Policial militar no Rio: associações dos profissionais concordam que é cedo para deixar a farda, mas fazem ressalvas (PMERJ/Divulgação)
Marília Almeida
Publicado em 2 de abril de 2017 às 17h42.
Última atualização em 3 de abril de 2017 às 09h37.
Entres as categorias de servidores estaduais com direito à aposentadoria especial, a que mais chama a atenção é a dos policiais militares, os PMs. Na média, 96% se aposentam antes de completar 50 anos, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Entre os policiais civis, essa parcela cai para 75%. É ainda menor entre professores: 64% do total deixam a sala de aula antes dessa idade. As entidades que representam os PMs concordam que é cedo para deixar a farda, mas explicam que para prolongarem o tempo de serviço é preciso reestruturar as carreiras na corporação.
Dois fatores básicos seriam responsáveis pela precocidade nas aposentadorias da PM, segundo os próprios integrantes. O primeiro é que a maioria trabalha nas ruas, no corpo a corpo diário com a violência, diz o cabo Wilson Morais, presidente da Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Pelas conta de Morais, quase 80% do efetivo está na linha de frente, sem alternativa de migrar para um escritório quando ficam mais velhos.
A segunda razão é que há várias regras limitando a permanência. Cada Estado tem uma regra para a aposentadoria na PM e ela costuma variar conforme a patente. Em São Paulo, soldados e cabos se aposentam com 30 anos de contribuição ou aos 52 anos. Se não, vem a aposentadoria “expulsória”. Devem sair, quer queiram ou não - e a maioria quer, mesmo “amando” a PM, diz Morais. “Imagine que a sua vida é ficar na viatura, na rua, atrás de marginal, dia e noite, faça calor, frio ou chova, vendo colegas morrendo e você, matando. Deu 30 anos, estão doidos para ir embora e, como a maioria entra cedo, isso pode acontecer antes dos 50.”
Várias outras regras levam à aposentadoria precoce. Morais se aposentou aos 44 anos porque se elegeu deputado - militar na ativa não pode ter cargo público. Mas ele se considera um privilegiado por outro aspecto. “Eu entrei na PM em 1975, numa turma de 44 colegas. Estou com 62 anos. Sabe quantos estão vivos? Sete, comigo.” Segundo Morais, muitos PMs morrem antes dos 50 anos, em serviço. Alguns vivem mal porque não aguentam a pressão. Começam a beber ou usar drogas ainda na ativa, perdem produtividade e pioram na aposentadoria. “O PM passa a vida na rua, pela corporação ou fazendo bico, porque ganha mal, e quando para não aguenta ficar em casa, acaba no bar e morre cedo”, diz.
Projeto. Para aliviar o déficit da Previdência de São Paulo, que já bateu em R$ 17 bilhões, segundo levantamento do Ipea, o governo do Estado tenta criar uma alternativa para prolongar a permanência dos PMs. Em fevereiro, o governador Geraldo Alckmin encaminhou à Assembleia Legislativa o projeto de lei que dá a opção de ficar na ativa até os 60 anos, mas em funções administrativas. “Como a ampliação do tempo pode garantir aposentadoria integral e a proposta é opcional e para cargo administrativo, a gente apoia - se fosse obrigatória ou para manter o cara na rua até 65 anos, o que seria desumano, iríamos contra”, diz Morais.
Em cargos superiores, as idades - e limitações - são outras. Sargentos e subtenentes trabalham até os 56 anos. Tenentes e coronéis, até os 60 anos. Com um detalhe no topo: a aposentadoria é obrigatória cinco anos após o PM ser promovido a coronel. São Paulo tem um bom exemplo. Em março, tomou posse como comandante da PM o coronel Nivaldo Restivo, de 52 anos de idade, mas 35 de serviços prestados em funções sofisticadas, como dirigente da Rota e do Gate. Como foi promovido a coronel em 2013, deve se aposentar no ano que vem.
“Não sei se a corporação vai gostar do que vou dizer, mas penso assim, a PM perde os seus talentos com as regras atuais. Oficias bem formados, que poderiam estar em funções de gestão, se aposentam cedo e vão atuar em empresas privadas”, diz capitão Marco Aurélio Ramos de Carvalho, vice-presidente da Associação dos Oficiais Militares de São Paulo.
Para ele, a PM foi “uma família”. “Tudo que tenho devo à corporação: entrei com uma mão na frente outra atrás, como dizem no interior.” Fez Educação Física e Direito. Cumpriu o tempo previsto e saiu. Prestou concurso e entrou no Ministério Público onde se aposentou. Ainda hoje, aos 70 anos, advoga. “Poderia estar contribuindo com a PM até agora.”
Carvalho se preparou para participar das negociações da reforma da Previdência e ficou surpreso quando os servidores estaduais foram excluídos. “Era melhor a gente negociar uma forma de a corporação aproveitar a experiência de quem está dentro e, ao mesmo tempo, resolver o problema da Previdência, porque não tem jeito: a gente vive mais e não há caixa que aguente isso.”
Na associação, há vários exemplos de longevidade. O presidente, coronel Jorge Gonçalves, fez 87 anos na sexta-feira. Dizem que é imbatível na sinuca. Todas as tardes, vários reservistas se reúnem para jogar dominó. O tenente Abel Barroso Sobrinho, de 85 anos, é presença cativa. Se aposentou aos 51 anos, com 30 de serviço. Está há 34 anos na reserva. Fez a segunda carreira na arbitragem de futebol - onde atua até hoje. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.