MARIA SILVIA: a executiva ficou menos de um ano no cargo e vinha sendo pressionada dentro e fora do banco / Ueslei Marcelino/ Reuters
Letícia Toledo
Publicado em 26 de maio de 2017 às 18h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
Letícia Toledo
O pedido de demissão de Maria Silvia Bastos Marques da presidência do BNDES, o maior banco de fomento do país, na tarde desta sexta-feira foi recebido com perplexidade. Há tempos, indústria, empresários e políticos vinham criticando seu modelo de gestão mais, digamos, conservador. Mas, após meses de críticas, ninguém esperava que ela fosse deixar. “Fomos pegos de surpresa, não teve nenhuma convocação, nada. Apenas recebemos a carta de sua demissão por e-mail”, diz Arthur Koblitz, vice-presidente da Associação de Funcionários do BNDES.
Em sua carta, Maria Silvia alegou que estava deixando o banco “por motivos pessoais”. Executivos próximos a ela, entretanto, relatam que um conjunto de fatores a levaram a deixar o banco. Além da pressão sofrida por empresários que cobravam a mão fechada da presidente, Maria Silvia vinha perdendo o apoio de funcionários do banco por não assumir uma postura mais “firme” em relação às críticas que o banco vinha sofrendo sobretudo com o avanço das operações policiais. A perda de apoio interno teria se dado, principalmente, após a deflagração da Operação Bullish, no último dia 12, que investiga justamente fraudes e irregularidades em aportes concedidos pelo BNDES.
“Os funcionários queriam uma postura mais firme, que Maria Silvia defendesse o banco a qualquer custo. Ela não queria se posicionar dessa maneira, apoiando empréstimos anteriores a sua gestão”, afirma um executivo do banco.
Maria Silvia também tinha desafetos no banco por conta das novas políticas de juros do BNDES. Segundo reportagem da revista EXAME publicada no início de maio, muitos técnicos reclamavam da falta de diálogo e pediam explicações da postura adotada pela nova diretoria. Um exemplo da resistência foi a mobilização de 600 funcionários contra a nova taxa de longo prazo, a TLP, em assembleia realizada em fevereiro.
Pessoas próximas a Maria Silvia também especulam que, com o avanço das operações policiais, ela poderia ter sua reputação manchada ao ter que participar das investigações e da
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Senadores e deputados protocolaram, nesta quinta-feira 25, o pedido de instalação para apurar os empréstimos tomados pela holding J&F – controladora do frigorífico JBS – junto ao BNDES. “Ela teria que prestar depoimentos, sujar as mãos para defender o banco. Em meio a tudo isso, o governo ainda vive um momento de indefinição total. Ela avaliou que não compensava desgastar sua imagem diante de tudo isso”, afirma uma pessoa próxima a Maria Silvia.
Histórico
A nomeação de Maria SIlvia marcou o fim de uma era de crescimentos exorbitantes nos créditos concebidos pela instituição. De 2007 a 2014, a carteira do banco cresceu mais de quatro vezes, atingindo 11% do produto interno bruto e um quinto do crédito do país. O fluxo de dinheiro era tanto que o BNDES chegou a financiar anualmente um valor três vezes maior do que o do Banco Mundial — organização multilateral que atende dezenas de países de renda média e baixa.
Maria Silvia assumiu em junho do ano passado e estipulou novas regras como a de que sua participação nos empréstimos com taxas subsidiadas será de, no máximo, 80% do valor do projeto ou do bem a ser adquirido. O restante teria de ser bancado pelo tomador ou por outras fontes de financiamento. O banco também adotou uma nova política de juros com a entrada gradual da nova taxa de longo prazo, a TLP, que seguirá um título público com prazo de cinco anos que rende um juro fixo mais a taxa de inflação. Funcionários de carreira do banco reclamaram das mudanças e diziam que não houve diálogo com os técnicos nem apresentação de pesquisas que justificassem a mudança.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo elaborou um estudo em que mostra que, com a adoção da nova modalidade de juros, os financiamentos com recursos do BNDES ficarão mais caros a ponto de fazer cair em 0,5 ponto do PIB o investimento médio anual das empresas no país.
Outra crítica era a lentidão na liberação dos empréstimos. Um levantamento feito pelo próprio BNDES mostra que, nas operações não automáticas (o que exclui as feitas por agentes financeiros e de até 20 milhões de reais), o prazo médio de liberação é de 315 dias, podendo chegar a 2.518 dias. A meta do BNDES sob a gestão de Maria Silvia era já neste ano fechar pelo menos metade das liberações em até 180 dias, aprimorando os processos.
Com a saída da executiva, Ricardo Ramos, diretor das áreas de administração e recursos humanos, assumiu o comando do banco. Ele é funcionário da instituição desde 1993. Executivos acham pouco provável que, em meio ao caos político, o governo nomeie outra pessoa para comandar o banco. A expectativa é de que os planos sigam o roteiro já estabelecido por ela. “O que ela vinha fazendo no banco é muito positivo, espero que quem fique no lugar dela continua a agenda de mudanças”, diz a economista e advogada Elena Landau, que foi diretora do BNDES no governo Fernando Henrique.
A saída de Maria Silvia deve provocar novas instabilidades na economia e na política, mas tem sido bem recebida por empresários. A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos, Abima, por exemplo, divulgou nota afirmando que considera excelente a nomeação do diretor Ricardo Ramos, pertencente ao quadro de carreira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para assumir interinamente a presidência do BNDES. Ele é profundo conhecedor do Banco e da indústria brasileira”. Maria Silvia, como reforça a nota, perdeu a queda de braço.