POSTO DO INSS: previdência urbana teve saldo positivo de 5,1 milhões em 2015 / Germano Lüders (Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 27 de outubro de 2016 às 17h28.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h56.
Após a aprovação na Câmara dos Deputados da PEC 241, que limita os gastos públicos, o presidente Michel Temer volta os esforços para outra reforma considerada primordial por sua equipe: a previdenciária. No último dia 6 de outubro, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, apresentou ao presidente a proposta de novas regras para a aposentadoria.
A previdência responde, sozinha, por 42% das despesas previstas no orçamento de 2017. São 652 bilhões de reais em pagamentos de aposentadorias, pensões e auxílios a mais de 32 milhões de beneficiários.
Com o envelhecimento da população, sua participação no orçamento deve crescer ainda mais. Em 2060, o IBGE estima que o número de pessoas com mais de 65 anos deve saltar para mais de 30%, de modo que haverá um idoso a cada três brasileiros. Nesse ritmo — e pensando num cenário em que vigore a PEC do teto de gastos —, a previdência irá engolir o espaço de outras despesas essenciais, como saúde e educação. Os gastos previdenciários representaram 7,4% do PIB no ano passado, segundo um balanço do Tesouro Nacional, mas a previsão é que essa fatia chegue a 20% em 2060, de acordo com uma estimativa do Ipea.
“Alguns anos fazem toda a diferença. Sem uma reforma, não será possível pagar as aposentadorias no futuro”, aponta Renato Fragelli, professor da FGV/EPGE.
O que a reforma propõe
O texto proposto pela Casa Civil ainda não foi divulgado, de modo que muitos pontos podem mudar antes que o projeto seja enviado ao Congresso. Mas alguns planos já foram revelados ao longo das últimas semanas.
Atualmente, o trabalhador pode se aposentar por idade ou por tempo de contribuição. Na primeira opção, o contribuinte precisa ter ao menos 65 anos e ter contribuído por pelo 15 anos. Na segunda, o trabalhador contribui por ao menos 35/30 anos (homem/mulher) e, somando esse valor à idade, o total deve atingir 85/95 anos. A fórmula subirá gradativamente até atingir 90/100 (mulheres/homens) em 2026, devido a alterações feitas ainda na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. O governo anterior afirmou que essa mudança nas regras geraria uma economia de 100 bilhões, mas muitos argumentam que apenas esse formato não é suficiente.
Com a fórmula 85/95, um homem que comece a trabalhar aos 25 anos consegue se aposentar aos 60, o que é uma idade relativamente baixa se comparada aos padrões mundiais — a média brasileira é de 55 anos. Por isso, antes de tudo, a nova proposta de reforma busca instituir a idade mínima de 65 anos como critério para a aposentadoria, por ser um patamar adotado na maioria dos países. O Brasil é o único do G20 que ainda não usa esse sistema.
Também deve ocorrer uma mudança na metodologia que calcula quanto o aposentado receberá. Até então, quem cumprisse a fórmula 85/95 teria direito à aposentadoria integral, ou seja, uma média de 80% dos maiores salários que recebeu desde 1994.
Supondo um trabalhador com benefício integral de 2.000 reais. As novas regras estipulam um piso de 50% do valor completo, ou seja, 1.000 reais. A esse piso, serão acrescidos 1% do benefício integral para cada ano trabalhado. Assim, se essa pessoa começou a trabalhar aos 25 anos e decidir se aposentar com a idade mínima permitida, de 65 anos, terá contribuído por 40 anos e, por isso, acrescentará 40% ao piso de 50%. Desse modo, sua aposentadoria seria de 90% dos 2.000 do benefício integral, o equivalente a 1.800 reais. O máximo que alguém pode ganhar pelo INSS é 5.189,82.
O objetivo é estimular as pessoas a trabalharem por mais tempo. Também se discute a possibilidade de unificar as regras para homens e mulheres, que hoje têm diferença de cinco anos no tempo e na idade com a qual podem se aposentar.
Por fim, um dos pontos mais polêmicos está na situação de quem já trabalha no momento. Centrais sindicais receiam a perda de direitos adquiridos, uma vez que as novas regras seriam aplicadas integralmente a homens com menos de 50 anos e mulheres com menos de 45. Já trabalhadores com idade acima disso teriam de trabalhar de 40% a 50% a mais – se lhes faltava um ano para se aposentar, eles precisarão trabalhar mais metade disso, ou seja, um ano e mais seis meses.
