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Educação não pode parar em tempos de crise, diz Mercadante

"Essa não é uma crise qualquer, nem política nem econômica, mas a própria solução da crise exige mais educação", disse o ministro


	Ministro Aloizio Mercadante: "Essa não é uma crise qualquer, nem política nem econômica, mas a própria solução da crise exige mais educação"
 (Ueslei Marcelino/Reuters)

Ministro Aloizio Mercadante: "Essa não é uma crise qualquer, nem política nem econômica, mas a própria solução da crise exige mais educação" (Ueslei Marcelino/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2016 às 18h27.

"A educação não pode parar em tempos de crise", disse o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, em entrevista exclusiva concedida à Agência Brasil em seu gabinete na tarde de ontem (6).

Minutos antes, o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator da Comissão Especial do Impeachment, havia anunciado na Câmara dos Deputados parecer favorável ao seguimento do processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff.

"Essa não é uma crise qualquer, nem política nem econômica, mas a própria solução da crise exige mais educação", disse o ministro antes mesmo da primeira pergunta.

Desde meados do mês passado, Mercadante faz ao menos uma coletiva com a imprensa por semana. Anuncia dados educacionais e, logo em seguida, apresenta medidas da pasta para buscar solucionar o problema.

"Nós temos que fazer mais com menos", destacou Mercadante. A frase vem sendo repetida desde a sua posse como ministro, em outubro do ano passado.

Ele cita os últimos anúncios, entre eles, a Hora do Enem, o esforço conjunto de programas para a alfabetização e a abertura de vagas para a formação de professores.

"Qual é a maior dificuldade que nós temos? Por exemplo, vamos lançar a pré-matrícula do Pronatec [Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego], no dia 15 de abril. As pessoas precisam saber, não é possível ter um bloqueio nos meios de comunicação em relação a informações que são de interesse público, de Estado", reclamou o ministro sobre a falta de espaço nos veículos de imprensa que, nos últimos dias, apenas noticiam a crise política.

À Agência Brasil, Mercadante destacou os principais programas da pasta e o impacto das dificuldades políticas e econômicas na educação.  

O ministro destacou o legado do PT para a educação citando a inclusão e os diversos programas lançados nos últimos 13 anos. Ele defendeu que o Congresso precisa discutir e estar atento a novas fontes de verba para a educação.

"Ou o Congresso se debruça sobre o financiamento da educação ou não adianta dizer para repassar o recurso que nós não temos."

O ministro falou também sobre a necessidade de uma lei que regule as greves de professores. "É um direito, mas não podemos ter greves prolongadas que prejudiquem o processo de aprendizagem", disse.  

Mercadante defendeu ainda mais investimento para a educação básica e sugeriu a criação de um fundo de contribuição de ex-alunos de universidades públicas.

"O aluno sai, se depois teve êxito, se é de uma família que tem posses, por que ele não pode contribuir para a universidade que ele estudou de graça?".

Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

O Ministério da Educação tem tirado as ideias do papel?

Aloizio Mercadante: Em um quadro de restrições orçamentárias severas, é evidente que vamos ter que reduzir a expansão do sistema. Temos que consolidar e fazer bem o que fazemos.

E temos que buscar soluções criativas. O MEC faz, está fazendo, está apresentando políticas consistentes, bem desenhadas.

Se os tempos fossem fáceis, talvez nem precisássemos de tanta elaboração, mas como são tempos de restrição, temos que fazer mais com menos e é o que estamos fazendo.

A maior parte desses programas impacta a educação básica (do ensino infantil ao ensino médio). O senhor acha que essa etapa tem que ser prioridade?

Mercadante: A Hora do Enem é [voltada para] o finalzinho [do ensino médio], o Pronatec pega aquele que teve que sair da escola porque a vida impôs, então é a chance de ele voltar a estudar e se qualificar profissionalmente.

Eu acho que estamos pegando todas as etapas do processo, a educação infantil, o ensino médio, a universidade, com algumas inovações importantes.

Agora, nós temos 7,8 milhões de estudantes na educação superior, 1,8 milhão na rede pública. Nós temos 40 milhões de estudantes na educação básica.

Se a gente não avançar na educação básica, nós não melhoraremos a qualidade da educação no futuro. Se essas crianças não aprenderem a ler e a escrever, elas vão abandonar a escola em algum momento.

