Edir Macedo durante a inauguração do Templo de Salomão, que custou R$ 680 milhões (Igreja Universal/Divulgação)
Talita Abrantes
Publicado em 10 de agosto de 2014 às 19h45.
São Paulo - Quem foi à inauguração do Templo de Salomão no final de julho não presenciou cenas de exorcismo – um tema caro à Igreja Universal do Reino de Deus em seus primeiros anos.
No lugar, os convidados (entre eles, a presidente Dilma Rousseff) assistiram a um desfile de rituais típicos da religião judaica, além, é claro, de uma amostra do império que o bispo Edir Macedo construiu.
A construção do templo de proporções hiperbólicas, cujo alvará é investigado pelo Ministério Público, seria parte da estratégia do bispo para garantir o futuro da denominação evangélica neopentecostal que fundou em 1977.
“Ele está procurando reconstruir todos os mitos fundantes da igreja”, afirma Edin Abumanssur, professor e líder do Grupo de Estudos do Protestantismo e Pentecostalismo (GEPP) da PUC-SP.
A mudança no discurso e na postura não seria gratuita. Em uma década, o número de brasileiros que professam a fé evangélica cresceu mais de 6%. Mas os novos crentes não foram parar na Universal. Ao contrário. Entre 2000 e 2010, o número de seguidores da fé de Edir Macedo só encolheu – cerca de 200 mil pessoas deixaram os bancos da igreja, segundo dados do último Censo.
O bispo Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, seria o principal concorrente. Com foco na cura divina e baseado em uma forte estrutura televisiva (estratégia semelhante à adotada pela Universal em seus primórdios), Santiago arrebanhou cerca de 300 mil novos fieis no mesmo período.
A evolução social da classe média também explicaria o fenômeno, segundo o professor. “À medida que o público tem uma ascensão social, a igreja tende a mudar também. Ela caminha para um discurso mais racional e menos dependente do milagre”, diz.
Não é de hoje, contudo, que a Universal se vale de elementos de outras religiões para construir sua doutrina. De acordo com o especialista, foi exatamente o sincretismo religioso (capacidade de absorver elementos de outras crenças) que garantiu o sucesso da igreja no Brasil.
Beirando os 70 anos, a meta de Macedo agora é perpetuar o universo que fundou. Ao que tudo indica, o plano de sucessão já está em curso. Segundo o especialista, o bispo assume “um papel mais simbólico, de líder supremo que não precisa mais arregaçar a manga e expulsar demônio”, diz. No ano passado, Macedo entrou para a lista de bilionários da Forbes.
EXAME.com: Por que a Universal está usando tantos elementos do judaísmo?
Edin Abumanssur: A Igreja Universal está passando por uma transição bastante profunda e o Templo de Salomão é o elemento mais evidente disso. A hipótese é que o bispo Edir Macedo esteja procurando reconstruir todos os mitos fundantes da igreja.
EXAME.com: O que explica a mudança de foco?
Edin Abumanssur: O público da Universal está mudando. Aquele público mais carente e dependente do milagre está indo para a Igreja Mundial do Poder de Deus. Para se diferenciar, o Edir Macedo tem que criar um discurso mais racional, menos milagroso.
Se o pastor depender sempre do milagre, a hora que o milagre não acontece, ele fica numa posição frágil. É diferente de um sacerdote. É outro tipo de relação.
EXAME.com: Como isso se relaciona com a estratégia de longo prazo da igreja?
Edin Abumanssur: Das neopentecostais, a Universal é a que tem as melhores condições para se perpetuar no tempo. Na Mundial do Poder de Deus, se o bispo Valdemiro Santiago morrer, acaba a igreja, por exemplo.
A Universal tem passado por uma burocratização muito grande. O bispo Edir Macedo não cuida mais da holding, são os outros que fazem a estrutura funcionar. Ele assume um papel mais simbólico, de líder supremo que não precisa mais arregaçar a manga e expulsar demônio.
EXAME.com: Qual o discurso pregado na Universal a respeito do dinheiro que permitiu a construção de um templo de R$ 680 milhões?
Edin Abumanssur: Há duas visões sobre dinheiro no meio evangélico. Para as igrejas tradicionais [como Igreja Luterana e Presbiteriana] e algumas pentecostais, o dinheiro é uma coisa que serve para pagar conta – aluguel do prédio, água, luz e impostos. E isso é tratado de uma forma transparente com a comunidade. Todo mundo sabe para onde foi cada centavo dos dízimos e ofertas.
Na Universal, dinheiro não é dinheiro. É o mediador espiritual do homem com Deus. Antes [no Velho Testamento], o sacrifício era feito com ovelha ou pomba. Eles acreditam que, hoje, o sacrifício é o seu dinheiro. O compromisso não é com a comunidade, é com Deus. O fiel nem quer saber o que o pastor vai fazer com o dinheiro.
EXAME.com: Por que igrejas como a Universal encontraram mais espaço no Brasil?
Edin Abumanssur: As igrejas do protestantismo vieram importadas dos Estados Unidos e da Europa com uma mentalidade diferente da brasileira e se recusaram a dialogar com essa visão. Já a Universal trabalha com uma cultura religiosa muito presente no meio do povo brasileiro, que vem de uma mistura de diferentes religiões.
EXAME.com: Copiar outras religiões não é novidade na história da Universal. Alguns especialistas até afirmam que esta seria a fórmula do sucesso da igreja. O senhor concorda?
Edin Abumanssur: O sincretismo já estava presente no imaginário e na cultura do brasileiro. O Edir Macedo teve sucesso ao fazer este apanhado das religiões orientais, com a teologia da prosperidade, do candomblé e do catolicismo popular.
Para a Universal, o mundo está dividido em duas facções – uma liderada por Deus e outra, pelo mal. A esperteza dele foi dar nome e cara para o diabo. Isso significa que você pode controlá-lo desde que mostre de que lado está na batalha espiritual.
EXAME.com: A televisão ajudou neste processo?
Edin Abumanssur: As igrejas neopentecostais não existiriam se não fosse o acesso à mídia. Eles não trabalham com um grupo de membros, com a ideia de vida comunitária – que é comum nas igrejas tradicionais. Eles trabalham com uma flutuação enorme de pessoas. Portanto, a mídia de massa é fundamental.