X no Brasil: entenda os processos legais sobre o uso da rede social (Dan Kitwood/Getty Images)
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 4 de setembro de 2024 às 19h25.
Última atualização em 4 de setembro de 2024 às 19h31.
Há decisões judiciais tão fora do comum que a primeira pergunta após sua divulgação é se são mesmo para valer.
Na última segunda-feira, 2, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do ministro Alexandre de Moraes que suspendeu a plataforma X, antigo Twitter, em todo o território nacional e confirmou a multa diária de R$ 50 mil para pessoas e empresas que tentarem fraudar a decisão judicial, utilizando subterfúgios tecnológicos (como o uso de VPN, entre outros) para continuar a usar e se comunicar pelo X.
Como e de que forma se dariam essas multas, ninguém sabe ao certo. Uma reportagem da EXAME mostrou que há 75 milhões de brasileiros que utilizam VPN, sobretudo em equipamentos corporativos. É uma enorme parcela da população que estaria sujeita a um monitoramento do estado.
Em seu voto, o ministro Luiz Fux detalhou que a decisão não deve atingir pessoas ou empresas indiscriminadamente e sem participação no processo, a não ser aquelas que utilizarem a plataforma para fraudar a decisão com manifestações de racismo, fascismo, nazismo, que obstruam investigações criminais ou incitem crimes em geral.
Apesar da votação, a Corte não detalhou como será o processo de autuação, em qual prazo deve ser realizado o pagamento e se é possível contestar.
“Pelo caráter inédito da decisão, ainda há muitos vácuos da concretização a serem saneados”, diz Antonio Carlos de Freitas Jr., doutor e mestre em Direito Constitucional pela USP. “O próprio ministro Fux, em seu voto, ressalvou que pessoas que não sejam partes no processo não poderiam ser punidas, e se fossem, teria que se ver o teor da mensagem, o que gera dúvidas e transborda a literalidade da decisão”, acrescenta.
Freitas Jr. explica ainda que a multa deverá ser aplicada pelo próprio STF, mas não está claro como será realizado o monitoramento para encontrar pessoas ou empresas que descumpram a determinação.
“A decisão não determinou nem instituiu o monitoramento, e essa violação de dados de maneira indiscriminada e geral violaria direitos individuais constitucionais e contratuais de intimidade e confidencialidade, além da própria LGPD. Na verdade, o que pode haver é algum tipo de denúncia ou comprovação do uso para provocar a aplicação da penalidade”, diz o jurista.
O doutor pela USP afirma que, apesar da determinação da punição, motivos jurídicos, como a necessidade de utilizar a rede social para manter o emprego ou socorrer uma pessoa doente, por exemplo, podem afastar a aplicação da autuação.
“O que há de se notar é que, a rigor, a aplicação da sanção, como qualquer ato jurisdicional, precisa observar o direito ao contraditório e à ampla defesa. Embora não se saiba muito bem, ainda, a parte procedimental, parece-me que, quando da aplicação da penalidade, haverá prazo para manifestação e esclarecimento sobre a conduta constatada e objeto de sanção”, afirma.
O constitucionalista alerta ainda que o não pagamento da multa pode gerar a inscrição da dívida ativa, com nova oportunidade para questionar, inclusive, a legalidade e a constitucionalidade da aplicação.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com um pedido questionando a constitucionalidade da punição de R$ 50 mil. Na ação, que será julgada pelo plenário do STF, a OAB afirma que a sanção é a criação de uma proibição de conduta pelo Poder Judiciário. A ordem ressalta que a punição por um ato ilícito deve ser definida por lei pelo Poder Legislativo.
Freitas Jr. avalia que a decisão é estranha do ponto de vista técnico-jurídico, por penalizar pessoas que não fazem parte do processo, e é de dificílima fiscalização, ao exigir a verificação do uso de VPN por privados. No limite, o constitucionalista acredita que a medida pode não ser cumprida como esperado.
“A decisão gera a desafiadora situação de uma ordem judicial que pode não ser cumprida com o rigor pretendido. Uma situação nova que exige o enfrentamento da comunidade jurídica e da sociedade sobre como vamos, de fato, regular o mundo das redes sociais, não somente no âmbito das eleições ou do consumo, mas em todas as esferas”, conclui.
VPN (Virtual Private Network) é um serviço que protege a conexão com a internet e a privacidade online dos usuários. Ao criar um túnel criptografado para os dados, as VPNs ocultam o endereço de IP do usuário, protegem a identidade online e permitem o uso seguro de redes de Wi-Fi públicas. Essas ferramentas são amplamente utilizadas para acessar sites, plataformas de redes sociais ou aplicativos bloqueados, mesmo em locais onde há restrições governamentais.