O vice-presidente da República, Michel Temer (ASCOM/VPR)
Valéria Bretas
Publicado em 2 de maio de 2016 às 09h58.
São Paulo – O avanço do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff para o Senado aumentou a expectativa de quem quer ver um governo gerido por Michel Temer, o atual vice-presidente da República.
Mas a promessa de que um novo protagonista confira fôlego ao caos político inibe os reais desafios do peemedebista no cargo.
A expectativa da consultoria Tendências é de que uma eventual administração Temer enfrente um cenário tão desafiante – ou até pior – do que o enfrentado por Dilma.
Temer parece ciente disso. Em entrevista ao Jornal do SBT na semana passada, o vice afirmou que já sente o peso de sua posse como presidente da República.
“Eu ficaria felicíssimo se ao final de um eventual governo eu conseguisse colocar o país na rota do crescimento, conseguisse pacificar o país", afirmou ao jornal em tom de campanha. Mas, com o intuito de angariar apoio do PSDB, ele garantiu que não será candidato à reeleição em 2018.
Antes disso muita água deve rolar. De acordo com o analista político da Tendências, Rafael Cortez, existem fatores que podem complicar a transição para o novo governo. Veja quais são eles, segundo 3 consultorias:
O peso da primeira impressão
Na análise da consultoria Pulso Público, o eventual sucesso do governo vai depender da atuação de Temer logo nos dias que se seguirem a um possível afastamento da presidente do cargo.
Mesmo assim, para Marcelo Issa, sócio da consultoria, as movimentações e reajustes mais sensíveis devem ficar para depois.
“Para ganhar legitimidade com a população, é bem possível que ele só anuncie a redução de ministérios, sinalize medidas sociais e ações contra a corrupção”, diz Issa.
“O mercado está com uma ansiedade para que ele apresente medidas logo de cara”, diz. “É provável que ele anuncie um pacote de medidas, mas a concretização do que deve ser implementado só deve ser feita após a decisão definitiva do afastamento da presidente”.
A expectativa é de que o PMDB lance nas próximas semanas um documento com uma série de diretrizes na área social. Entre as propostas do plano “Travessia Social” está um reajuste do Bolsa Família e o relançamento de programas como Minha Casa, Minha Vida e Pronatec – projetos caros à administração petista.
A ansiedade para o sim
Para a consultoria Tendências, em um primeiro momento, tucanos e peemedebistas deveriam se unir para entregar algo diferente ao Brasil. “No entanto, é possível que eles disputem para ver quem vai liderar essa nova coalizão antipetismo”, avalia o analista político Rafael Cortez, da Tendências.
Na prática, o sucesso de um eventual governo Temer depende da união a médio ou longo prazo das duas legendas. “Só assim será possível destravar o processo político e a economia brasileira”, afirma o especialista.
Já para os analistas da consultoria Pulso Público, Marcelo Issa e Vitor Oliveira, a relação entre os blocos partidários depende de uma sinalização de recuo do PMDB. “A partir do momento que os peemedebistas afirmarem que não querem competir, o PSDB deve apoiar de fato”.
De acordo com a Pulso Público, o PMDB estaria receoso em convidar um tucano para chefiar um cargo forte no eventual governo e, posteriormente, travar uma disputa eleitoral.
A definição de uma nova equipe
Para garantir sua governabilidade, Temer precisaria promover uma reforma que equilibrasse todos os blocos partidários que apoiaram o impeachment, segundo análise da Prospectiva.
De acordo com o coordenador do núcleo de análise política da Prospectiva, Thiago Vidal, o plano deve tornar a composição ministerial mais heterogênea do que a atual.
Isso significa que outros partidos que não tinham espaço na administração direta do governo teriam a chance de ocupar um lugar considerável.
Neste sentido, o desafio de Temer seria conquistar os deputados que votaram a favor do impeachment. “O processo de impedimento foi aprovado por 367 parlamentares. Mas isso não quer dizer que os 367 são condicionais ao Michel Temer”, diz Vidal.
O especialista descreve que essa estrutura heterogênea pode trazer mais aliados ao peemedebista. “Ele vai ter que assegurar apoio tanto dos que foram favoráveis ao impeachment quanto dos que não foram”, diz.
A necessidade de colocar as finanças em ordem
Em um cenário em que a presidente seja declarada culpada e, consequentemente, deposta permanentemente do cargo, a reorganização da agenda econômica do Brasil deverá ser o foco da gestão Temer.
Contudo, os analistas da Prospectiva avaliam que o vice teria pouco tempo para demonstrar resultados sólidos.
“O fortalecimento do ajuste fiscal via enxugamento da máquina pública deverá ser apresentado logo no início do mandato para a retomada da economia”, diz um relatório da consultoria obtido em primeira mão por EXAME.com.
Para conseguir esse efeito, o peemedebista precisará fundir cargos, fazer a Reforma da Previdência e estabelecer um limite para as despesas. Segundo a Prospectiva, o principal desafio do vice seria garantir o equilíbrio dos gastos do governo.
Ainda assim, a dificuldade está em aprofundar essas medidas já no curto prazo. Segundo o analista Thiago Vidal, a missão de Temer será escolher entre dois caminhos: aplicar medidas impopulares de uma vez só para retomar o crescimento da economia no curto prazo ou fazer isso gradualmente com a consciência de que a economia pode não crescer tão rápido.
Novos laços para além das fronteiras
“Um eventual governo Temer também deve retomar uma agenda de comércio exterior e política externa mais ativa”, descreve o relatório da Prospectiva.
A projeção é que ele direcione o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o Itamaraty para reforçar a relação com países desenvolvidos.
O relacionamento atual do Brasil é mais forte com países da América do Sul. “A presidente se aproximou muito de países como Bolívia, Venezuela e Argentina”, diz Thiago Vidal da Prospectiva. “O desafio agora é retomar o contato e fazer acordos com outros países”.
De acordo com o analista, a expectativa é que Temer revise, principalmente, os laços com os Estados Unidos. O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) está entre os principais cotados para assumir o ministério das Relações Exteriores.
O risco da abreviação do mandato
Não deve ser descartada a possível cassação da chapa Dilma-Temer. Mesmo que ocorra uma eventual posse do peemedebista, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) permanecerá analisando a denúncia contra a campanha eleitoral de 2014.
“Além disso, espera-se que a Câmara dos Deputados continue a receber novos pedidos de impeachment contra o vice-presidente”, afirma a Prospectiva.
Segue nos bastidores do TSE, a ideia de separar as ações que pedem a cassação do mandato da presidente Dilma e do vice Michel Temer. Em 13 de abril, o peemedebista entrou com um pedido no Tribunal para que o processo seja julgado separadamente.
De acordo com a defesa de Temer, ele não deveria receber a mesma sanção que Dilma, já que, segundo Temer, as acusações são de que somente ela e o PT teriam feito arrecadação ilícita de campanha.
Na mesma semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e vice-presidente do TSE, Gilmar Mendes, afirmou que é necessário aguardar a definição do processo de impeachment para analisar uma possível separação. Segundo o ministro, a ação pode ficar para o segundo semestre deste ano ou para 2017.