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Amazônia: apenas cerca de 2 milhões de hectares foram destinados para as concessões florestais (Leandro Fonseca/Exame)
diretora executiva do Imaflora
Publicado em 6 de outubro de 2023 às 17h15.
Última atualização em 9 de outubro de 2023 às 15h45.
Com a troca de governo e a implementação de ações de comando e controle, a área desmatada na Amazônia caiu 42,5% nos primeiros sete meses do ano, quando comparamos com o mesmo período do ano passado. A princípio, é uma ótima notícia. Mas, se lembrarmos que os patamares dos últimos anos bateram recordes de área desmatada — os sete primeiros meses da temporada 2021/2022 alcançaram 5.474 km2 de desmatamento, contra 3.149 km2 em 2022/2023 —, vemos que ainda há muito a ser feito para chegarmos ao desmatamento zero na região.
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Em 2021, durante a COP26, 110 países — dentre os quais, o Brasil — firmaram um compromisso para acabar com o desmatamento até o final da década, a Declaração sobre Florestas de Glasgow. Ou seja, o esforço pelo fim do desmatamento tem um horizonte definido, e a janela temporal está logo ali.
Um dos entraves que enfrentamos, no entanto, é a falta de articulação entre os diferentes setores e respectivas iniciativas. Tanto o poder público, quanto o setor privado e o terceiro setor têm inúmeras propostas e iniciativas que buscam frear o desmatamento e a destruição da Amazônia. Falta, porém, uma coordenação que congregue as diversas iniciativas, para que possam ganhar escala e impacto, com um fortalecimento mútuo que permita alcançar seu objetivo final de manter a floresta em pé. Para isso, precisaremos lançar mão de todas as oportunidades possíveis, dialogar e agir.
Uma destas oportunidades surgiu recentemente. Em maio deste ano, entrou em vigor a nova Lei de Concessões que, entre outros dispositivos, permite a implantação de projetos de carbono dentro da área de concessões florestais. Assim, além dos recursos com a exploração sustentável de madeira e produtos florestais não madeireiros, como o extrativismo de borracha ou castanhas, o concessionário poderá obter recursos a partir da comercialização de créditos gerados pelo carbono não emitido a partir do desenvolvimento dessas atividades.
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Atualmente, apenas cerca de 2 milhões de hectares foram destinados para as concessões florestais na Amazônia. Precisaríamos chegar a 25 milhões de hectares concedidos sob regime de manejo florestal para termos a demanda madeireira atual em bases sustentáveis. Já a castanha da Amazônia movimenta anualmente mais de R$ 2,305 bilhões em média, segundo estudo do Observatório Castanha-da-Amazônia (OCA) lançado em abril deste ano. Ou seja, há um enorme potencial para reunir diferentes atividades sustentáveis em áreas ainda não destinadas, somadas à geração de créditos de carbono.
Outra agenda de extrema relevância e grande potencial é a estratégia para os territórios coletivos de comunidades e populações tradicionais. O uso múltiplo dessas florestas por meio do manejo florestal comunitário e familiar, o turismo de base sustentável, a valorização dos saberes tradicionais, além da possibilidade e da necessidade de remuneração pela manutenção da floresta em pé através do pagamento por serviços socioambientais, poderiam desempenhar um papel fundamental no enfrentamento do avanço do desmatamento.
Para combater o desmatamento e a degradação de nossas florestas gerado por pressão externa, como o que costuma acontecer em áreas públicas e em territórios de comunidades tradicionais, com o avanço de garimpeiros, grileiros e madeireiros ilegais, é preciso desenvolver soluções conjuntas e integradas que de fato mantenham a floresta em pé e a conserve do ponto de vista técnico, ecológico, da biodiversidade e da manutenção de todas as suas funções ecossistêmicas.
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Um assunto delicado que vai além de florestas, desmatamento, economia e precisa ser encarado de frente é a divergência de agendas de pessoas e instituições. Enquanto cada setor ou organização defender somente sua pauta e o assunto de seu interesse, sem considerar o todo, perderemos o objetivo maior de conservar a floresta. Somente com o entendimento entre e dentro das diversas instâncias governamentais, empresas e organizações não-governamentais (ONGs) é que poderemos enfrentar este problema, com condições de superá-lo. Pois, no fim do dia, todos nós dependemos da floresta em pé, dos seus ativos, serviços ou produtos.
* O artigo foi escrito em conjunto com Leonardo Martin Sobral, gerente de cadeias florestais do Imaflora