Quem são os beneficiários?
Em 2014, 91,3% dos idosos brasileiros estavam cobertos por algum tipo de benefício previdenciário, segundo a Pnad. O último Anuário Estatístico da Previdência Social também mostra que o Brasil tinha, no mesmo ano, mais de 32 milhões de pessoas recebendo do INSS.
Dos benefícios ativos, 83,8% eram trabalhadores aposentados, 2,6% sofreram acidentes ou morreram no trabalho e 13,5% recebiam benefícios assistenciais (como o Bolsa Família ou o BPC/Loas, lei de assistência social que fornece um salário mínimo a pessoas com deficiência e idosos carentes com mais de 65 anos, mesmo que eles não tenham contribuído para a previdência).
Mais de 70% desses beneficiários estavam na fatia urbana e 28,9% na rural rural. A maioria deles recebe um salário mínimo, e o valor médio dos benefícios era de 1.018 reais (no geral, os trabalhadores urbanos recebiam 57,1% a mais que os rurais).
Os problemas atuais
Para o ano que vem, o déficit estimado pelo governo é de 181,2 bilhões de reais. É 21% a mais do que o saldo de 2016, que fechou em 149 bilhões negativos, de acordo com o ministério do Planejamento. Nesse ritmo, estima-se que a balança negativa da previdência chegará a 1 trilhão em 2050.
Somente no INSS, que cuida das aposentadorias do setor privado, o Brasil apresenta déficit desde 1996. De lá para cá, o saldo negativo subiu quase 6.000%, já reajustada a inflação.
A previdência rural é um dos principais problemas. Os 85,8 bilhões do déficit previdenciário calculado em 2015, por exemplo, foram oriundos do campo. Em 2015, o INSS rural arrecadou apenas 7 milhões, mas teve de pagar quase 91 bilhões. Enquanto isso, o setor urbano teve saldo positivo de 5,1 milhões.
A grande barreira no campo é a informalidade, ainda bastante presente: dos 4 milhões que trabalhavam no campo em 2013, 59,4% eram informais, segundo o IBGE. No mesmo ano, essa fatia foi de 33% se incluídos os trabalhadores urbanos.
Para dar assistência aos trabalhadores na informalidade, as regras no setor rural são diferentes. Se comprovar que trabalhou no campo por 15 anos, um trabalhador pode se aposentar com 60 anos se for homem e 55 se for mulher, mesmo que não tenha contribuído antes com o INSS.
Em 2007, a previdência rural também perdeu a CMPF, que forneceu ao sistema 9,6 bilhões de reais naquele ano. Para o pesquisador Vilson Romero, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a baixa contribuição do setor produtivo rural precisa ser revista No caso dos proprietários, a contribuição é paga sob os ganhos com a produção, sendo de 2,5% para grandes terras e de 2% para propriedades de economia familiar.
“O trabalhador rural alimenta a cidade e é parte importante da economia, o campo precisa ser incentivado. Mas é muito pouco para um setor que, contando as exportações, teve faturamento mais de 1 trilhão”, diz.
Desonerações
Outro fator que diminui o dinheiro disponível para a previdência são as desonerações fiscais na receita das contribuições que deveriam ser destinadas à Seguridade Social. Desde 1999, a Anfip realiza desde um estudo anual sobre a previdência, e mostra que as desonerações ligadas às receitas da Seguridade passam de 24 bilhões em 2015 e atingem 56 setores da economia.
Até dezembro do ano passado, o INSS também havia deixado de receber 374 bilhões de reais de trabalhadores e empresas que não pagaram suas alíquotas obrigatórias – a chamada dívida previdenciária.
Além disso, 63,8 milhões de reais foram desvinculados em 2015 pela DRU, desvinculação de recursos da união. A DRU vigora desde a década de 1990 e permite ao governo usar como quiser 20% de alguns recursos que têm gastos vinculados obrigatoriamente no orçamento. Uma medida provisória aprovada em julho ampliou a fatia da DRU de 20% para 30%.
Quem paga a previdência?
O dinheiro da previdência vem do chamado Orçamento de Seguridade Social, que é uma das três partes nas quais o orçamento brasileiro é dividido. Além das pensões e aposentadorias, essa fatia engloba despesas como saúde (como o Sistema Único de Saúde, o SUS), programas sociais (como o Bolsa Família) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (responsável pelo seguro-desemprego).
