Polícia: uma pessoa foi morta por policial a cada dez horas entre janeiro e março de 2019 no estado de São Paulo (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 23 de maio de 2019 às 13h28.
Última atualização em 23 de maio de 2019 às 13h29.
São Paulo — O número de pessoas mortas por policiais em serviço no estado de São Paulo aumentou 15% nos primeiros três meses deste ano, quando houve 182 mortes, na comparação com o mesmo período do ano passado, que teve 158 mortes.
Se consideradas também as mortes por policiais fora de serviço, o aumento foi 8,5%, o que equivale a uma pessoa morta por policial a cada dez horas entre janeiro e março de 2019.
Os dados foram compilados pelo Instituto Sou da Paz com base em informações da Corregedoria das polícias.
"Destacamos com preocupação o mês de março, em que houve aumento de 46% da letalidade envolvendo policiais militares. Nesse último mês de abril, continua essa curva ascendente e preocupante", disse o ouvidor da polícia de São Paulo, Benedito Mariano, em audiência pública sobre violência policial no estado, feita hoje (22) pelo Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e pela Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo (OAB/SP) na capital paulista.
Mariano informou que, em abril de 2018, foram mortas 69 pessoas, 57 por policiais em serviço e 12 por policiais em folga. Em abril deste ano, foram 75 mortos, sendo 70 por policiais em serviço, o que representa um aumento de 18%, e mais 5 mortes por policiais de folga.
O Instituto Sou da Paz avaliou que a proporção entre civis mortos e policiais mortos em serviço segue elevada, bastante superior à considerada razoável por especialistas.
No primeiro trimestre deste ano, foram 46 civis mortos para cada policial morto, considerando mortes em serviço. No mesmo período do ano passado, foram 32 civis mortos para cada policial.
"Quando estamos em um contexto em que mais de 15 pessoas são mortas para cada policial morto, estamos em um cenário que talvez a força esteja sendo usada para outros fins que não a preservação da vida. O resultado do primeiro trimestre de 2019 preocupa muito, porque é três vezes o que [o padrão internacional do especialista] Chevigny diz que é razoável", disse Ana Carolina Pkny, do Instituto Sou da Paz.
Segundo Ana, no estado, a cada dez pessoas que foram mortas, duas delas foram por ação policial. Na capital, a cada três pessoas que foram mortas, uma foi morta por policial. "Consideramos esse índice bem preocupante. Não adianta comemorar a queda dos homicídios, comemorar a queda dos latrocínios, enquanto tem tanta gente morrendo vítima da polícia", disse.
Dados da ouvidoria mostram que 3% de todos os inquéritos policial-militar relacionados à morte em decorrência de intervenção policial são instaurados na Corregedoria da corporação. O restante (97%) é feito pelos batalhões de origem dos policiais envolvidos.
"Apesar de a Polícia Militar ter uma Corregedoria, tem quase mil policiais lá com expertise para ser polícia judiciária militar. O órgão de expertise da PM só instaura e investiga 3% de inquéritos policial-militar relacionados à morte de civis. Isso é uma vergonha, é um dado que precisa ser alterado, sem o qual não vamos diminuir a letalidade policial, as mortes em decorrência de intervenção policial", disse o ouvidor da polícia.
A Ouvidoria realizou pesquisa sobre as mortes em decorrência de intervenção policial em 2017, ano que apresentou uma curva ascendente na letalidade policial, com 940 pessoas mortas.
"A conclusão que chegamos depois de analisar 80% de todas as ocorrências de 2017 foi que houve excesso policial em 74% das mortes ocorridas em 2017", disse Mariano.
Desses 74%, o que chamou mais a atenção da ouvidoria foi que, em 26% dos casos (ou seja, mais de 200 mortes), havia fortes inícios de que as vítimas foram mortas sem confronto com agentes do estado, sem resistência nem ocorrência de troca de tiros. Segundo o ouvidor, as vítimas não estavam sequer com arma de fogo.
Após a pesquisa, a Ouvidoria enviou recomendações ao governo do estado com objetivo de diminuir a letalidade policial.
"A principal recomendação que fizemos em 2018, e retomamos com o atual governo as mesmas recomendações a partir de fevereiro deste ano, foi a centralização de todos os inquéritos policial-militar relacionados à morte de civis na Corregedoria, mas infelizmente o governo de São Paulo ainda não se manifestou". Para o ouvidor, essa é a melhor medida administrativa para diminuir a letalidade.
O presidente do Condepe, Dimitri Sales, disse que o órgão recebeu, desde janeiro, um elevado número de denúncias de violência policial, que vão desde o cerceamento de liberdade de manifestação até execução sumária.
Um dos casos de violência policial que o Condepe acompanha é a execução de Rafael Aparecido Almeida de Souza, de 23 anos, na noite do dia 4 de maio, no Jardim Nove de Julho, na zona leste da capital paulista.
Ele estava com seus primos e um tio, conversando na frente de sua casa, quando foi ver seu irmão que tinha sido abordado por policiais militares e acabou morto pelos agentes.
"Isso é a demonstração de uma polícia que atua a partir de elementos que são fora da lei, por exemplo, uma abordagem que não tem fundada suspeita, é uma abordagem a partir do recorte racial, da cor da pele do sujeito, e uma polícia que não está preparada para poder mediar eventuais conflitos", disse Sales.
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) e o governo do estado foram procurados pela Agência Brasil para posicionamento sobre as questões apresentadas na audiência pública. A SSP disse, em nota, que todas as ocorrências com morte decorrente de intervenção policial são rigorosamente investigadas.
"A Resolução SSP 40/2015 garante total eficácia nas investigações, com o comparecimento das corregedorias e dos comandantes da região, além de equipe específica do IML [Instituto Médico Legal] e IC [Instituto de Criminalística] e integrantes do MP [Ministério Público]", disse a secretaria.