Se a gente der motivação para esses estudantes que vão fazer o Enem, especialmente aqueles que não têm um cursinho ou um professor particular, e eles derem um salto de qualidade, nós vamos melhorar a qualidade no ensino superior.

E isso é um círculo virtuoso, são melhores profissionais que depois vão ser melhores professores e tudo isso significa aumentar a produtividade, aumentar a eficiência do país.

Mesmo na crise, o MEC terá que tomar decisões importantes quanto ao financiamento, para cumprir o que está na lei, no Plano Nacional da Educação. Ainda este ano  terá que definir o CAQ [Custo Aluno Qualidade], para financiar a educação básica, e o Sistema Nacional de Educação (SNE), que vai nortear a colaboração na educação entre União, estados e municípios. Como o MEC está lidando com isso?

Mercadante: Para o SNE, nós já temos uma proposta. O Fórum [Fórum Nacional de Educação] discutiu na semana passada.

Estamos aguardando que eles formalizem a proposta deles para a gente fazer os nossos ajustes. Eu acho que até o começo de maio temos uma proposta para encaminhar.

Mas queremos dialogar ainda, especialmente com aqueles que fazem a educação, com os movimentos que estão engajados nesse tema. Acho que estamos muito próximos de uma convergência. Em relação ao CAQ e ao CAQi [Custo Aluno Qualidade inicial], a situação orçamentária prejudica muito a implementação.

Estamos tendo contingenciamento do orçamento. Sempre disse isso, preguei no deserto, mas apesar de a gente ter avançado muito na vinculação dos royalties [do petróleo] para a educação, que foi uma grande conquista, a queda do preço do petróleo de US$ 120 para US$ 30 comprometeu muito a receita que nós esperávamos.

E a recessão e a queda da receita está prejudicando o nosso orçamento. O Congresso Nacional tem que se debruçar sobre todo o desenvolvimento do Brasil.

Nós não podemos continuar vivendo só de pauta bomba, interdição das políticas públicas e ficar só nessa agenda de questionamento do resultado da eleição e da democracia brasileira.

Essa agenda é golpista. Precisa ajudar no financiamento da educação. Essa agenda é importante. Agora, o que nós não podemos fazer é perder a visão estratégica do CAQ e CAQi.

Por isso, criamos um grupo de trabalho com as entidades mais engajadas, principalmente do FNE, para a gente construir uma estratégia realista, mas que preserve a essência do conceito que é muito generoso em relação a uma educação universal e de qualidade.

Nós podemos, talvez, não conseguir implantar na velocidade que a gente imaginava, mas não podemos perder a perspectiva estratégica do projeto.

Há correntes que dizem que o Brasil tem recursos, mas que é necessário gestão. Um projeto inovador no currículo conseguiria manter uma escola que demandasse até menos recursos. O senhor acha que a Base Nacional Comum Curricular [BNCC] abre espaço para chegarmos a um modelo inovador?

Mercadante: Se pegarmos os dados da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], vemos que isso não procede.

Nós estamos entre os países que mais avançaram e melhor se posicionaram em relação ao investimento do PIB [Produto Interno Bruto].

No entanto, quando olha o PIB per capita da educação, nosso investimento é, em média, um terço do que são os dos países da OCDE.

Quando eu falo no salário do professor, nas condições de infraestrutura, do que eu devolvo para o aluno no Brasil, isso, em média, é um terço do que eles investem.

Temos que ser inovadores e criativos não porque nós temos recursos, mas porque não temos recursos e precisamos ser competitivos. O raciocínio é inverso. 

A Base Comum Curricular vai abrir espaço para inovação e criatividade na rede. Nós vamos definir o mínimo essencial, que é o direito de aprendizagem para todos, e vamos ter um currículo mais flexível, menos enciclopédico, menos amarrado, menos engessado para se construir experiências inovadoras, que dialoguem mais com os estudantes. Para que os estudantes sejam mais motivados a irem para a escola.

O senhor acha que cabe ao Congresso buscar novas fontes de financiamento?

