EXAME Agro

Tarifas de Trump devem acelerar acordo entre Mercosul e União Europeia, diz Roberto Rodrigues

Em entrevista à EXAME, professor e ex-ministro da Agricultura aponta que o Brasil tem margem para negociar, apesar das tarifas de 10% impostas aos produtos nacionais

Roberto Rodrigues: Há chances de um entendimento, mas o tema não se limita apenas à relação Brasil-Estados Unidos, diz o professor e ex-ministro da Agricultura. (Divulgação)

Roberto Rodrigues: Há chances de um entendimento, mas o tema não se limita apenas à relação Brasil-Estados Unidos, diz o professor e ex-ministro da Agricultura. (Divulgação)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 9 de abril de 2025 às 06h01.

Última atualização em 9 de abril de 2025 às 14h07.

O tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve acelerar o acordo do Mercosul com a União Europeia, acredita o professor da FGV Agro e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. Em entrevista à EXAME, Rodrigues afirma que o Brasil “está indo bem até agora” e, no que depender do Itamaraty, há margens de negociação para o país buscar uma alternativa.

“A qualidade da discussão e o interesse recíproco em manter uma relação adequada são fundamentais. Acredito que há chances de um entendimento, mas o tema não se limita apenas à relação Brasil-Estados Unidos”, diz o professor.

Nesta quarta-feira, 9, a maioria dos 27 estados-membros da UE aprovou a aplicação de tarifas sobre cerca de € 21 bilhões (US$ 23,2 bilhões) de produtos dos Estados Unidos. A medida é uma resposta às tarifas de 25% impostas pelo presidente Donald Trump no mês passado sobre as exportações de aço e alumínio do bloco.

Na semana passada, Trump estabeleceu uma série de tarifas para mais de 180 países, com a justificativa de que seu país sofria com déficit nas transações comerciais. No caso brasileiro, a taxa ficou em 10% – valor mínimo estabelecido pelo presidente. Mas outros países como China e Vietnã não tiveram a mesma lógica e foram taxados em 34% e 46%, respectivamente.

Na avaliação de Rodrigues, a possível desestruturação de uma geopolítica negociada ao longo dos anos pode gerar reflexos preocupantes na economia global, o que pode impactar o Brasil, principalmente, o agro brasileiro.

Confira a entrevista.

Na visão de alguns analistas, as tarifas podem ser uma oportunidade para o Brasil, especialmente para a soja brasileira. O senhor, que já foi ministro e estuda o setor, como avalia essa situação?

Em primeiro lugar, tivemos a menor tarifa, de 10%. Isso é bom? Bem, tudo depende do contexto. Relativamente, estamos bem, porque nossos concorrentes têm a mesma tarifa que nós. Isso significa que a tarifa não será um fator de perda de competitividade. De maneira geral, posso dizer que, em termos relativos, estamos bem, embora alguns produtos, como o suco de laranja, possam sofrer uma perda de lucratividade.

E sobre o impacto geopolítico? Como a movimentação do Trump pode afetar o comércio mundial?

Esse movimento do Trump está mexendo demais com a geopolítica mundial e com o comércio global. A minha sensação é que novos blocos de países ou grupos de países vão se alinhar em torno de interesses comuns. Surgirão novas alianças estratégicas, o que representa uma grande oportunidade para o Brasil. Um exemplo concreto disso é o acordo União Europeia-Mercosul, que estava emperrado. Com as mudanças impulsionadas pela postura do Trump, a União Europeia passou a se interessar mais por esse acordo, o que é ótimo para nós. A disputa entre Estados Unidos e China terá reflexos em várias regiões, como Ásia, Europa e Oriente Médio, e devemos aproveitar essas interações.

Então, a chave é negociar. O senhor acredita que estamos preparados para isso?

O Trump quer negociar com todo mundo, e já tem muitos países interessados em negociar com ele. O Brasil, sendo um país grande e relevante no setor de alimentos e energia, precisa aproveitar essa movimentação global. Se formos bons negociadores, teremos vitórias consistentes. Temos que negociar com todos, com paciência e inteligência. Não adianta recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) ou outras instâncias, pois elas estão sobrecarregadas e não têm muito peso no cenário atual.

Como o senhor está enxergando a postura do governo brasileiro nesse sentido?

O governo está agindo com cautela, sem bravatas, sem ameaças. O Itamaraty tem sido muito eficaz nesse aspecto. A estratégia é negociar com calma e com foco no interesse nacional, especialmente no setor comercial. O Brasil é um grande player no mercado global de alimentos, e estamos em uma boa posição para negociar.

E em relação aos Estados Unidos, há margens para negociar outros produtos do agro?

Temos margem para negociar. Carne, café, suco de laranja, frutas em geral. O mercado americano é importante para o Brasil. No ano passado, a China foi o primeiro mercado e os EUA o segundo. O Brasil tem um leque enorme de produtos para negociar. Agora é hora de negociar para tudo, incluindo investimentos no Brasil e novas parcerias comerciais e geopolíticas.

Alguns analistas ficaram preocupadas com a possibilidade de o agro brasileiro ser afetado. Essa preocupação já foi dissipada, dado o valor das tarifas?

Não sou nem pessimista, nem otimista. A incerteza é a palavra-chave nesse momento. Podemos ganhar ou perder, depende de como as negociações se desenrolam. Mas, em termos gerais, temos uma boa base para negociar e estamos bem-posicionados.

No final de semana, o Vietnã sinalizou que pode reduzir as tarifas para os Estados Unidos. Isso pode afetar a competitividade do café brasileiro?

Sim, é um risco real. Se o Vietnã reduzir as tarifas e o Brasil não seguir, podemos perder competitividade no mercado americano. No caso do café, isso é uma possibilidade. No entanto, como mencionei, enquanto a tarifa do Brasil for menor que a dos concorrentes, não perderemos para eles. Se outros países, como o Vietnã, reduzirem ainda mais, aí, sim, podemos perder terreno.

E há outros mercados onde o Brasil pode perder competitividade, caso algum país reduza tarifas?

A carne é um bom exemplo. Somos concorrentes da Austrália, por exemplo. Se a tarifa para a Austrália for reduzida, podemos perder competitividade. Tudo é incerto, mas, por enquanto, podemos afirmar que, em termos relativos, não estamos mal, salvo no caso do suco de laranja. O importante é ficar atento aos novos grupos que surgirão e, principalmente, negociar com paciência.

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