Luiz Inacio Lula da Silva em cerimônia de posse como ministro da Casa Civil: pela primeira vez, ele senta no banco dos réus (Adriano Machado / Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 29 de julho de 2016 às 19h16.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 11h55.
São Paulo - Alvo de quatro linhas de investigação, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assume hoje, pela primeira vez, a condição de réu na Justiça sob a acusação de que teria atuado para obstruir o andamento da Operação Lava Jato.
Foram também acolhidas as denúncias contra o ex-senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS), seu ex-chefe de gabinete Diogo Ferreira, o banqueiro André Esteves, o advogado Édson Ribeiro, o pecuarista José Carlos Bumlai e o filho dele, Maurício Bumlai.
Com a decisão de hoje, Lula passa de investigado à condição de réu. Isso significa que, a partir de agora, ele irá responder a uma ação penal sobre o caso. Após o julgamento, o réu pode ser absolvido das acusações ou condenado a cumprir uma pena.
Lula é acusado de participar do esquema para comprar por R$ 250 mil o silêncio do ex-diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró no âmbito das investigações da Lava Jato. Além dele, o senador cassado Delcídio do Amaral e outras cinco pessoas teriam atuado na manobra.
Segundo o ex-senador, a tentativa de manter Cerveró calado sobre os desvios de recursos na Petrobras teria sido encabeçada pelo ex-presidente.
A pena para esses casos varia de 3 a 8 anos de prisão. O ex-presidente tem um prazo de 20 dias para se defender.
Entre o acolhimento de uma denúncia e a declaração da sentença judicial, há um longo processo que pode durar por um período que varia de um a dois anos.
Isso é: “Lula está mais perto da prisão do que estava ontem, mas não está na iminência. Ainda falta muita coisa”, como afirma Davi Tangerino, professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas. Ao final do processo, “ele pode inclusive ser absolvido”, lembra o especialista. Mesmo se for condenado, ainda cabem recursos.
No Congresso, a decisão da Justiça Federal fomentou as especulações de que uma eventual prisão de Lula estaria mais próxima do que nunca. Enquanto opositores do petista falavam com entusiasmo sobre a possibilidade, aliados do ex-presidente minimizaram o alarde na tarde de hoje.
À EXAME.com, o deputado federal André Moura (PSC-SE), líder do governo na Câmara, destacou que além de aumentar as chances de Lula ser preso, a decisão deve desestabilizar o PT como um todo.
“Se Lula for preso, um dos fatores que determinará a detenção será a sua inquietação com os avanços da Lava Jato. É evidente que a obstrução foi apenas um dos crimes que ele cometeu. Ele terá que pagar por todos os delitos”, diz Moura.
Para ele, a decisão da Justiça deixa Lula “ainda mais vulnerável” a uma eventual condenação. “Lula atrás das grades depende de dois fatores: tempo e boa vontade da justiça”.
O líder do governo na Casa reforçou que a “faxina” promovida pelas investigações dos contratos da Petrobras incomodam principalmente aos políticos petistas.
Por outro lado, o deputado José Guimarães (PT-CE), descartou que uma eventual prisão de Lula possa ser vislumbrada no horizonte e enalteceu a trajetória política do correligionário.
“O presidente Lula nunca se escondeu, nem temeu dar esclarecimentos à Justiça. É um absurdo ver o homem que deu autonomia aos órgãos de investigação se tornar réu”, explicou Guimarães.
Ele acrescentou que a liderança política do petista incomoda seus opositores, “que se preocupam com antecedência sobre o resultado das urnas em 2018”.
A decisão ocorre no último dia do recesso branco e deve repercutir como uma bomba no Congresso na próxima semana. Mas será que a nova condição de Lula pode diminuir mais as chances de a presidente afastada Dilma Rousseff (PT) se livrar do processo de impeachment no final de agosto?
Para Ricardo Ribeiro, da consultoria MCM Consultores, a decisão da Justiça desfavorável a Lula não altera o cenário já negativo para Dilma no Senado. “Não tem como agravar, o processo de impeachment já está decidido”.
De acordo com o deputado André Moura, esse fator pesaria sobre o afastamento da presidente Dilma em apenas um cenário: se ela ainda pudesse ser salva. O líder do governo na Câmara, porém, não acredita que isso seja viável.
“Acho que o processo de impeachment já se consolidou. É irreversível. Obviamente essa nova condição de Lula agrava ainda mais a situação. Talvez seja a pá de cal necessária para enterrar as chances do governo petista de uma vez”, avaliou Moura.
Já o senador Humberto Costa (PT-PE) afirma que a decisão da Justiça deve perder sua legitimidade em alguns dias, “visto que ela surgiu a partir da delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral”. Para o petista, as declarações de Delcídio seriam parte de uma estratégia de vingança contra o partido.
Além do caso de hoje, uma série de linhas de investigação cercam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - todas sob a batuta do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Veja o andamento de cada uma delas:
Sítio em Atibaia
Em outro processo, que corre em paralelo, Lula responde por suspeita de posse de um sítio em Atibaia, interior de São Paulo. Nesta quinta-feira (28), um laudo da Polícia Federal sugere que o ex-presidente e sua esposa, Marisa Letícia, orientaram as reformas da cozinha do sítio, através de contato com a empreiteira OAS.