Mercadante: Acho indispensável que o Congresso se debruce sobre o investimento em educação, ele não pode aprovar o PNE por unanimidade, que são 20 metas, só que 19 metas dependem da meta 20 [que trata do financiamento], que não está resolvida. Eles têm que dizer o financiamento.

Muito por causa da falta de recursos, estamos vendo agora greve de professores em vários locais por falta de pagamento do piso salarial e por melhorias na carreira.

Mercadante: Greve temos tido e acho que temos um problema. Precisamos de uma lei de greve que regulamente isso. É um direito, mas não podemos ter greves prolongadas que prejudiquem o processo de aprendizagem.

Nós precisamos, já tinha dito isso desde a minha posse, construir uma solução, em diálogo com os professores. O piso é muito importante.

Se é verdade que o piso salarial cresceu 47% acima da inflação em seis anos, muito além do que a receita dos municípios e dos estados, é verdade também que partiu de um patamar muito baixo.

Quando olhamos os dados no ensino médio, só 2% dos concluintes querem ser professores porque o salário não é compatível com as outras oportunidades do mercado de trabalho.

Se a gente não fizer o esforço de melhorar o salário e a carreira do professor não teremos bons professores em sala de aula e o desenvolvimento do Brasil não se resolve sem isso.

Acho que esse é um problema, tem que dialogar sobre direito de greve e tem que continuar valorizando a carreira e o salário.

O que o senhor acha sobre a transferência da gestão de escolas públicas, por exemplo, a organizações sociais?

Mercadante: É possível ter bons modelos de gestão dentro de uma visão escola pública. O modelo de voucher [que permite que dinheiro público seja usado para pagamento de matrículas em escolas particulares] que, no fundo, é o que está por trás, começou lá no final dos anos 50, 60, nos Estados Unidos. Só 3% da rede americana foi nessa direção.

Não há nenhum estudo acadêmico que diga que isso melhorou a educação. A educação é universal. Nos países que têm os melhores sistemas de educação, a escola é pública.

Toda a rede tem que ter qualidade, precisamos inovar, melhorar a gestão, por isso a formação de professores, por isso esses novos instrumentos, mas eu não acho que privatizar a gestão vá resolver o problema da qualidade da educação.

Dentro do Sistema Nacional de Educação estão sendo discutidos mais repasses da União para estados e municípios?

Mercadante: Tem que discutir. Só que é o seguinte, nós só podemos repassar a receita que tivermos. Ou o Congresso se debruça sobre o financiamento da educação ou não adianta dizer para repassar o recurso que nós não temos. Todo o recurso que temos é repassado. Não fica nada no MEC. 

Temos um gasto com a rede própria, que é basicamente a rede universitária - historicamente, o peso do ensino superior na nossa matriz de repasse de recursos vem diminuindo - e temos o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], o PAR [Plano de Ações Articuladas] e outros programas, tudo que é pactuado é repassado para estados e municípios.

Em relação às universidades, o senhor acha que temos que diminuir ainda mais o que é repassado, buscar outras soluções de financiamento?

Mercadante: [Temos que] melhorar a gestão. Vamos ter que desacelerar a expansão, não vamos ter condições de manter o ritmo. Temos que consolidar e fazer bem feito o que nós fizemos e buscar outras fontes de financiamento e parceria para a universidade.

Estamos defendendo que as universidades criem um fundo de contribuição dos ex-alunos. O aluno sai, se depois teve êxito, se é de uma família que tem posses, por que ele não pode contribuir para a universidade que ele estudou de graça?

Em modelos internacionais, há universidades que se financiam principalmente com essa iniciativa, precisamos criar essa cultura. Esse fundo seria gerido pelos conselhos universitários, portanto só pode ser aplicado naquilo que a legislação estabelecer e é uma gestão pública desse recurso.

Eu sou totalmente favorável a essa recomendação do Congresso Nacional de que na pós-graduação lato sensu você cobre pelo curso.

Um profissional que já está formado e vai ter especialização, por que ele não paga, ajudando inclusive a financiar a bolsa de estudo daqueles que não podem ficar na universidade?

Agência Brasil: A União poderia, então, investir mais na educação básica?Mercadante: É o que nós temos feito. A cada ano estamos aumentando o investimento na educação básica, que são 40 milhões de estudantes e é o nosso maior desafio.

