Quem era favorável passou a cobrar que os contrários abrissem mão da verba, por coerência. (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de setembro de 2018 às 10h11.
Última atualização em 16 de setembro de 2018 às 10h50.
Brasília - Três de cada quatro deputados federais contrários à criação do fundo eleitoral abastecido com recurso público receberam dinheiro dessa fonte para custear despesas nas primeiras semanas de campanha.
Ao todo, 157 parlamentares que votaram contra o fundão na Câmara fizeram pedidos expressos a seus partidos e já obtiveram R$ 150 milhões.
Nem todos os partidos distribuíram a parcela de recursos a que têm direito do fundo, orçado em R$ 1,7 bilhão neste ano. Por enquanto, o valor repassado a esses deputados equivale a 8% das verbas públicas remanejadas pelo governo para as campanhas.
Na Câmara, a votação ocorreu de forma simbólica, sob críticas dos deputados contrários, que conseguiram numa segunda etapa forçar uma votação nominal em plenário, o que permitiu a identificação de quem apoiou ou rejeitou o projeto: 233 deputados foram favoráveis, 209 contra e três se abstiveram. Quem era favorável passou a cobrar que os contrários abrissem mão da verba, por coerência.
Três dos quatro parlamentares que votaram contra e mais receberam dinheiro do Fundo Eleitoral até agora disputam cargos majoritários neste ano. O deputado Daniel Vilela (MDB), destinatário de R$ 3 milhões, é candidato a governador de Goiás. Colega de bancada dele, o deputado Mauro Mariani (MDB) recebeu R$ 2,5 milhões para concorrer ao governo de Santa Catarina.
Em oposição a ele no Estado, o deputado Esperidião Amin (PP-SC) disputa o Senado com R$ 2,383 milhões. A única mulher no topo da lista é a deputada pelo Paraná Christiane Yared (PR). Ela teve direito a R$ 2,4 milhões repassados pelo partido para tentar a reeleição.
Entre os 55 deputados contrários ao fundo que não declararam à Justiça Eleitoral ter recebido verbas da fonte, há casos em que o pai do parlamentar ou algum filho recebeu em seu lugar. A reportagem também identificou que, em certos casos, a verba foi parar na conta do cabeça da chapa que o deputado compõe. Outros não concorrem à reeleição ou renunciaram.
O PTB, por exemplo, fez a triangulação entre familiares. Os deputados pastor Josué Bengston (PA) e Pedro Fernandes (MA) destinaram, cada um, R$ 1,15 milhão aos filhos que tentam se eleger para uma vaga na Câmara: pastor Paulo Bengston e Pedro Lucas Fernandes.
Já no caso do deputado federal Wilson Filho (PB), que agora concorre à Assembleia Legislativa e ainda não declarou receitas, o dinheiro faz o caminho inverso. O pai dele, o ex-deputado e ex-senador José Wilson Santiago, é quem recebeu a bolada no mesmo valor para tentar retornar ao Congresso.
No PR, o deputado Marcelo Delaroli (PR-RJ) era contra o fundo, mas hoje figura como candidato a vice-governador do Rio na chapa do senador Romário (Podemos). Delaroli não teve ainda receita declarada, mas Romário indicou ter recebido R$ 2 milhões do fundão. O ex-jogador também era contra.
O deputado Jair Bolsonaro (RJ), presidenciável do PSL, disse que não usaria verbas do fundo, embora seu partido tenha pedido os recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A parcela do PSL é de R$ 9,2 milhões.
Aliado dele, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), à época no PR, votou contra o fundão e já recebeu um repasse de R$ 420 mil, apesar de a direção do partido ter anunciado que a bancada fechou acordo para não usar o dinheiro.