Esse elo aumenta a suspeita de que o petista era proprietário do imóvel (ocultação de patrimônio) e recebia a reforma como pagamento de vantagens indevidas.
Em busca de tais provas, no mês de março, o petista chegou a ser encaminhado ao Aeroporto de Congonhas, na capital paulista, onde prestou depoimento aos investigadores da Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal (MPF) afirmou que há evidências que Lula foi um dos “principais beneficiários” do esquema de corrupção na Petrobras.
Os procuradores disseram ter provas de que Lula adquiriu dois sítios em Atibaia (SP) em 2010 pelo valor de R$ 1,5 milhão de reais, por meio dos sócios de seu filho Fábio Luís Lula da Silva (Lulinha), Jonas Suassuna e Fernando Bittar.
A compra das propriedades, de acordo com as investigações, foi formalizada no escritório do advogado e empresário Roberto Teixeira, padrinho do filho caçula de Lula, Fábio Luiz Lula da Silva, e, posteriormente, unificadas em um só imóvel.
Segundo o MPF, ao menos R$ 770 mil da reforma e compra de móveis foram custeados de forma ilícita pela Odebrecht, pela OAS e por José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente preso na Lava Jato em novembro do ano passado.
Parte da reforma do sítio, inclusive, “foi paga em dinheiro vivo, uma das formas elementares de lavar dinheiro”, disse o procurador Carlos Fernando na data da condução coercitiva de Lula.
As palestras
As buscas da Lava Jato em março queriam também destrinchar os ganhos da LILS Palestras e o Instituto Lula, que, entre 2011 e 2014, teriam recebido R$ 30 milhões repassados, em boa parte, por empreiteiras com participação já comprovada no âmbito da operação.
De acordo com o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, cerca de 60% das doações ao Instituto Lula e 47% dos rendimentos com palestras foram feitas por Camargo Corrêa, Odebrecht, Queiroz Galvão, UTC, Andrade Gutierrez e OAS.
“O esquema tem por objetivo final a compra de poder político, cujo principal beneficiário é o ex-presidente Lula e a atual presidente Dilma”, disse o procurador em coletiva de imprensa à época.
Tríplex em Guarujá (SP)
Além disso, Lula e a ex-primeira dama, Marisa Letícia, teriam escondido serem os reais donos do tríplex 164-A do Edifício Solaris, na Praia das Astúrias, no litoral de São Paulo.
Segundo o MPF, ao menos R$ 1 milhão teria sido repassado pela OAS por meio de reformas e móveis de luxo implantadas na propriedade. Apesar do petista negar a acusação, o MPF apurou que funcionários do apartamento confirmam o envolvimento de Lula e seus parentes com o imóvel.
O órgão diz ainda que foram encontradas mensagens no celular de Léo Pinheiro que apontam que os beneficiários da compra de R$ 170 mil em móveis para a cozinha do tríplex eram o ex-presidente e sua esposa.
Oficialmente, o tríplex ainda pertence à empreiteira.
O que falta
Por conta da mudança de instância, pela perda de foro privilegiado pela exoneração de sua colocação como ministro-chefe da Casa Civil de Dilma, a investigação de todos esses casos voltaram às mãos do juiz Sergio Moro. Apesar da alegada materialidade pelo MPF, nenhuma das denúncias foi oficializada por enquanto.
Para que uma denúncia tenha justa causa, ou seja, para que seja aceita pelos magistrados, deve vir acompanhada de prova da materialidade do crime e indícios da autoria.
“A questão da demora para que um inquérito se torne uma denúncia está na necessidade de reunir provas contundentes contra o suspeito ou contra um grupo de pessoas”, afirma Heloísa Estellita, professora de Direito Penal da FGV Direito de São Paulo. “Dependendo de como o grupo age, a denúncia tem que se dirigir contra todos e reunir essas provas pode demandar tempo”
Isso explica porque inquéritos demoram tanto para se transformarem em denúncia. Antes do aceite a Lula e Delcídio, mesmo com quase 50 políticos com inquérito aberto na Lava Jato, só Eduardo Cunha (PMDB) havia se transformado em réu na Lava Jato — pois a quantidade de provas abunda.
O que diz a defesa de Lula
"O ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva não recebeu citação relativa a processo que tramita perante a 10a. Vara Federal de Brasília (IPL n. 40755-27.2016.4.01.3400). Mas, quando isso ocorrer, apresentará sua defesa e, ao final, sua inocência será certamente reconhecida. Lula já esclareceu ao Procurador Geral da República, em depoimento, que jamais interferiu ou tentou interferir em depoimentos relativos à Lava Jato. A acusação se baseia exclusivamente em delação premiada de réu confesso e sem credibilidade - que fez acordo com o Ministério Público Federal para ser transferido para prisão domiciliar. Lula não se opõe a qualquer investigação, desde que realizada com a observância do devido processo legal e das garantias fundamentais".