A educação técnica tem ganhado bastante ênfase do governo. Tem trazido resultados?

Mercadante: Nos países desenvolvidos, um a cada dois estudantes do ensino médio fazem educação técnica, junto com a escolarização formal do ensino médio.

No Brasil, um a cada dez. Por isso que a Base Curricular Comum tem que garantir a formação essencial que é direito de todos, mas também abrir trilhas que permitam avançar na educação técnica profissional.

Hoje, 20% dos estudantes de 18 a 24 anos vão para a universidade e 80% não vão, vão para o mercado do trabalho. O ensino secundário não pode formar só para a expectativa da universidade.

A nossa meta é, em 10 anos, chegar a 30%. Dou sempre o exemplo da World Skills. Nós ganhamos a olimpíada mundial da formação técnica profissional no ano passado, o que mostra um salto de qualidade extraordinário do Brasil. Mas não temos escala ainda [dessa formação].

Depois de mais de 13 anos no poder, o que o PT deixa para a educação?

Mercadante: Eu acho que a educação é uma marca que vai ficar como grande legado desse período. Acho que avançamos muito no acesso.

O Bolsa Família permitiu que os mais pobres deixassem os filhos na escola. A nossa jornada escolar, que começava aos 7 anos de idade, passou para os 6 e, neste ano, está indo para os 4 anos [Por lei, todas as crianças a partir dos 4 anos devem estar matriculadas na escola].

O Enem tornou-se uma porta republicana de acesso à educação superior que nunca houve no Brasil. Hoje, você faz um vestibular único, que é o Enem, um exame nacional e disputando mais de 680 mil vagas em qualquer curso, qualquer universidade, em qualquer lugar do Brasil.

Metade das vagas [nas instituições públicas] são para escola pública [de acordo com a Lei de Cotas]. Aumentamos 5 milhões de matrículas no ensino superior, interiorizamos a rede universitária.

Fizemos um programa como o Ciência sem Fronteiras que colocou 100 mil bolsistas no exterior, que é uma iniciativa inédita. O próprio PNE, que é belíssima política pública de Estado para os próximos dez anos.

Acho que demos um salto extraordinário na educação brasileira, partimos de um patamar de muito atraso e temos ainda muito trabalho pela frente.

O lema do governo, Brasil, Pátria Educadora, tem gerado polêmica pelos cortes no orçamento da Educação e troca de ministro.

Mercadante: Trocamos ministros, mas não mudamos as políticas. Há uma continuidade, há uma concepção de política pública para educação e a mudança de ministro não mudou essa política.

Eu acho que o Brasil, Pátria Educadora devia ser um lema de longo prazo no país. Não é uma coisa de um governo e não é uma coisa de uma única instância.

Eu acho que é o maior desafio que nós temos e o melhor caminho para o futuro para ter um país desenvolvido com mais tolerância, mais democracia e mais sustentabilidade social.

Nesta semana, em cerimônia no Palácio do Planalto, o senhor disse que o seu cargo está à disposição da presidenta. Há chances de sair da pasta?

Mercadante: Eu acho que a presidenta respondeu isso. Não só respondeu, como demonstrou publicamente a visão que ela tem da educação e a confiança que tem na gestão.

Mas como eu disse, meu cargo é um cargo de confiança estará sempre à disposição para aquilo que for melhor para o nosso projeto.

E quanto ao procedimento aberto na Comissão de Ética da Presidência da República, o senhor foi notificado? [O colegiado decidiu acatar uma denúncia do líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), após virem à tona notícias sobre acordo que o ministro teria tentado fazer para que o senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) não fizesse delação premiada]

Mercadante: Houve uma representação do PSDB na Comissão de Ética, mas ainda não fui notificado. De qualquer forma, estou a inteira disposição da comissão para esclarecer tudo. Solidariedade não é crime.

Na Câmara, o relator acaba de anunciar parecer favorável ao impeachment. Caso haja um impeachment, que impactos isso terá na educação?

Mercadante: Eu acho que a democracia vai derrotar o golpe. E acho que a educação está profundamente engajada na democracia e contra o golpe.

As universidades todas estão se manifestando, as entidades estudantis, de reitores, de trabalhadores em educação, em defesa da democracia e achando que não há crime de responsabilidade, não há base jurídica.

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