Médico atende paciente em Minas Gerais: a questão são as regiões mais afastadas dos centros urbanos (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 25 de junho de 2013 às 13h58.
São Paulo – Em resposta aos protestos e manifestações que ocorrem no Brasil desde o início de junho, a presidente Dilma Rousseff anunciou ontem cinco “pactos” para a sociedade brasileira. As propostas abrangem as áreas de reforma política, responsabilidade fiscal, transporte, educação e saúde.
O pacto de saúde inclui uma medida polêmica já defendida pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha: convênios para trazer médicos do exterior para trabalhar em regiões periféricas e mais “necessitadas” do Brasil.
A princípio, segundo o Ministério da Saúde, Portugal e Espanha serão priorizados na parceria. O Ministério defende que tais países possuem uma reserva de mercado de bons profissionais da área da saúde que, hoje, estão desempregados. Para se ter uma ideia, estima-se que existam 20 mil médicos em busca de emprego na Espanha, segundo dados do governo espanhol.
Os brasileiros, porém, veem essa afirmação com cautela e questionam a qualidade desses profissionais. “Os médicos que virão serão aqueles que foram rejeitados pelo mercado de trabalho de seus países de origem”, afirma Carlos Lopes, professor de Clínica Médica da Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica.
O Brasil precisa de mais profissionais de medicina?
Os médicos, que se manifestaram através de nota assinada por entidades como a Associação Brasileira de Medicina (AMB), defendem que não. Para eles, o que falta são estímulos para os doutores dos grandes centros urbanos se deslocarem para as regiões mais inóspitas brasileiras. Mesmo assim, a declaração de Dilma de que mais vagas serão criadas nas escolas de medicina do país foi recebida com aprovação.
O governo continua defendendo que o problema é também quantitativo. Segundo dados apresentados pelo Ministério da Saúde, há hoje no Brasil 1,8 médicos por mil habitantes. O índice é baixo quando comparado com os de vizinhos como a Argentina (3,2) e México (2), por exemplo. Na Inglaterra, cujo sistema de saúde único e universal inspirou o SUS brasileiro, há 2,7 médicos por mil habitantes. Por lá, 40% dos médicos fez sua graduação no exterior.
Mas se os médicos brasileiros não migram para essas regiões mais necessitadas, o que vai atrair estrangeiros para áreas com baixos salários, muitas doenças e quase zero infraestrutura? A resposta do governo está na criação de um registro temporário, que limite em tempo e localização a atuação desses profissionais.
Os estrangeiros farão prova?
Hoje, qualquer profissional formado no exterior que queira atuar no Brasil precisa prestar o Revalide, que é um exame para validação do diploma estrangeiro por aqui. A proposta do governo para a parceria não inclui este teste e não menciona se irá exigir que os médicos estrangeiros façam outras provas.
Este é um dos pontos mais polêmicos do projeto. Para a categoria, os médicos estrangeiros que vierem pelo convênio devem fazer a prova. O governo argumenta que, se o Revalide for aplicado, estes profissionais terão licença para praticar medicina em qualquer lugar do Brasil - inclusive nos grandes centros urbanos, onde não há escassez de médicos e onde eles poderiam ser atraídos pela possibilidade de trabalhar em clínicas particulares ou hospitais de alto nível. Pela proposta do Ministério, os estrangeiros receberiam registros temporários e limitados às áreas específicas de atuação deles. No caso, limitado às áreas mais inóspitas do país.
Mesmo com ressalvas, o médico Heleno Côrrea, que faz parte do conselho do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), defende que o Revalide seja aplicado: “O exame é corporativista e precisa ser reestruturado. Uma prova de múltipla escolha não serve nem para selecionar para vestibular”, diz. “Mas é a única maneira de se trazer médicos que são competentes para o Brasil, de selecionar tal qual os médicos brasileiros são selecionados quando vão para o exterior”, afirma.
O Brasil terá infraestrutura?
A grande questão para a Associação Médica Brasileira (AMB) e outras entidades representativas dos médicos no Brasil, porém, é a da infraestrutura. “Não adianta trazer um costureiro famoso de Paris se aqui não tem máquina de costura e nem tecido”, afirma Lopes, da Unifesp. A frase é dele, mas, nas últimas semanas, as variações do tipo foram repetidas pelos médicos do país em entrevistas, cartas públicas e nas redes sociais.
“O que tem de fazer é dar condições básicas de infraestrutura para todo mundo, inclusive para os brasileiros”, diz Côrrea, do Cebes. O consenso entre os profissionais da classe parece ser de que não importa quantos médicos existam no sertão da Bahia, por exemplo, se o hospital não tiver condições mínimas. O projeto não funcionaria sequer como medida emergencial, afirmam os médicos.
Por outro lado, a socióloga Mayra Resende, da Universidade de Brasília, argumenta que “as ações não precisam ser excludentes”. Ou seja: trazer médicos estrangeiros para lidar com a situação atual não significa que não haverá investimentos em infraestrutura.
De acordo com o Ministério da Saúde, foi aberta uma linha de financiamento de R$ 1,6 bilhão para “reforma, ampliação e construção de Unidades Básicas de Saúde (UBS)”.
“Quando você pensa em política pública, tem ação de curto e de longo prazo. No caso, é complicado esperar que o governo invista em todos os hospitais, para que então eles se equipem e, aí, sim, os médicos que estão no sudeste, sul e centro-oeste sintam que vale a pena esse deslocamento”, explica a socióloga.
Para ela, a ação emergencial é importante, apesar de não excluir a necessidade do investimento em infraestrutura: “Enquanto isso, há uma população que precisa urgentemente de cuidados médicos, independentemente de onde vem esse profissional”, diz.
Além disso, segundo ela, “em lugares com pouca infraestrutura, o foco pode ser mais preventivo”. Para a socióloga, o trabalho do médico também é além “daquele que fica no consultório”: ele pode ser de esclarecimento e prevenção, coisas que, segundo ela, precisam de pouco investimento e infraestrutura.
Os cubanos farão parte da parceria?
As principais parcerias, segundo o governo, serão feitas com profissionais portugueses e espanhóis. Mas, apesar de pouco citados nos projetos, a vinda de médicos cubanos não está fora da mesa já que as propostas e ações ainda não foram fechadas.
A ilha é especialista na “exportação” de médicos, com mais de 15 mil formados em medicina atuando fora do país, em vizinhos como a Venezuela e em países africanos, de acordo com o governo cubano. Nas redes sociais, diversos grupos médicos se manifestaram contra a vinda dos profissionais da ilha. E a questão ideológica, já que os médicos viriam de um país de regime comunista, ainda é apontada por alguns deles como um ponto de reflexão.
E os brasileiros?
Em seu discurso, Dilma reforçou que a “preferência” será sempre para os médicos nacionais, com oferta de bolsas de R$ 8 mil, cursos de especialização em Saúde da Família e pontuação adicional de 10% nas provas de residência para os que forem bem avaliados, entre outros benefícios reservados pelo Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab).
Mesmo com o discurso de Dilma, o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira e os sindicatos marcaram para esta semana uma Assembleia Geral nos estados. Para o início de julho, no dia 3, está convocada uma paralisação e manifestações em todo o país em defesa da prova do Revalide.