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Colheita de cana em São Paulo: a produção vai aumentar 18% neste ano, alcançando 35 milhões de toneladas (Mauro Zafalon/Folhapress)
Repórter de Agro
Publicado em 27 de fevereiro de 2023 às 19h43.
Última atualização em 28 de fevereiro de 2023 às 08h49.
Caduca nesta terça-feira, 28, a Medida Provisória (MP 1.157/2023), que prorroga a desoneração de tributos federais sobre gasolina e etanol. Caso volte a taxação sobre o biocombustível, analistas colocam em xeque a postura do governo federal quanto à política ambiental. Afinal, o etanol se tornou símbolo da agenda de transição energética no Brasil, inclusive com potencial de ativo de exportação.
Voltar a subsidiar a gasolina é um “escândalo social, ambiental e econômico” pelo ponto de vista de Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (ÚNICA). "Se o subsídio para a gasolina for mantido, a primeira coisa que vai acontecer é o dolar aumentar. Se aumenta o dólar, tudo o que está dolarizado cresce, inclusive os combustíveis", ele esclarece ao dizer que este ano o etanol completa 20 anos.
O pleito é para que seja respeitada a Constituição que garante diferencial tributário ao etanol. Isso porque, ressalta Gussi, a Emenda à Constituição (nº 123/22) garantiu a necessidade de diferencial competitivo para os biocombustíveis em relação aos equivalentes fósseis. O cálculo, na teoria, deveria considerar o preço da gasolina na bomba e 70% disso seria o preço do etanol ao consumidor.
O etanol mais barato contribui para incentivar o consumo e, por consequência, corrobora com a transição para uma matriz energética limpa.
“É preciso uma atuação da ministra do Meio Ambiente [Marina Silva] para dizer que os gases de efeito estufa no setor de transportes estão aumentando, é o que mostra o estudo da FGV", questiona Evandro Gussi. "Cadê o Ministério do Meio Ambiente participando desse processo?”
Ele se refere a um estudo do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas, cujos dados apontam que a desoneração dos combustíveis no último trimestre de 2022 contribuiu para a maior emissão de poluentes.
Enquanto o preço da gasolina foi reduzido em R$ 0,79, o etanol baixou R$ 0,24. Proporcionalmente, com a gasolina mais barata do que o etanol, o aumento de gases de efeito estufa no ar foi de 6,5%. “O peso ambiental dessa desoneração aconteceu”, resume Daniel Vargas, coordenador do Observatório.
Ainda assim, no acumulado do mesmo período, a participação do etanol na matriz brasileira de combustíveis contribuiu para a não emissão de 9 milhões de toneladas de CO2eq. Para sequestrar este volume de gás carbônico seriam necessários 22 mil hectares de árvores nativas plantadas.
Isso mostra que a decisão sobre taxar o etanol não pode se resumir à arrecadação de tributos, segundo Vargas, do Observatório, mas é necessário precificar o custo ambiental de aplicar alíquotas ao biocombustível. “Como a gente não tem essa estrutura de precificação do benefício ambiental, a gente não computa isso na decisão política e econômica”, diz.
Em relatório divulgado pelo BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME), a agenda ambiental do governo é o que pode influenciar a decisão de taxar o etanol. "O mesmo governo que ameaça subsidiar os combustíveis fósseis é o que abertamente abraçou uma agenda ESG mais forte", aponta o texto.
Nos últimos dois anos, a participação do etanol no ciclo otto - frota de veículos de carga leve que rodam a gasolina ou etanol - caiu de 45% para 39% em 2022. Isso significa que o Brasil, neste período, consumiu 4,2 bilhões de litros de etanol a menos em favor de 3,1 bilhões de litros a mais de gasolina, e emitiu 3,7 milhões de toneladas de CO2 por ano.
"Se a agenda ESG for levada a sério, acreditamos que o etanol terá que recuperar a relevância em vez de perdê-la. Isso também inclui os pontos positivos do programa RenovaBio", indica outro trecho do relatório do BTG.
Às vésperas da decisão do governo federal, Vargas, do Observatório da FGV, acredita que a tendência é de retorno da taxação. Não necessariamente isso seria ruim, à medida que a gasolina deva ter elevação de preço relativamente maior que o etanol.
Ana Zancaner, gerente da área de Análise do Czarnikow e analista do Czapp, lembra que a mudança do ICMS em junho do ano passado afetou o market share do etanol hidratado na matriz energética brasileira, chegando a cair 20,5%, patamar que não era visto antes da mudança de políticas de preços da Petrobras.
Mesmo com a volta da taxação, que ela considera importante, a participação do etanol no ciclo otto pode voltar a maiores patamares. “Em uma paridade teórica de 70% e se a desoneração para o etanol acabar, ele poderia ficar por volta de R$ 2,75 na bomba, que é acima da média de custo de produção”, analisa.
Para a ÚNICA, se as alíquotas voltarem a incidir sobre o etanol sem uma paridade justa com relação à gasolina, estima-se preliminarmente a perda de 200 mil empregos no setor. Isso porque, diz Evandro Gussi, o consumo pode ficar enfraquecido e as margens ficarão apertadas em relação ao custo de produção, seja para a indústria moageira ou produtores de cana.