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Tilápia do Vietnã, protestos e mercado nacional: os bastidores do peixe mais produzido do Brasil

Produção é de cerca de 520 mil toneladas da espécie em 2023, segundo Ministério da Pesca, representando 65% do peixe de cultivo no país – e chamando atenção da indústria

Produtor joga rede para pescar tilápia em tanque de cultivo no Paraná (Wenderson Araujo/Trilux/Sistema Senar-CNA/Reprodução)

Produtor joga rede para pescar tilápia em tanque de cultivo no Paraná (Wenderson Araujo/Trilux/Sistema Senar-CNA/Reprodução)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 23 de janeiro de 2024 às 15h49.

Nas últimas semanas, uma discussão setorial envolvendo o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) mostrou como o mercado da tilápia é fundamental para a piscicultura brasileira – e o quanto o setor quer se proteger para ganhar protagonismo, dentro e fora do país.

Em dezembro de 2023, o Brasil importou 25 mil quilos do peixe do Vietnã. A comercialização deu motivos para a FAEP, Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) se manifestarem contra a compra, sob a alegação de dumping – no caso, de que o produto importado tem preço inferior ao custo de produção no Brasil.

Segundo a PeixeBR, a indústria nacional vende o quilo do filé congelado a R$ 37, enquanto a tilápia vietnamita desembarcou no Porto de Santos a R$ 23/kg. Além disso, as entidades apontam que o país asiático não cumpre as mesmas regras sanitárias exigidas no Brasil, criando um ambiente de competição injusto.

Procurado pela EXAME, o Ministério da Pesca esclarece que a quantidade importada é muito inferior ao produzido internamente, sem representar uma ameaça direta aos piscicultores nacionais. Também afirma, junto ao Ministério de Relações Exteriores, que não há acordos comerciais para compras de longo prazo.

Além disso, a pasta diz que o governo não realiza importações de nenhum tipo de pescado, e a compra é feita por meio de empresas privadas habilitadas à comercialização do alimento no país.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que a produção nacional deve ter chegado a 520 mil toneladas de tilápia em 2023, dado corroborado pelo MPA. Já a PeixeBR e a FAEP projetam que o volume seja de 550 mil toneladas, mesma quantidade de 2022. Com base nestes números, o Brasil é quarto maior produtor do mundo, atrás de China, Indonésia e Egito.

Mesmo com esta variação na estimativa brasileira, o país tem capacidade de atender a demanda interna, além de gerar excedentes para exportação. Em 2023, o país exportou quase 2,1 mil toneladas de tilápia, aumento de 96% em relação a 2022, gerando dividendos na ordem de US$ 14,1 milhões, de acordo com a PeixeBR.

Não é por acaso que a federação do Paraná tenha se manifestado. O estado é o maior produtor brasileiro de tilápia, responsável por cerca de 40% do peixe cultivado do país. “Não podemos deixar acontecer com o que estamos vendo na atividade leiteira, na qual as importações estão achatando as cotações internas do produto, inviabilizando a produção e, principalmente, retirando milhares de produtores da pecuária de leite”, afirma Ágide Meneguette, presidente da FAEP, em nota.

Da granja ao peixe

Os custos de produção da tilápia estão ligados ao custo da ração, similar ao utilizado na atividade de aves e suínos. É por isso que o Paraná, como grande produtor de proteína animal, tem aproveitado a disponibilidade de insumo para apostar na piscicultura.

Um exemplo é a empresa GTFoods, fundada em 1992 com foco no setor avícola, cuja receita foi de R$ 3,45 bilhões em 2023. No ano anterior, em 2022, a companhia iniciou uma operação de abate de tilápias no município paranaense de Mandaguaçu.

“O Paraná possui rede integrativa, com produtores que tinham aves e suínos e começaram a instalar tanques e fazer a produção. Isso virou interessante para o produtor, que consegue diversificar atividade, além de as empresas e cooperativas conseguirem ganhar escala na forma de industrializar, como filés congelados”, diz Pedro Sbardella, gerente de marketing de Monogástricos Brasil da Elanco. Monogástricos são animais não ruminantes que apresentam um estômago simples, como a tilápia.

Oportunidade à indústria

O crescimento da produção de tilápia no Brasil, inclusive em represas de hidrelétricas e parques aquícolas mapeados pelo Ministério da Pesca, tem chamado a atenção da indústria de saúde animal. A Elanco já atuava nos países onde há o cultivo de salmão até despertar para a estratégia de adaptar o portfólio de aquacultura tropical para os mercados de tilápia e camarão.

Considerado um dos pescados mais acessíveis do país, a tilápia também está sendo cultivada em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Pernambuco. Ao ganhar proporção no mercado nacional, os critérios sanitários para criação do peixe também foram aprimorados ao longo dos anos.

Sbardella comenta que esta é uma atividade recente no Brasil, com menos de 30 anos de profissionalização. Quando começou, entre as décadas de 1980 e 1990, o segmento ainda se limitava a viveiros e lagos, com baixa tecnologia empregada no processo de produção e críticas sobre as condições ambientais de cultivo.

“Hoje em dia, a ideia é usar menos renovação de água e ter densidade adequada para evitar exageros de peixe por área. Foi criado o modelo em tanque-rede nos grandes reservatórios das hidrelétricas, parques aquícolas e regiões em que o fluxo de água e profundidade são adequados”, ele afirma. Segundo a Embrapa, a densidade média é de 0,15 peixe por litro.

De acordo com a PeixeBR, a indústria também tem se dedicado à ampliação de portfólio a partir da tilápia, criando outros cortes e formas de apresentar o produto. A pururuca de tilápia já é realidade.

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