ESTHER SOLANO: para professora, propostas de médio prazo não solucionarão crise da democracia / Lu Sudré
Carolina Pulice
Publicado em 10 de agosto de 2018 às 19h02.
Última atualização em 13 de agosto de 2018 às 11h47.
A temporada de debates foi aberta na quinta-feira, e mostrou, mais uma vez, que essa pode ser uma das mais incertas eleições da história democrática do país. Com a amenização de discursos de candidatos considerados radicais, como Jair Bolsonaro (PSL), e a manutenção de discursos dos candidatos tradicionais, como Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT), a população brasileira segue no processo de escolha (ou não) de um candidato que represente suas ânsias políticas, ou a renovação do país. Para a professora doutora em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a crise política que o país enfrenta pode não ser solucionada pelos candidatos à presidência, porque nenhum deles propõe uma real mudança, de longo prazo.
Autora do artigo “Crise da Democracia e extremismos de direita”, a professora Esther Solano afirma que, embora as eleições sejam um bom momento para discutir os problemas do país, a crise que se discute precisará de mudanças mais profundas e de participação da população. Para ela, os candidatos estão se organizando para manter tudo como está.
A temporada de debates foi aberta ontem à noite. Qual sua opinião sobre os candidatos? Seus comportamentos eram previsíveis?
Antes de mais nada, é importante lembrar que com a ausência do candidato do PT, outros candidatos tiveram mais espaço. Outro aspecto importante foi ver como o Alckmin e o Bolsonaro se colocaram no debate. Alckmin tem um discurso técnico, mais econômico, e se mostrou calmo durante todo o debate. Além disso, ele se coloca como o candidato da gestão. Para um eleitor conservador mais indeciso, é um tipo de perfil que se saiu bem. Passa a imagem de seriedade, de meritocracia, da competência. Dentro do perfil de seu eleitor, ele foi bem.
O Bolsonaro, outro candidato conservador, mudou seu discurso para o debate. Quando tratou sobre as mulheres, tentou parecer mais ameno. Ele falou mais de economia, e claro, não foi muito atacado. O “não ataque” foi uma estratégia dos outros candidatos, porque sabem que o Bolsonaro se sai bem em “confrontos”. A estratégia de ambos tinha como objetivo captar os eleitores de centro-direita mais indecisos.
Nesse sentido, Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), que também podem captar esses eleitores, não se saíram tão bem?
O Alckmin tem preferência eleitoral, porque os partidos de centro-direita estão com ele. Ele tem a máquina eleitoral a seu favor. A Marina tem o problema da indefinição. Ela não se posiciona, e perde oportunidades sobre projetos. Ela é uma candidata que sempre começa bem nas pesquisas, mas vai perdendo o fôlego, porque tem uma indecisão ideológica. Não tem a definição muito clara. E o Ciro é um candidato que é tecnicamente bom, mas está ficando isolado. Sem o apoio do PT, é um candidato que tem a tendência ao isolamento.
Embora o candidato Jair Bolsonaro tenha esse discurso mais radical e pouco técnico (ele mesmo já afirmou não ter conhecimento sobre muitos assuntos políticos e econômicos), alguns eleitores indecisos tendem vão votar nele para presidente. Essa possível escolha acontece por conta da crise na democracia?
Existe um sentimento de mal-estar profundo da população com a situação política atual. E a presença do sentimento antipolítico, de rejeição aos políticos tradicionais abre espaço para discursos mais demagógicos, de mudanças radicais, e que passa por diferentes camadas da sociedade. Por isso que o Bolsonaro tem bons resultados em pesquisas. Porque ele representa rejeição ao sistema. Mas ele é apenas um personagem dessa crise, e pode não significar muita mudança.
Por quê?
Porque vemos que as forças políticas ainda têm muita força, e estão se reorganizando que tudo permaneça mais parecido do que seria. Com o início das propagandas eleitorais, por exemplo, o candidato Geraldo Alckmin vai ganhar mais visibilidade, e talvez conquiste esses eleitores indecisos. As alianças que ele fez com outros partidos também demonstram um aparato eleitoral muito potente, e por isso é difícil mudar esse sistema. Essa maqui é ainda muito poderosa.
E nesse sistema forte, como ficam os partidos de esquerda? O PT, por exemplo, que é o partido que pode ser considerado mais forte da esquerda, sequer participou do debate…
Essa escolha do PT de apostar na candidatura de Lula, e tratar sua prisão como uma prisão política é uma estratégia para se manter no foco das atenções, mas que não sabemos por quanto tempo se sustentará. Com os debates e as propagandas eleitorais, o PT vai continuar sem candidato, e vai perder visibilidade. E por outro lado, eu acho que uma boa parte da população não consegue entender a estratégia do partido. Quem é o vice? Será o Haddad ou a Manuela D’Ávila? Quando que o partido vai começar a discutir os problemas do país? Quando vai apresentar suas propostas? Então eu me pergunto até que ponto isso não pode ser negativo para o próprio partido.