Hoje, o empregado contribui de 8 a 11% de seu salário, enquanto o empregador entra com pouco mais de 20%. Tudo isso constitui o que o governo chama, no orçamento, de receita da previdência (estimado em 381 bilhões para 2017). Em contrapartida, a previdência deve pagar, no ano que vem, 562 bilhões de reais para aposentados e pensionistas do INSS. Somando esses dois valores, chegamos ao déficit de 181 bilhões, que deve ser coberto pelo governo para fechar as contas.
Para que a previdência se sustente sozinha, cada trabalhador aposentado ganhando 1.500 reais, são necessários 3,3 trabalhadores em atividade contribuindo para o INSS, de acordo com um levantamento do professor Carlos Heitor Campani, do Coppead, escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 2013, esse índice era de 1,7.
A previdência brasileira não é a única com dificuldades, diante do aumento da expectativa de vida e diminuição da taxa de natalidade no mundo todo. De 2000 a 2015, a Organização Mundial da Saúde aponta que as pessoas estão vivendo cerca de cinco anos anos a mais, atingindo uma média global de 71,4 anos. A idade média de vida —que chega a 75 anos por aqui — já supera os 80 anos em 29 países.
Por outro lado, temos uma das situações mais delicadas: um estudo de 2014 da seguradora Allianz mostrou que, dentre 50 países analisados, o Brasil tem a segunda previdência menos sustentável, atrás apenas da Tailândia. Assim como os tailandeses, os brasileiros se aposentam, em média, aos 55 anos. Na Austrália, considerada a previdência mais sustentável, a média de aposentadoria é de 65 anos. As médias mais altas do mundo são encontradas em países como México (71 anos), Coreia do Sul (70 anos) e Japão (69 anos).
O déficit não existe?
Mas muitos economistas argumentam que o saldo negativo da previdência, na verdade, é um problema de ótica. Isso porque a conta do déficit não inclui outros valores pagos pelas empresas ao Estado, como Cofins, a CSLL e a contribuição para o PIS/Pasep. Chamados de “contribuições sociais”, esses tributos foram criados justamente para servir de receita à Seguridade Social e cobrir os gastos – incluindo a previdência.
Esse formato está previsto na Constituição de 1988, que estabelece o chamado financiamento tripartite da Seguridade Social. Ou seja, o financiamento do setor deve vir de trabalhadores, empregadores e também do Estado.
No Brasil, para cobrir o déficit de 85,8 bilhões em 2015, o governo entrou com 1,4% do PIB. Isso representa 20% dos 434 bilhões gastos com previdência naquele ano. Dados do governo mostram que esse valor inclusive, caiu de 1,72% para 0,69% do PIB entre 2005 e 2012 – período de bonança da economia brasileira, com maior geração de empregos e, portanto, maior receita própria para a previdência. Na média dos países da OCDE, o governo costuma contribuir com 36% do total.
O professor Eduardo Fagnani, da Unicamp, aponta que a Dinamarca, por exemplo, gasta 30% do PIB com previdência. Desse montante, o governo cobre 27% da conta, e somente 3% é pago por trabalhadores e empresários. “Se a Dinamarca fizesse a conta como o Brasil, o chamado ‘rombo’ seria de 27% do PIB. Mas o que nós chamamos de déficit, na verdade, é a parte que constitucionalmente cabe ao governo”, diz.
Previdência dos funcionários públicos
Além das aposentadorias do setor privado, há ainda a previdência pública, que conta com um regime diferente e não é atendida pelo INSS. Em 2014, o déficit da previdência pública fechou em 67 bilhões, de acordo com o Ministério da Fazenda. Enquanto isso, o do INSS foi de 57 bilhões.
Em 2017, a previdência pública deve gastar 86 bilhões. Embora esse valor seja apenas 14% de todas as contas da previdência – enquanto a previdência do setor privado responde por 85% -, os servidores públicos totalizam apenas 1 milhão de pessoas, enquanto o INSS atende 32 milhões.
“O déficit é mais ou menos o mesmo, a diferença é que a privada atende muito mais pessoas”, explica João Moscolo, do Insper.
Mas uma reforma de 2012 tende a equilibrar as contas. Quem ingressou no setor público antes de 2004 se aposentava com o salário integral, mas com as mudanças, os novatos podem receber, no máximo, um teto similar ao do setor privado – pouco mais de 5.000.
