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3,5 milhões usaram drogas ilícitas recentemente; governo rejeita dados

Além de drogas ilícitas, o estudo mapeou o consumo de álcool: 16,5% dos participantes indicaram abusar na dosagem

Maconha: nova lei entrará em vigor em 11 de janeiro de 2020. (Reprodução/Getty Images)

Maconha: nova lei entrará em vigor em 11 de janeiro de 2020. (Reprodução/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 6 de abril de 2019 às 11h57.

Última atualização em 8 de abril de 2019 às 10h37.

Brasília - Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz mostra que 3,563 milhões de brasileiros consumiram drogas ilícitas em período recente. Dos entrevistados, 208 mil disseram ter usado crack nos 30 dias anteriores ao levantamento. Concluído em 2017, o estudo permanecia inédito até o início desta semana.

Observadores atribuem a omissão aos resultados, que poderiam desidratar o discurso do governo de que há uma epidemia de crack no país. Segundo o Ministério da Justiça, não houve divulgação porque a metodologia usada estava em desacordo com o estabelecido no edital do trabalho, o que a Fiocruz nega.

Ainda segundo a pesquisa, 9,9% dos brasileiros relatam ter usado drogas ilícitas uma vez - 7,7% da população consumiu maconha, haxixe ou skank, 3,1%, cocaína, 2,8%, solventes e 0,9%, crack. Além de drogas ilícitas, o estudo mapeou o consumo de álcool: 16,5% dos participantes indicaram abusar na dosagem. Homens consumiam numa única ocasião cinco doses ou mais de bebidas; e mulheres, quatro doses ou mais.

Feito com base em entrevistas domiciliares, o trabalho da Fiocruz adotou a metodologia da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (Pnad). Mas, para o Ministério da Justiça, os dados reunidos no projeto, que contou com a participação de cerca de 300 pesquisadores e técnicos, não permitia a comparação com pesquisas anteriores. A pesquisa custou aos cofres públicos R$ 7 milhões.

"Ignorar os dados da pesquisa é de uma irresponsabilidade enorme. As informações são essenciais para pensar nas políticas voltadas para essa população", afirma a professora da Universidade de Brasília (UnB) Andrea Gallassi. Por contrato, a Fiocruz não teve permissão para divulgar os indicadores. Nesta semana, o teor da pesquisa foi divulgado pelo site The Intercept Brasil.

Batizado de 3.º Levantamento Nacional Domiciliar sobre o Uso de Drogas, o trabalho provocou uma crise entre o Ministério da Justiça e a Fiocruz. A fundação sustenta que não só atendeu aos requisitos, como também entregou dados que não haviam sido requisitados.

O ministério, por sua vez, enviou esta semana um ofício para a presidência da Fiocruz. E avisou que vai solicitar a arbitragem da Câmara de Conciliação da Advocacia-Geral da União (AGU), que intermedeia conflitos entre órgãos públicos. A Fiocruz seguirá pelo mesmo caminho e deve recorrer ao Ministério Público para arbitragem.

Resultados. Observadores atribuem a polêmica aos resultados revelados pela pesquisa da Fiocruz. O número identificado de uso de crack, de 208 mil pessoas, é menor do que o apontado por outro trabalho da fundação, que indicava 370 mil que consumiam a droga em cracolândias e outras cenas de uso em 2013. Para observadores, integrantes do governo ficaram desapontados com resultados e temiam que os indicadores pudessem desidratar o discurso sobre a "epidemia do crack".

A diferença nos dados, no entanto, não surpreendeu pesquisadores da Fiocruz. Isso porque a maior parte dos usuários vive em grupos que se formam para o consumo da droga. Seria muito mais fácil encontrá-los nesses locais do que em residências fixas, onde a pesquisa foi realizada. Mas o levantamento, como o próprio nome já afirma, é sobre drogas em geral, não apenas crack.

A Fiocruz afirma que a resistência começou a se formar no fim do governo de Michel Temer. Segundo a fundação, ao longo de todo o período de realização do trabalho, equipes do Ministério da Justiça acompanharam os resultados parciais. Pagamentos das parcelas do projeto somente eram liberados depois do cumprimento de metas estabelecidas. Já havia uma perspectiva de lançamento do trabalho, que foi adiada em virtude das sucessivas mudanças de equipes no Ministério da Justiça.

A maior crítica feita pela equipe do Ministério da Justiça atual é de que a metodologia usada no trabalho impede a comparação dos resultados com o primeiro e o segundo levantamentos. A pasta considera ainda que oficialmente não recebeu a pesquisa da Fiocruz. "Dessa forma, não detém propriedade intelectual sobre os dados da mesma, não os utiliza e não os divulga."

Comparação. A Fiocruz sustenta que a comparação é feita. Mas observa que, em razão do grande intervalo entre as pesquisas, mudanças sociodemográficas ocorreram, o que, por si só, limita a capacidade de comparação. "Não em virtude de limitações da equipe de pesquisa, mas sim das alterações esperadas de um país, que conta hoje com mais de 208 milhões de habitantes e profundamente heterogêneo."

O Ministério da Justiça argumenta ainda que não é possível, por meio da pesquisa, saber se o uso de drogas no Brasil é superior ou inferior ao de outros países. "Isto inviabiliza de forma significativa o uso da pesquisa especificamente para o desenho da Política Nacional de Drogas.", declarou a pasta, em nota.

Secretário do Ministério da Saúde, Erno Harzheim diz não conhecer a pesquisa. "Tecnicamente a situação não se encaixa como epidemia, que se caracteriza por um aumento expressivo do número de casos. Seja como for, não há dúvida de que os números de crack no País são preocupantes." O secretário afirma que uma das estratégias para atender pacientes com uso de drogas são os Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas. "O tratamento dos pacientes não pode ser feito com uma forma única. É preciso ter uma rede com oferta de vários serviços, mas sempre com atendimento todos os dias da semana, 24 horas." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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