De que maneira a ideia de um radicalismo é reforçado pela imprensa? Os ataques aos candidatos de direita só o ajudam a adquirir mais apoiadores?
A grande imprensa ainda se concentra na mão de poucas famílias, e por isso acaba priorizando candidatos com pautas mais liberais. Na pesquisa que eu realizei, os eleitores de Bolsonaro mostraram um bloqueio muito forte com a imprensa, alegando que ele sofre “ataques” da imprensa. Ao mesmo tempo, a esquerda alega que a imprensa está sempre ligada a pautas liberais, e por isso não dá espaço para candidatos de esquerda. De um lado e de outro, a grande imprensa sofre uma falta de legitimidade. Tanto que no programa da GloboNews, em que o candidato Bolsonaro foi entrevistado, os eleitores comemoraram mais o ataque à rede Globo do que suas respostas. Eles sentiram que o canal tinha sido “humilhado”. Até porque, para seus eleitores, pouco importa o discurso econômico. Esse é um assunto menor para seus eleitores, que querem ouvir propostas sobre segurança pública, sobre corrupção.
Na pesquisa, você afirma que Passamos da “democracia dos partidos” à “democracia das audiências”, com a substituição do espaço público de debate pelo protagonismo dos meios de comunicação de massa e com um eleitorado mais fluido, menos fidelizado, que se mobiliza muito mais por causas concretas do que por referências partidárias. O que isso significa em termos práticos?
Isso basicamente significa que os partidos políticos passam por um momento de descrédito, perdendo filiados, e perdendo a assimilação entre eles e candidatos. Há uma perda de conexão ideológica. A questão da substituição dos espaços públicos significa que os tradicionais meios de comunicação estão dividindo espaço com meios não convencionais. O problema dessa mudança é o fomento de posturas demagógicas, mais fáceis de serem compreendidas, mas que fazem da política um grande espetáculo. A imagem se torna algo importante, e o debate mais técnico perde espaço, o conteúdo político acaba sendo simplificado demais, e o discurso de xingamento ao “inimigo”, a ideia do mito acabam ganhando mais atenção. Isso é perigoso, porque acaba oferecendo posturas mais demagógicas, mais violentas. Que são uma ameaça à democracia. Até porque uma crise política não vai ser solucionada com propostas fáceis ou violentas.
Então o cenário é pessimista para essa eleição?
O que estamos vendo nessa eleição e nos resultados das pesquisas é um sintoma de mal-estar com o sistema político, que está falindo em muitos aspectos. A estrutura política atual faz com que a população se sinta marginalizada, abandonada, e busquem essa “renovação” do sistema. O que os candidatos antissistema, como o Bolsonaro, propõem, no entanto, não é uma mudança profunda nesse sistema. Os candidatos que estão aí participam dessa máquina partidária. É difícil esperar que quem pertence ao aparato político mude alguma coisa substancialmente. Podemos esperar mudanças de pequeno/médio prazo, mas mudanças mais abrangentes é complicado. Quem está dentro do sistema não muda o sistema. Até porque político recebe muitos privilégios e não querem abrir mão deles.
É difícil que o candidato eleito proponha uma mudança profunda, porque eles são produtos dessa velha estrutura. E por isso essa crise não vai ser solucionada com candidatos, mas sim com a mudança da cultura política do país. A mudança deve ser feita de cima para baixo, é claro, mas também de baixo para cima.
E uma liderança, ajudaria a mudar esse cenário?
Quando se tem uma crise econômica política, é natural que as pessoas tenham uma tendência de querer autoritarismo. Queremos a volta da ordem, que tenham um certo sentido. No momento em que as pessoas estão aflitas, não sabem o que está acontecendo, temos que entender essa “agonia”. Mas isso não significa que uma liderança seja a melhor forma de recuperar a importância política. Uma liderança não faz um país. Quem faz são os agentes diários, e por isso temos que politizar mais as nossas vidas.
No fundo a democracia é um pouco assim. Tem crises, conflitos, momentos problemáticos. E num momento de crise como o que vivemos é mais fácil pensar numa decisão autoritária. O caminho a longo prazo é apostar em apostar numa renovação. E isso que deve ser fácil. Soluções fáceis não levam a um bom lugar. Infelizmente é uma questão da ordem internacional. Não vai acabar de um dia para outro. Tem um fundo enraizado que tem a ver com a democracia e com a ordem econômica. Tem a ver com desemprego, crise vulnerabilidade social.
Então a eleição não terá tanto impacto na situação política do país?
O período eleitoral é importante porque conseguimos discutir muitas coisas com a população. Mas estamos falando de questões de longo prazo, e por isso temos que discutir além de outubro. O candidato vencedor vai ter problemas de governabilidade, porque vai encontrar um país dividido, fragmentado.
E agora?
A discussão deve ser feita no âmbito da política partidária, mas também em diferentes estamentos representativos, como escolas, grupos da sociedade civil.