Servidores mais novos contribuem com 11% do salário, e, para receber mais que isso, devem pagar um fundo de pensão próprio (o Funpresp). Esse fundo realiza investimentos cujo retorno arcará com parte da aposentadoria dos servidores. Mesmo assim, como ainda há muitos funcionários antigos, a estimativa é que o novo sistema só passará a aliviar as contas da previdência pública em 2044.
Alternativas
Para o professor Carlos Heitor Campani, do Coppead/UFRJ, as mudanças propostas são insuficientes. Ele argumenta que o Estado deveria fazer um cálculo com base nas especificidades da população brasileira, e não apenas repetir a idade mínima de 65 anos ou regras adotadas em outros países.
Em um estudo com o pesquisador Sandro Azambuja, da UFF, Campani propõe que as alíquotas pagas por empresas e trabalhadores sejam recalculadas a cada ano, como pode acontecer, por exemplo, com o Imposto de Renda. A ideia é que elas variem de acordo com o que for necessário para cobrir o déficit do ano anterior. A contribuição também incluiria os próprios aposentados – ou, para não onerar os idosos, o Estado poderia arcar com esta fatia.
“Tem que ser feita uma conta de sustentabilidade do sistema, o que não está acontecendo. Estamos colocando a poeira debaixo do tapete mais uma vez e resolvendo somente a curto prazo. Daqui a 20, 25 anos, estaremos discutindo novamente uma reforma da previdência”, diz.
Um dos casos mais emblemáticos de reformas liberais no mundo é o Chile, que teve as aposentadorias privatizadas em 1981, sob o governo do ditador Augusto Pinochet. Foi instaurado um sistema de fundos de pensão que o trabalhador acumula ao longo da vida, contribuindo com 10% de seu salário. A aposentadoria é gerenciada pelas chamadas AFPs, administradoras desses recursos.
Embora o sistema custe pouco aos cofres públicos — o Chile gasta 3,2% do PIB com previdência —, mais de três décadas depois, as controvérsias do sistema são inúmeras e levaram milhares de chilenos às ruas em agosto, exigindo que a presidente Michelle Bachelet realize uma nova reforma. Uma das propostas é obrigar empresas e o governo a arcarem com parte da previdência.
No geral, os chilenos recebem uma aposentadoria que vale, em média, 38% de seu último salário, menor do que 35 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Uma grande parcela da população também recebe abaixo do salário mínimo, de 260.000 pesos (cerca de 1.300 reais). Se uma pessoa fica algum tempo desempregada e sem colaborar, sua aposentadoria também diminui. Num país onde a renda dos mais ricos é 26,5 vezes maior que a dos mais pobres, segundo a OCDE, o montante acumulado pela parcela mais carente da população é, muitas vezes, insuficiente para o fim da vida — o Chile tem uma expectativa de vida acima dos 80 anos, a maior da América Latina.
Pente-fino
A curto prazo, o governo já começa a se mexer. Na semana passada, teve início para reavaliar a situação dos beneficiários de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez . Dos 5.000 casos analisados até agora, 80% tiveram o repasse cancelado por ainda estarem trabalhando ou não terem contribuído o mínimo necessário com a Previdência ao longo da vida.
Um simples cruzamento de dados de beneficiários da previdência geraria uma economia de até 11 bilhões de reais, segundo a Casa Civil. Mais de 500.000 pessoas estariam recebendo o dinheiro sem realmente necessitar, de acordo com o ministro Eliseu Padilha.
Aos que estão próximos de se aposentar, o medo de perder ou retardar o benefício no futuro fez os pedidos de aposentadoria crescerem exponencialmente. O número de concessões de aposentadorias e auxílios pelo INSS cresceu 87% em agosto, se comparado ao mesmo período do ano passado. No acumulado de janeiro a agosto, o crescimento foi de 16,5%.
“A reforma na previdência é sempre necessária por conta do envelhecimento da população. Mas proposta não pode ser apenas fiscalista e não pode destruir a proteção social”, afirma Fagnani, da Unicamp. “O problema não é só a previdência, mas o sistema fiscal, que é cheio de inconsistências”. O economista fará parte de um grupo da Anfip responsável por apresentar, em novembro, medidas possíveis para a sustentabilidade da previdência sem perdas sociais.
Com o texto da reforma em mãos, Temer ainda deve se reunir com empresários e centrais sindicais antes de efetivamente enviar a proposta ao Congresso. Por ora, o governo se concentra também em conseguir o apoio da população, e iniciou, uma campanha publicitária para explicar aos trabalhadores a necessidade da reforma. Até as medidas serem de fato votadas, muita água vai rolar.