Mônica: "Acho legítimo que as pessoas sintam medo, mas a minha mensagem é de esperança, para dizer que o medo é legítimo, mas temos que seguir com medo mesmo" (Ricardo Moraes/Reuters)
Agência Brasil
Publicado em 14 de junho de 2018 às 08h31.
Última atualização em 14 de junho de 2018 às 08h36.
Após 14 anos de relacionamento com a primeira namorada, Mônica Benício entrou pela primeira vez de luto no Mês do Orgulho LGBT, que é comemorado em junho. Mas a tristeza pelo assassinato de Marielle Franco tomou forma de luta quando a viúva abriu a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo com um discurso de resistência e aproveitou o Dia dos Namorados para defender que demonstrar afeto em público é reafirmar a legitimidade do amor LGBT. Lésbica, nascida na Maré e militante dos direitos humanos, Mônica chega aos 90 dias da execução da companheira com a certeza de que é preciso seguir na busca por direitos.
"Acho legítimo que as pessoas sintam medo, mas a minha mensagem é de esperança, para dizer que o medo é legítimo, mas temos que seguir com medo mesmo, senão eles vão continuar nos matando e nos colocando nesse lugar subalterno e às margens das decisões sociais. Isso a gente não pode mais admitir", disse Mônica, em entrevista à Agência Brasil.
A luta de Mônica tem pela frente um cenário difícil. A arquiteta avalia que o país vive um momento em que o conservadorismo "avança a passos largos" e a sociedade "flerta com o fascismo". "É um momento de muito retrocesso e de um Estado muito reacionário, mas eu não tenho mais motivo para ter medo de nada. Me coloco na luta de um outro lugar, porque não tenho mais nada a perder".
O apoio das pessoas e principalmente de outras mulheres LGBT tem ajudado Mônica a reagir à perda da companheira. Ela conta que outros casais a procuram para narrar suas histórias e dizer que se identificam com suas palavras. Participar da Parada LGBT de São Paulo e receber o carinho dos manifestantes, relata ela, foi um momento de forte emoção.
"Isso tem me ajudado a ficar de pé nesse momento. Ainda acho que as pessoas boas e dispostas a lutar por uma sociedade mais justa e igualitária são, sim, a maioria".
Como muitos casais LGBT, Mônica e Marielle enfrentaram resistência dentro e fora de casa e demonstrar afeto lésbico publicamente no Complexo da Maré era uma grande dificuldade, lembra Mônica. Agressões verbais eram frequentes.
"Quando você não é o estereótipo do que eles entendem como a figura da 'sapatão caminhoneira', para ficar claro, você sofre uma certa repressão e até ameaça de estupro corretivo, porque se entende que se a gente parece mulher, entre aspas, a gente só está com outra mulher porque não encontrou o homem correto. Pensamento que é fruto dessa sociedade machista que a gente vive".
O apoio do pai de Marielle, porém, era constante. Aposentado, Antônio Francisco Silva frequentava a casa de Marielle e Mônica e defende que o amor delas duas têm a mesma legitimidade que o de qualquer casal.
"Se a minha filha lutava por essas causas, não seria eu, o pai dela, que seria contrário a essa relação. Tanto a dela com a Mônica quanto a de outros casais no Brasil. O que é feito com amor não pode ter obstáculo".
Se os LGBTs enfrentam discriminação fora de casa, Antônio acredita que o lar deve ser o local em que eles são acolhidos e se fortalecem, e pede aos pais de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais que apoiem seus filhos. "Se você não tiver apoio dentro de casa fica muito difícil. Com esse apoio, a nível de sociedade vai ser mais fácil encarar, participar e agir dessa maneira".