(Um Brasil/Divulgação)
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Publicado em 7 de abril de 2024 às 10h00.
Quase dez anos após a fase mais grave da crise econômica brasileira, alguns indicadores econômicos mostram uma recuperação mais consistente do emprego e uma redução da inflação, ao passo que os juros estão em queda e o saldo do crédito tem crescido no país. Até mesmo os danos da pandemia sobre o cenário macro ficam, cada vez mais, para trás. Ainda assim, a percepção acerca da melhoria na qualidade de vida — segundo pesquisas de satisfação e expectativas — aponta na direção contrária.
Segundo Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), os trabalhadores brasileiros sentem que houve poucas melhorias nas condições de vida e no acesso aos serviços de saúde, educação e lazer. “As pessoas também estão descontentes com o esforço que precisam fazer para receber um salário que consideram muito baixo. Mesmo trabalhando muito, elas sentem que isso não é suficiente para as necessidades básicas, como transporte, aluguel e alimentação. Esse sentimento de que o futuro não oferece uma perspectiva melhor está muito presente; elas constatam que não há avanços”, adverte a pesquisadora.
Para ela, outro fator ainda pesa na insatisfação. A organização econômica, da forma como está hoje — um rearranjo que fortalece o Estado e relega a iniciativa privada para segundo plano —, aponta uma crise de identidade do ponto de vista da legitimação política. “A insatisfação com a entrega é muito grande na população, pois essa organização, como é feita, não a favorece. É por causa dessa crise que vemos fenômenos de radicalização e ascensão de lideranças extremistas à direita”, sintetiza.
Autora do livro Menos Marx, mais Mises: o liberalismo e a nova direita no Brasil (Todavia, 2021), Camila conversa com a jornalista Thais Herédia para o Canal UM BRASIL — uma realização da FecomercioSP —, a respeito da disseminação dos valores tidos como de direita na classe trabalhadora e as faixas mais pobres, sobretudo após um ciclo de empobrecimento agudo e de “explosão” no custo de vida ao longo da década passada. “A nova direita, no Brasil, se popularizou. Isso tem se cristalizado como uma identidade”, acrescenta.
Na sua análise a respeito da transformação no sentimento de pertencimento político da sociedade brasileira, a pesquisadora enfatiza que o campo que se considera liberal está, também, mais delineado. Com isso, essa parte da população já compreende — e, até mesmo, defende — qual deve ser o espaço do Estado na economia e até onde deve ter alcance.
“As pessoas, hoje, se apresentam como liberais. Isso não existia antes. Há esse campo político em que se afirmam por mais liberdade econômica e menos impostos. Isso se consolidou, considerando as classes populares”, reforça. “Eles querem que o Estado atue em temas essenciais, mas acreditam que algumas empresas estatais podem ficar de fora do cardápio e serem desestatizadas. Ainda tendem a ser mais vocais contra o aumento de impostos, como ocorreu com a taxação sobre compras no e-commerce do exterior; e, por fim, até mesmo os trabalhadores estão contra a ‘celetização’ de alguns setores, como o de aplicativos, preferindo continuar no modelo implementado pelo setor privado”, conclui.