A assessoria do deputado Daniel Vilela (MDB), candidato ao governo de Goiás, afirmou que ele se posicionou contra o Fundo Eleitoral durante as discussões na Câmara porque achava que o Fundo Partidário (R$ 888 milhões) - destinado ao custeio dos partidos, mas cujas reservas podem ser aplicadas em eleições - seria suficiente para o financiamento público das campanhas. "O candidato ficaria em desvantagem em relação aos concorrentes."
Candidato ao governo de Santa Catarina, o deputado Mauro Mariani (MDB) também disse que cumpre as regras vigentes. "Não faria sentido conduzir uma campanha com menos recursos que os demais concorrentes", disse o parlamentar.
A deputada Christiane Yared, que tenta a reeleição pelo Paraná, disse que o aporte de R$ 2,4 milhões a sua campanha é fruto de acordo dela com o PR. Em busca da reeleição, o deputado delegado Waldir afirmou que pediu os recursos do Fundo Eleitoral, embora rejeitasse a proposta antes, porque não possui outra fonte de dinheiro e, como presidente do PSL em Goiás, vai bancar despesas de outros candidatos da sigla. O Estado não obteve retorno da assessoria do deputado Esperidião Amin (PP).
Assim como ocorreu na Câmara dos Deputados, 16 senadores que votaram contra a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - conhecido como Fundo Eleitoral - à época de sua criação, em maio do ano passado, já recorreram aos recursos públicos para financiar suas campanhas eleitorais.
Manifestamente contra o fundão, estes parlamentares receberam, por meio dos partidos, um total de R$ 24 milhões.
O fundão foi criado como reação do Congresso à proibição de doações empresariais. Ele dispõe de R$ 1,7 bilhão, remanejados de outras despesas do governo, como emendas de bancada e renúncia fiscal.
Principal articulador da criação do fundo eleitoral, o senador Romero Jucá (RR), presidente nacional do MDB, chegou a desafiar os críticos a abrirem mão do dinheiro que poderiam receber, durante a fase de debates no Congresso Nacional.
"Quem não concordar com o fundo pode assinar uma declaração renunciando ao dinheiro para a próxima eleição", afirmou Jucá à época.
No Senado, a votação foi simbólica, mecanismo que permite a não divulgação da identidade dos parlamentares que aprovaram a transferência de recursos de outras áreas para campanhas políticas, em meio a um corte de gastos do governo federal.
Porém, por causa de protestos contra a manobra durante a sessão tumultuada, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), permitiu que os senadores registrassem por escrito voto contrário. Eunício era favorável à ideia do fundo e foi um dos primeiros a propor a composição da reserva, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
Dos 24 senadores que assinaram o documento de voto "não" à criação do fundo, Omar Aziz (PSD-AM) recebeu a maior parcela: R$ 3,5 milhões transferidos pelos diretórios nacional e estadual do partido para ele disputar o governo do Amazonas. O segundo no ranking, em valores recebidos, foi o senador Ronaldo Caiado (R$ 2,5 milhões), candidato ao governo de Goiás pelo DEM.
Autor do projeto de lei que culminou na criação do fundo, Caiado acabou votando contra a proposição por causa de modificações no texto durante a tramitação. Aziz e Caiado não se manifestaram.
Na sequência aparecem os senadores Romário (Podemos-RJ), candidato ao Palácio Guanabara, e os candidatos à reeleição Renan Calheiros (MDB-AL), Magno Malta (PR-ES), Eduardo Braga (MDB-AM) e Valdemir Moka (MDB-MS). Cada um recebeu R$ 2 milhões.
Nove senadores chegaram a rechaçar publicamente o texto do projeto de lei e a votar pela rejeição de requerimentos que tentavam acelerar a aprovação do fundão, mas não registraram o voto contrário no final.
Estes parlamentares receberam, somados, outros R$ 14 milhões do Fundo Eleitoral. Um dos nomes mais favorecidos deste grupo foi Alvaro Dias (PR), atual candidato a presidente da República pelo Podemos, destinatário de R$ 3,2 milhões. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.