores saiu de casa na última semana, a maioria em cinco dias ou mais. Só 15% dos que saíram o fizeram somente em um dia na semana.
Metade dos que afirmaram ter saído de casa o fez para ir ao trabalho. As saídas majoritárias, na faixa de 70% ou mais cada, foram para ir ao supermercado, entorno de casa, casa de amigos ou farmácia. Só 11% disse ter ido a algum centro de compras.
No geral, há um esforço para se proteger. Cerca de 4 em cada 10 moradores de favelas diz que está procurando seguir as medidas de proteção. Mas uma fatia quase igual (39%) diz que procura seguir as medidas, mas nem sempre consegue. Só 8%, menos de uma pessoa em cada dez, disse que não está sequer tentando seguir as precauções de proteção.
Em todo o Brasil, o isolamento é um desafio maior para os moradores mais pobres do que para o restante da população. Enquanto 50% dos brasileiros têm quatro ou mais pessoas em casa, entre o percentual mais pobre essa fatia chega a 60%.
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A preocupação com a renda e com a saúde anda lado a lado para os moradores das favelas. O risco de perder o emprego, citado por 88% dos moradores, se equipara às preocupações com saúde dos parentes mais velhos, que foi a maior preocupação dos entrevistados. Essa faixa de preocupação com a renda era menor em março, de 75%.
A renda também diminuiu para boa parte dos moradores, que são majoritariamente trabalhadores informais. Metade das famílias está sobrevivendo com só metade da renda que tinha antes da pandemia.
Caso parem de trabalhar, a reserva financeira duraria somente uma semana para dois terços dos moradores. Só 3% dos entrevistados aguentaria mais de um mês sem trabalhar.
O desemprego é o dobro na favela na comparação com o restante da população brasileira. A média brasileira de emprego formal também é o dobro do que é na favela, onde menos de 20% dos trabalhadores são empregados com carteira assinada.
Para complementar a renda em queda, 7 em cada 10 famílias diz que pediu o auxílio emergencial de 600 reais do governo federal, mas 41% ainda não recebeu nenhuma parcela. Entre quem recebeu o dinheiro, 62% disse que destinou parte do valor para ajudar amigos e parentes, o que, para o Locomotiva, está "evidenciando a força dos laços de solidariedade dentro da favela".
Dentre as famílias com filhos em casa, a maioria aponta que os gastos aumentaram porque as crianças deixaram de ir para a escola. Quase 9 em cada 10 pessoas cujos filhos deixaram de ir à escola disseram que os gastos "aumentaram muito" ou "um pouco".
O cancelamento das aulas presenciais também dificultou a própria obtenção de renda para 8 em cada 10 entrevistados. Só 2 em cada 10 disseram que ter os filhos em casa em vez de na escola não dificultou "em nada" a obtenção de renda.
Dos moradores com mais de 14 anos, 53% têm filhos, com uma média de três filhos por família. Oito em cada dez pais também disse acreditar que seus filhos não estão estudando em casa o tanto quanto deveriam.
Caso alguém adoeça, o acesso à saúde se restringe ao sistema público. Cerca de 96% dos moradores de favelas respondeu que não tem plano de saúde, ante 76% da média brasileira.
Apesar dos desafios, os moradores acreditam que a pandemia ainda vai demorar a passar. Quase sete em cada dez moradores (67%) acha que a pandemia está no início ou no meio. Outros 18% acham que está no final e só 10% (ou menos de dois em cada dez) avalia que ela já acabou ou nunca existiu.
A margem de erro do estudo é de 1,6 ponto percentual, com intervalo de confiança de 95%. A base de entrevistados comporta diferentes perfis de idade, região e ocupação e moradores de todos os estados do Brasil e vem do Painel Data Favela, um pré-cadastro do Instituto Locomotiva com 20.000 moradores de favelas brasileiras.