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(CHICO FERREIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/Estadão Conteúdo)
Repórter freela de Agro
Publicado em 29 de setembro de 2023 às 06h06.
A sequência de safra recordes de grãos tem turbinado o faturamento dos fretes do agronegócio brasileiro. O valor pago pelo transporte da produção chegou a R$ 28,4 bilhões em 2022, o equivalente a 27,2% do total movimentado pelo setor em logística. Os dados são de um estudo inédito recém-lançado pelo Empresômetro, uma spin-off do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
A partir dos dados dos remetentes dos fretes, o Empresômetro verificou que o Centro-Oeste respondeu por R$ 12,3 bilhões do valor pago pelo transporte de grãos no ano passado (43,2%). O Sul ficou em segundo lugar, com faturamento de R$ 9,6 bilhões (33,7%). Juntas, as regiões representaram 76,9% do total. Em seguida, vieram Sudeste (R$ 3 bilhões ou 10,6%), Nordeste (R$ 2,2 bilhões ou 7,8%) e Norte (R$ 1,3 bilhão ou 4,7%).
O resultado é parecido com o desempenho no campo, como mostram dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Considerando a safra 2021/2022, uma vez que o Empresômetro analisou notas fiscais de transporte do ano passado, a região Centro-Oeste foi responsável por 50,66% da produção de grãos no país, seguido do Sul (24,33%), Nordeste (9,9%), Sudeste (9,86%) e Norte (5,25%).
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Esse panorama, entretanto, muda quando se considera não só o frete de grãos, mas de todos os produtos do agro. Nesse cenário, quem lidera o valor comercializado com transporte é a região Sudeste, que faturou R$ 34,8 bilhões no ano passado (33,25% do total do setor), seguida de Sul (R$ 24,7 bilhões ou 23,7%), Centro-Oeste (R$ 19,3 bilhões ou 18,4%), Nordeste (R$ 16,4 bilhões ou 15,7%) e Norte (R$ 9,4 bilhões ou R$ 8,9%).
“O valor dos fretes é maior no Sul e Sudeste, principalmente, porque os depósitos e as indústrias que processam os grãos estão localizadas nestas regiões. Na prática, os principais pontos de armazenagem e processamento de grãos do Brasil ficam no Sul e no Sudeste”, explica Gilberto Luiz do Amaral, sócio e head de estudos do Empresômetro.
Quando considerados os diferentes modais, a partir das notas fiscais eletrônicas contendo CTe (Conhecimento de Transporte Eletrônico), a pesquisa revela que R$ 104,62 bilhões pagos em frete no Brasil estiveram vinculados a empresas cujo CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) era diretamente relacionado ao agro (18,15% do total).
A pesquisa também mostra que oito segmentos concentraram mais de 80% do valor comercializado nos fretes do agro brasileiro, totalizando R$ 80,6 bilhões em 2022. São eles: grãos (27,2%); alimentação humana, bebidas e laticínios (14,7%); insumos (14,3%); animais vivos e carnes (12,1%); máquinas e equipamentos (7,4%); e açúcar e álcool (6,1%).
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“Isso está diretamente relacionado à quantidade de produtos e a importância que eles têm para o setor de transporte, especialmente rodoviário. São operações feitas por cerca de 100 mil transportadoras em todas as regiões do país, o que representa força extraordinária do segmento, considerando a extensão territorial do Brasil”, pontua Amaral.
Conforme o levantamento, realizado entre janeiro e dezembro de 2022, o setor primário respondeu por R$ 28,74 bilhões do valor pago pelos fretes do agronegócio brasileiro (27,5%). Já o secundário faturou R$ 34,42 bilhões (32,9%), enquanto o setor terciário foi responsável pela movimentação de R$ 41,46 bilhões (39,6%).
A cifra bilionária nos fretes do agro, entretanto, traz um alerta: o avanço exponencial dos resultados nas lavouras tem trazido à tona os crescentes desafios e gargalos na logística fora da porteira, que depende majoritariamente do modal rodoviário para fazer o escoamento até as cooperativas, indústrias e portos.
Dados compilados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) mostram que 66% da matriz de transporte do país é rodoviária. As ferrovias respondem por 18% das operações. Em seguida, vêm cabotagem (10%) e hidrovias (6%). Por outro lado, 66,6% das estradas são classificadas como regular, ruim ou péssima.
“A logística não consegue acompanhar a velocidade de crescimento do agro, que tem obtido cada vez mais safras recordes. Pelo contrário, os projetos de infraestrutura demandam muitos recursos e tempo para saírem do papel”, avalia Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura da CNA.
Ela ainda chama atenção para o fato de que 76,7% do que é transportado pelas ferrovias é minério de ferro – só 16,4% da carga é ligada diretamente ao agro – e enfatiza que hoje o Brasil só usa 19 mil (29%) dos 43 mil quilômetros de rios navegáveis disponíveis.
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“Temos apenas 12,6% das estradas pavimentadas e navegamos em 19 mil quilômetros de rios porque faltam recursos para tornar alguns rios navegáveis o ano todo. Isso mostra que os principais gargalos estão relacionados com a necessidade de uma maturidade da nossa infraestrutura. Além disso, hoje é preciso usar as estruturas de Sudeste e Sul para escoar, o que significa percorrer, muitas vezes, uma maior distância”, pontua Elisangela.
Outro desafio é tornar a infraestrutura mais eficiente. Para Elisangela, é preciso expandir a compreensão de que investir em novas formas de transporte é uma forma de reduzir custos, pois as perdas impactam não só o agro, mas a sociedade como um todo, tanto na geração de empregos quanto, por exemplo, no preço dos alimentos.
Ela cita como exemplo o projeto da Ferrogrão, que visa construir um novo corredor ferroviário de exportação do Brasil pelo Arco Norte ao conectar a região produtora de grãos do Centro-Oeste até o Pará, desembocando no Porto de Miritituba. A estimativa é movimentar pelo menos 20 milhões de toneladas em cargas.
“O projeto da Ferrogrão cita que uma composição com trem e vagões pode movimentar 16 mil toneladas de uma vez só, ou seja, um comboio desses retira 400 caminhões da estrada. E tem um ganho de escala, pois movimenta uma maior quantidade na mesma extensão de 933 quilômetros, reduzindo custos. Ainda criar condições de trazer dos portos do Arco Norte fertilizantes e outros insumos para atender a região que hoje mais produz”, observa.
A assessora técnica da CNA também destaca a importância do governo federal no avanço dos projetos de logística, mas ressalta que a redução do orçamento público nos últimos anos e o maior interesse da iniciativa privada por concessões em áreas já desenvolvidas – e não novas fronteiras agrícolas, por exemplo – são algumas barreiras a superar.
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“Não resta dúvida que caberá à iniciativa privada suprir essa necessidade, mas alguns serviços não são viáveis economicamente, o que tem retraído certos investimentos. É aí que cabe ao poder público trazer segurança jurídica e caminhos para concretizar as obras. Afinal, não se pode falar em logística pensando em curto prazo, e essa é uma área que precisa ser vista como questão de planejamento de Estado, não de governo”, ressalta.
Por fim, Elisangela salienta que o recém-lançado Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) traz uma série de obras importantes para o agro – a maioria definida a partir de sugestões do setor produtivo.
“Houve uma alta aderência do que foi indicado como prioridade. Agora, nosso papel é monitorar quando começará e como será feito. Uma preocupação é de onde sairão os recursos, bem como entender, desse rol de obras, quais serão as prioritárias. Ter clareza sobre isso é essencial para o agronegócio”, conclui.