Ditadura: durante os anos de chumbo, o país teve mais de 400 pessoas mortas ou desaparecidas, segundo a Comissão da Verdade (Paulo Pinto/Fotos Públicas)
Clara Cerioni
Publicado em 31 de março de 2019 às 08h00.
Última atualização em 3 de abril de 2019 às 09h28.
São Paulo — Durante as eleições presidenciais do ano passado no Brasil, uma frase do filósofo Edmund Burke (1729-1797) tomou conta das polarizadas discussões dos eleitores: “um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la”.
A mensagem, apesar de ter sido proferida no século XVIII, pode ser aplicada em diversos contextos nos dias de hoje. Neste domingo (31), por todo o país estão previstas celebrações sobre os 55 anos do início da Ditadura Militar, que durou 21 anos.
A ordem, dada pelo presidente Jair Bolsonaro aos quartéis generais na semana passada, foi considerada inconstitucional por inúmeras instituições, como o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil. Durante a semana, uma guerra judicial tomou conta dos festejos.
Segundo Bolsonaro, o Brasil não passou por uma ditadura. Em entrevista na semana passada, ele afirmou que o país enfrentou “probleminhas”. “Temos de reconhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum. Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter um problema, tá certo?”, afirmou.
De acordo com o relatório final da Comissão da Verdade, grupo que reuniu durante mais de dois anos as atrocidades cometidas durante o regime, o período repressivo deixou ao menos 190 mortos e mais de 200 desaparecidos. Apesar de o regime ter sido liderado pelo Exército brasileiro da época, a Ditadura perseguiu ao menos 6,5 mil militares.
Para compreender o que foi o período ditatorial no Brasil, EXAME reuniu uma lista de livros que abordam o tema. Confira:
1. Coleção Elio Gaspari (A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada, A Ditadura Acabada)
Recheados de detalhes sobre o período da Ditadura Militar no Brasil, os cinco livros do escritor e jornalista Elio Gaspari se debruçam sobre todas as fases dos "anos de chumbo", de 1964 a 1985.
A primeira obra, a Ditadura Envergonhada, começa com o intenso processo de deposição do presidente João Goulart. A narrativa começa em 1964 e vai até a edição do Ato Institucional nº 5, em 1968.
Já o segundo volume, A Ditadura Escancarada, compreende os anos mais violentos do regime, entre 1969 e 1973. A Ditadura Derrotada traça os antecedentes de dois importantes generais: Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva.
A Ditadura Encurralada, quarto livro, se aprofunda nos impasses da relação entre a Presidência e setores das Forças Armadas. Por fim, último volume da coletânea examina o final do governo Geisel, o movimento das Diretas Já, e a eleição de Tancredo Neves.
2. Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães
Biografia que inspirou o filme Marighella, dirigido pelo ator Wagner Moura, a obra levou nove anos para ser escrita. A narrativa percorre a vida, a produção e a militância do controverso mulato baiano que foi deputado federal, poeta e estrategista da guerrilha no Brasil.
A biografia de Carlos Marighella (1911-69) é também um livro sobre a história política entre as décadas de 1930 e 60. Ele foi vigiado pela CIA e monitorado pelo KGB, mas se manteve ativo ao longo de seus quase quarenta anos de militância. Suas obras viraram conhecidas mundialmente, principalmente o Minimanual do Guerrilheiro Urbano.
3. 1964: O Golpe que Derrubou um Presidente e Instituiu a Ditadura no Brasil, de Jorge Ferreira e Angela de Castro Gomes
Dois historiadores brasileiros renomados, apresentam nesta obra um panorama de como se instaurou a ditadura no país e suas consequências.
Apesar de ser um trabalho com viés acadêmico, o livro busca trazer uma linguagem objetiva para ser acessível ao grande público. Para isso, os autores destacam personagens e momentos que marcaram o período, relembrando falas de personalidades e trechos de jornais que noticiaram o Golpe de 1964.
4. Infância Roubada: crianças atingidas pela ditadura militar no Brasil, de Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”
Este livro, produzido pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, traz histórias privadas e álbuns das famílias afetadas pela ditadura militar, com foco nas crianças filhas de militantes perseguidos ou mortos.
O material tenta rememorar, a partir dos relatos das vítimas, como o Estado militar tratou os filhos de seus inimigos, por meio de narrativas inéditas. Há fotografias e relatos das vítimas do regime. A versão digital pode ser lida aqui.
5. Batismo de Sangue, de Frei Betto
Nesta obra que inspirou o filme homônimo, protagonizado por Caio Blat, Frei Betto relata suas descobertas sobre as circunstâncias da morte de Carlos Marighella, líder da Ação Libertadora Nacional (ALN) assassinado em 1969.
A tese que o autor defende é que o crime foi planejado de modo eliminar o maior inimigo do regime militar e também jogar a esquerda contra os frades dominicanos, fortes aliados dos militantes, enfraquecendo a oposição à ditadura.
6. Mulheres na Luta Armada: Protagonismo Feminino na Ação Libertadora Nacional, de Maria Cláudia Badan Ribeiro
Os anos da luta armada no Brasil não ganharam destaque na história da Ditadura Militar, ofuscada por recessão econômica e passeatas pela redemocratização.
Nesta obra, a autora busca as histórias das mulheres que lutaram contra a ditadura romperam com a sociedade e com suas famílias que as queriam casadas. As páginas expõem as vidas tão pouco contadas das mulheres brasileiras que pegaram em armas contra a ditadura.
7. Que mistério tem Clarice?, de Sérgio Abranches
O sociólogo Sérgio Abranches retrata em forma de romance a história de uma mulher que decide contar aos filhos uma parte de sua história nunca revelada: sua participação na luta armada.
Em uma mistura de prosa e poesia, o autor alia engenho e delicadeza, por meio da ficção, para abordar temas caros ao Brasil contemporâneo, como a culpa nos processos históricos, as faces movediças da verdade, o autoritarismo e a indiferença.
8. Amores exilados, de Godofredo de Oliveira Neto
Em outra obra de ficção, o escritor apresenta uma história de dois brasileiros de regiões diferentes, que foram forçados a deixar o país nos anos de chumbo do governo militar. Eles convivem com a francesa Muriel, ela própria espécie de autoexilada de seu passado em seu país.
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