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Desafio de dar auxílio rápido na crise revela: Brasil não conhece o Brasil

Mobilização para identificar trabalhadores informais que não estão na base de dados do governo traz dados e lições valiosas para o futuro

Rua vazia: além dessa operação ser complexa por natureza, o Brasil enfrenta um agravante: o caos em sua base de dados públicos (Rahel Patrasso/Reuters)

Rua vazia: além dessa operação ser complexa por natureza, o Brasil enfrenta um agravante: o caos em sua base de dados públicos (Rahel Patrasso/Reuters)

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Clara Cerioni

Publicado em 21 de abril de 2020 às 08h45.

Última atualização em 21 de abril de 2020 às 16h26.

Há pouco mais de dez dias, o Brasil leva a cabo uma verdadeira operação de guerra para fazer com que o auxílio emergencial de 600 reais chegue aos trabalhadores mais prejudicados pela pandemia do novo coronavírus.

São diários, no entanto, relatos de pessoas dormindo em filas para atualizar dados cadastrais ou de trabalhadores que passam horas na Receita Federal para regularizar o CPF.

De fato, não é simples colocar para funcionar um sistema de transferência de renda tão complexo, que custará aos cofres públicos 98 bilhões de reais em três meses. Ao redor do mundo, cerca de 80 países também têm desenhado políticas públicas de assistência social em meio à emergência de saúde pública, segundo informações do líder global de assistência social do Banco Mundial, Ugo Gentilini.

Mas, além dessa operação ser complexa por natureza, o Brasil enfrenta um agravante: o caos em sua base de dados públicos que registra a composição familiar nos lares brasileiros, informação essencial para que o governo avalie a necessidade de receber o auxílio emergencial.

"Nós temos muitos registros administrativos, como e-social, Dataprev e DataSUS, mas só dois pegam composição familiar, o Cadastro Único e a Receita Federal. Todo o resto é registro de pessoas, o que não serve muito para essa política de transferência de renda", diz Luís Henrique Paiva, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Atualmente, o CadÚnico contém cerca de 73 milhões de brasileiros, o equivalente a 27 milhões de famílias, que estão nas classes mais vulneráveis. Esse banco de dados é usado em mais de 30 políticas de assistência social, a principal delas o Bolsa Família. Já a Receita Federal compreende o topo da pirâmide econômica, mas os dados são protegidos por sigilo e inacessíveis.

Apesar de robustos, esses cadastros não compreendem a massa de brasileiros que não recebem nem assistência social, nem ganham o suficiente para declarar Imposto de Renda. De acordo com dados do Ministério da Cidadania, cerca de 25 milhões de brasileiros não têm registro em nenhuma base de dados do governo ou não tem formalização da atividade. "Como essas pessoas serão atingidas?", questionou o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, no início do mês.

Em 7 de abril, a Caixa começou a pagar o benefício exatamente para os elegíveis pelo CadÚnico. Esses não precisaram nem se cadastrar no aplicativo disponibilizado pelo governo e o dinheiro tem sido depositado automaticamente. Segundo a Caixa, 21 milhões de famílias se encaixaram nos pré-requisitos do programa.

Já os que precisaram se cadastrar no aplicativo só começaram a receber neste último fim de semana. Informações do Dataprev, órgão que está processando os pedidos, mostram que 42,2 milhões de pessoas já se cadastram. Deste total, 24,2 milhões já receberam o dinheiro. 

Além da criação do aplicativo e do processamento dos dados, a Caixa também deve criar 30 milhões de poupanças sociais digitais para pagar o auxílio emergencial. Para muitos brasileiros, essa será a primeira vez na vida que terão conta em banco.

Atacando problemas para o futuro

Quando a pandemia da covid-19 passar, essa infinidade de dados que está sendo coletada por meio do aplicativo provavelmente terá que ser minuciosamente reavaliada para identificar possíveis falhas. Os registros, inclusive, podem ser transferidos para uma base de dados do governo de informais, que respeite as regras de privacidade.

Para o futuro, contudo, essa operação de guerra deixará lições importantes. "Estamos atacando três graves problemas do Brasil ao mesmo tempo: as falhas nas bases de dados, o problema de inclusão bancária e a falta de experiência para abrir rapidamente a rede de proteção social", diz Marcelo Medeiros, um dos maiores especialistas do país em desigualdade, hoje professor convidado na Universidade de Princeton.

O especialista prevê que essa capacidade do Estado em ampliar a proteção social com rapidez vai ficar cada vez mais urgente. "Assim como essa pandemia, as crises de natureza climática que vão acontecer mais e mais vezes vão depender muito de ação coletiva e isso depende do auxílio do Estado aos mais vulneráveis".

Ele sugere até a criação de um fundo para emergências para que nas próximas crises o governo não precise aumentar a dívida pública para bancar um programa emergencial.

Luís Henrique, do IPEA, também enxerga uma participação cada vez maior do estado na proteção social para momentos de crise, mas cita um empecilho significativo: a capacidade e o incentivo para a população atualizar os dados cadastrais de composição familiar com frequência. Para ele, isso só é possível quando está vinculado a uma política de transferência de renda permanente.

"Para cobrir esse meio, que não é do CadÚnico nem da Receita Federal, tem que ser um esquema muito simplificado de informações, mas tem que ter uma certa política por trás, que tenha um peso significativo no orçamento da União e as pessoas se esforcem para manter a informação atualizada", diz.

Se o Brasil conseguir manter essas três bases de dados atualizadas e, ainda por cima, conseguir desenvolver uma identidade digital universal para agilizar processos de cadastramento, como tem a Índia, pode ser que a reação às emergências do futuro seja mais eficiente.

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